sexta-feira, 4 de março de 2022

As verdades nos interesses próprios


É fácil, para MARTA MUCCZNIK, atacar o Ocidente, na sua amargura que explode em raiva contida ainda, na expectativa de mudança. Mas talvez não tenha totalmente razão. Floria

Os ideais democráticos ocidentais não esperavam ser confrontados com uma tal situação provocatória. Quando os generais das anteriores guerras invadiam as outras nações, eles próprios acompanhavam os seus homens, e destruíam com todo o seu encarniçamento, até ver, embora por vezes os invadidos fossem ajudados pelos amigos - como aconteceu connosco, que tivemos os ingleses a amparar-nos contra os espanhóis e os franceses em várias frentes, devido a uma previdente Aliança anterior estabelecida pelo mestre de Avis, que teve um papel fundamental na dilatação do nosso espaço, casando com uma Lencastre geradora de uma valorosa Ínclita Geração, além da tal Aliança. Mas, apesar de ajudas pontuais, os povos conquistadores costumam amanhar-se sozinhos, caso do Napoleão e do Hitler, não falando já nesses Alexandres Magnos ou mesmo o “Carles, li reis, nostre emperere Magnes”, autores das grandes proezas sem serem as da ficção grega ou latina, sempre é certo, com as tropas de apoio, que não importava que fossem esmagadas, estavam ali para isso.

Putin não é dos que vai a campo, já não se usa, como fez Napoleão e os restantes. Encolhido no seu espaço, manda, cobarde, criminoso, poderoso com os meios que tem ao seu alcance, com que não se importa de ameaçar o mundo, reconquistar o que a URSS perdera, acumulador de um império de obsceno domínio. Manda os seus homens e as suas armas, enquanto ele se esconde e se protege. Insensível à destruição, insensível ao seu povo, que não entende o porquê do genocídio dos seus próprios. E recomeça na Ucrânia a acção da reconquista, num desafio que joga com armas de destruição fatais. Por isso o mundo recua, na ajuda à Ucrânia, que sabe desse perigo também.

Talvez por isso, MARTA MUCCZNIK não tenha totalmente razão. Sim, a Ucrânia é que dá a cara, sendo o motivo inicial do monstruoso crime putiniano. Mas se os europeus fossem defendê-la, quem sabe se já não haveria Europa nem mundo, que esse criminoso, que devia ser julgado e condenado pelos seus próprios concidadãos, não se importa de mandar estilhaçar.

Estamos todos com a Ucrânia, mas é a Ucrânia que luta por todos nós

A Rússia não irá parar na Ucrânia tal como nada impedirá a China de continuar a exercer a sua influência económica e tecno-autoritária para além das suas fronteiras.

MARTA MUCZNIK

OBSERVADOR, 04 mar 2022

“#IstandwithUkraine” tornou-se, e bem, o hashtag da ordem do dia juntamente com a exibição das cores da bandeira ucraniana, o azul e o amarelo, e as manifestações em massa de solidariedade com o povo ucraniano. Mas por cada ‘#IstandwithUkraine’, devemos estar conscientes de que neste momento, quem luta por todos nós e em nosso nome é a Ucrânia, liderada pelo Presidente Zelensky, que está na linha da frente de um combate que extravasa em larga escala a fronteira Russo-Ucraniana e que nos diz respeito a todos, no conforto das nossas casas, no Ocidente.

Não se trata apenas da Ucrânia, como tem alertado, vezes sem conta, o corajoso presidente nos seus sucessivos apelos aos líderes europeus e ocidentais. Esta invasão é também uma declaração de guerra às democracias liberais. Putin tudo fará para impedir uma Ucrânia soberana, independente e democrática junto das suas fronteiras, que o líder Russo vê como ameaça directa ao seu regime. Como já tem sido amplamente discutido e analisado, Putin quer marcar a sua posição face ao Ocidente e manter a sua esfera de influência nos países vizinhos e fá-lo num contexto geopolítico mais vasto, marcado pela rivalidade das grandes potências, que opõe regimes autocratas e ditadores, por um lado, e democracias liberais ocidentais, por outro: onde se esgrimam ideias, valores, modos de vida, liberdades e modelos distintos de governança global.

Muito se tem falado sobre o declínio do Ocidente e a impotência da Europa em lidar com este mundo novo dominado pela rivalidade das grandes potências. Para este mundo, a ordem multilateral que nasceu das cinzas da WWII, o multilateralismo da unanimidade, não pode, nem consegue, dissuadir esta ameaça nem dar resposta à bipolarização que parece vir a definir o contexto geopolítico do século XXI. Talvez sejam necessárias novas formas de organização multilateral, novas alianças e uma nova arquitectura de segurança. Ou talvez um novo sentido de missão e um investimento redobrado nas instituições e formatos que já existem que unam países com os mesmos valores em torno de objectivos comuns. Este tem sido o grