sábado, 5 de março de 2022

Um texto fundamental

 

De Henry Kissinger, que o Dr. Salles colocou no seu blog, talvez para lançar uma visão mais compreensível das razões de Putin e os seus aparentes direitos a uma Ucrânia das próprias origens russas. Mas isso não desculpabiliza Putin, que parece um louco criminoso, à maneira de Hitler, embora mais suavizada pelos seus ares piedosos de Tartufo untuoso.

UCRÂNIA 2

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  05.03.22

Artigo de Henry Kissinger publicado no «Washington Post» em 5 de Março de 2014.

https://www.washingtonpost.com/opinions/henry-kissinger-to-settle-the-ukraine-crisis-start-at-the-end/2014/03/05/46dad868-a496-11e3-8466-d34c451760b9_story.html

 «A discussão pública sobre a Ucrânia tem tudo a ver com confronto. Mas sabemos para onde vamos? Na minha vida, vi quatro guerras começarem com grande entusiasmo e apoio público, todas as quais não soubemos como terminar e de três das quais nos retiramos unilateralmente. O teste da política é como ela termina, não como começa. Com demasiada frequência, a questão ucraniana é apresentada como um confronto: se a Ucrânia se junta ao Oriente ou ao Ocidente. Mas para que a Ucrânia sobreviva e prospere, não deve ser o posto avançado de nenhum dos lados contra o outro – deve funcionar como uma ponte entre eles. A Rússia deve aceitar que tentar forçar a Ucrânia a um status de satélite e, assim, mover as fronteiras da Rússia novamente, condenaria Moscou a repetir a sua história de ciclos autorrealizáveis de pressões recíprocas com a Europa e os Estados Unidos. O Ocidente deve entender que, para a Rússia, a Ucrânia nunca pode ser apenas um país estrangeiro. A história russa começou no que foi chamado de Kievan-Rus. A religião russa espalhou-se a partir daí. A Ucrânia faz parte da Rússia há séculos e as suas histórias estavam entrelaçadas antes disso. Algumas das batalhas mais importantes pela liberdade russa, começando com a Batalha de Poltava em 1709, foram travadas em solo ucraniano. A Frota do Mar Negro o meio de projecção de poder da Rússia no Mediterrâneo – é baseado em arrendamento de longo prazo em Sebastopol, na Crimeia. Até mesmo dissidentes famosos como Aleksandr Solzhenitsyn e Joseph Brodsky insistiam que a Ucrânia era parte integrante da história russa e, de facto, da Rússia. A União Europeia deve reconhecer que a sua lentidão burocrática e a subordinação do elemento estratégico à política interna na negociação da relação da Ucrânia com a Europa contribuíram para transformar uma negociação em crise. A política externa é a arte de estabelecer prioridades. Os ucranianos são o elemento decisivo. Eles vivem num país com uma história complexa e uma composição poliglota. A parte ocidental foi incorporada à União Soviética em 1939, quando Stalin e Hitler dividiram os despojos. A Crimeia, cuja população é 60%russa, tornou-se parte da Ucrânia apenas em 1954 quando Nikita Khrushchev, ucraniano de nascimento, a concedeu como parte da celebração do 300º ano de um acordo russo com os cossacos. O Ocidente é, em grande parte católico; o Oriente, em grande parte, é ortodoxo russo. O Ocidente fala ucraniano; o Oriente fala principalmente russo. Qualquer tentativa de uma ala da Ucrânia de dominar a outra – como tem sido o padrão – levaria eventualmente a uma guerra civil ou separação. Tratar a Ucrânia como parte de um confronto Leste-Oeste arruinaria por décadas qualquer perspectiva de trazer a Rússia e o Ocidente – especialmente a Rússia e a Europa – para um sistema internacional cooperativo. A Ucrânia é independente há apenas 23 anos; anteriormente estava sob algum tipo de domínio estrangeiro desde o século 14. Não surpreendentemente, os seus líderes não aprenderam a arte do compromisso, muito menos a perspetiva histórica. A política da Ucrânia pós-independência demonstra claramente que a raiz do problema está nos esforços dos políticos ucranianos para impor a sua vontade a partes recalcitrantes do país, primeiro por uma facção, depois pela outra. Essa é a essência do conflito entre Viktor Yanukovych e sua principal rival política, Yulia Tymoshenko. Eles representam as duas alas da Ucrânia e não estão dispostos a dividir o poder. Uma política sábia dos EUA em relação à Ucrânia, buscaria uma maneira de as duas partes do país cooperarem entre si. Devemos buscar a reconciliação, não a dominação de uma facção. A Rússia e o Ocidente, e muito menos as várias fações na Ucrânia, não agiram de acordo com esse princípio. Cada um piorou a situação. A Rússia não conseguiria impor uma solução militar sem se isolar em um momento em que muitas das suas fronteiras já são precárias. Para o Ocidente, a demonização de Vladimir Putin não é uma política; é um álibi para a ausência de uma (…???...). Putin deve perceber que, quaisquer que sejam as suas queixas, uma política de imposições militares produziria outra Guerra Fria. Por sua parte, os Estados Unidos precisam evitar tratar a Rússia como uma aberração a ser pacientemente ensinada sobre as regras de conduta estabelecidas por Washington. Putin é um estratega sério – nas premissas da história russa. Compreender os valores e a psicologia dos EUA não são os seus pontos fortes. A compreensão da história e da psicologia russas também não foi um ponto forte dos formuladores de políticas dos EUA. Líderes de todos os lados devem voltar a examinar os resultados, não competir em postura. Aqui está a minha noção de um resultado compatível com os valores e interesses de segurança de todos os lados: A Ucrânia deve ter o direito de escolher livremente as suas associações económicas e políticas, inclusive com a Europa. A Ucrânia não deveria aderir à OTAN, posição que assumi há sete anos, quando surgiu pela última vez.

 A Ucrânia deve ser livre para criar qualquer governo compatível com a vontade expressa pelo seu povo. Os sábios líderes ucranianos optariam então por uma política de reconciliação entre as várias partes do seu país. Internacionalmente, devem seguir uma postura comparável à da Finlândia. Essa nação não deixa dúvidas sobre a sua feroz independência e coopera com o Ocidente na maioria dos campos, mas evita cuidadosamente a hostilidade institucional em relação à Rússia. É incompatível com as  regras da ordem mundial existente de a Rússia anexar a Crimeia. Mas deve ser possível colocar o relacionamento da Crimeia com a Ucrânia numa base menos tensa. Para esse fim, a Rússia reconheceria a soberania da Ucrânia sobre a Crimeia. A Ucrânia deve reforçar a autonomia da Crimeia nas eleições realizadas na presença de observadores internacionais. O processo incluiria a remoção de quaisquer ambiguidades sobre o status da Frota do Mar Negro em Sebastopol. Estes são princípios, não prescrições. As pessoas familiarizadas com a região saberão que nem todos serão palatáveis para todas as partes. O teste não é a satisfação absoluta, mas a insatisfação equilibrada. Se alguma solução baseada nesses ou em elementos comparáveis não for alcançada, a tendência para o confronto se acelerará. A hora para isso chegará em breve

 Tradução: Pedro Mascarenhas/Google

p.e.f. Margarida Castro

Tags: ucrânia

COMENTÁRIOS:

Henrique Salles da Fonseca  05.03.2022  16:29: Em primeiro lugar devo lhe dizer que simpatizo me com o povo Ucraniano que visita Goa em grande número como turistas e alguns deles residem em Goa por meses seguidos. Julgo que ucranianos são boas pessoas e bem-intencionados e não são afluentes. Essa guerra não tem cabimento. É totalmente indesejável. A Ucrânia é um país pobre e a América é um país totalmente comerciante e interesseiro e só vê o seu próprio benefício (selfish). Não devia convidar a Ucrânia a ser membro da Nato, nem a União Europeia convidar a Ucrânia a ser membro. Ambos sabiam e previam as consequências. A pobre Ucrânia é uma vítima dessas maquinações por parte da América e da EU. A pobre Ucrânia devido à sua pobreza ficou tentada com essa oferta e julgando que a América e a Nato viriam em ajuda a defendê-la militarmente . Mas tanto a América como a EU abandonaram a Ucrânia como se ela fosse uma tijela quente. Amândio coelho pereira (Bombaim)

 Henrique Salles da Fonseca  05.03.2022  16:33: Dr Henrique corrija-me se é que eu estou errado quanto ao meu ponto de vista! Pois penso que essa é que foi a causa ou provocação para a Rússia declarar a guerra contra a Ucrânia e isso estava bem previsto pela Ucrânia América e a EU. Amândio Coelho Pereira (Bombaim)

 Anónimo  05.03.2022  16:35: Obrigado, Henrique, por nos trazeres esse artigo de Henry Kissinger, escrito um mês antes do conflito entre rebeldes pró-russos e as forças armadas ucranianas, conflito que acabou por desaguar nos Acordos de Minsk. Já agora, porque não foram respeitados, no quê e por quem? E que diligências foram tomadas para que o fossem? Reportando-me ao que tem acontecido recentemente, digo Não à declaração de independência das duas províncias orientais ucranianas, como disse Não à recente deriva independentista de Regiões do País nosso vizinho, como disse Não à declaração unilateral de independência do Kosovo e ao seu consequente reconhecimento por Portugal, embora tenha de admitir que este se fez com os cuidados possíveis, malgrado as pressões a que Portugal foi sujeito para o seu pronto reconhecimento, conforme o então Presidente da República, Prof. Cavaco Silva, dá conta num capitulo específico do seu primeiro livro de memórias daquele período. Não à invasão de um País soberano, mesmo que fosse apenas para proteger parte da população de Regiões artificialmente declaradas independentes. A ONU não poderia tomar diligências para essa protecção, caso se justificasse? Não, por maioria de razão, quando a invasão atinge a dimensão que se conhece, com a barbárie envolvente. Um País não pode ser humilhado como a Ucrânia está a ser. Já tive oportunidade de escrever no teu blog, por mais de uma vez, que o punitivo Tratado de Versalhes, com as suas cláusulas de culpa e de indemnizações de guerra, bem como a ocupação do Ruhr pelos franceses, há 100 anos, para se cobrar das indemnizações, assim como a hiperinflação decorrente do pagamento daquelas contribuíram para a subida de Hitler ao poder em 1933. A falta de apoio ocidental, e até de humilhação, à reforma de Gorbachev, contribuiu para a invocação do nacionalismo russo, protagonizado primeiro por Ieltsin e depois por Putin. Aliás, aquele chegou a insinuar que as fronteiras entre as antigas Repúblicas das URSS poderiam ser renegociadas, atendendo à existência nas Repúblicas de minorias de russos, o que acelerou a independência de algumas delas, como foi o caso da Ucrânia, cujos resultados do referendo dei nota no meu comentário ao teu post de 1 de fevereiro sobre aquele País. Por razões também aí expostas, digo igualmente (como Kissinger) Não à inclusão da Ucrânia na NATO, embora reconheça que Putin muito tem feito para que o chapéu NATO avance formalmente para a Ucrânia e, eventualmente, para outros Países, como a Suécia e a Finlândia. O recente desempenho de Putin tem tido, quanto a mim, efeitos contraproducentes. Kruschev durou 2 anos, como político, após a sua aventura cubana. Vamos a ver quantos dura mais Putin, politicamente. Há qualquer coisa no ADN dos dirigentes russos que me escapa. Já o historiador francês, recentemente falecido, Joseph Pérez, na biografia de Felipe II, de Espanha, que acabo de reler, escrevia que, ao contrário do que acontecia nos Impérios Otomano e Russo, os reis da cristandade ocidental, apesar de exercerem também um poder absoluto, não eram déspotas, os seus poderes estavam limitados pelas leis divina e do reino, bem como por um conjunto de contratos, costumes e privilégios. Putin herdou o despotismo cruel. Oxalá que em Kiev, em vez do som e da destruição das bombas se ouça o empolgante som dos sinos e dos carrilhões com que Mussorgski tão bem termina a sua “Exposição de Quadros”, com “A grande porta de Kiev”. Conta-se, Henrique, que na Conferência de Potsdam, em julho de 1945, um oficial americano felicitou Estaline por o Exército Vermelho ter sido o primeiro a chegar a Berlim, ao que Estaline lhe respondeu que o czar Alexandre I chegara a Paris, referindo-se à perseguição ao derrotado exército napoleónico. Reportando-se, certamente, a esse episódio histórico, Eduardo Lourenço, num dos seus ensaios do início da última década do século passado, e inserido no seu livro “A Europa Desencantada”, interroga-se como seria a Europa se os cavalos do general soviético Jukov tivessem ido beber à Praça da Concórdia”. Como seria? Forte abraço. Carlos Traguelho

 Henrique Salles da Fonseca  05.03.2022 : Para mim e quem sou eu para dar opinião Putin não passa de um criminoso para o qual foi treinado arrasar cidades transformá-las em escombros é a sua forma de diversão. Era o k faltava os Espanhóis entrarem por aqui dentro e fazerem o mesmo já k somos todos ibéricos Isabel Pedrosa


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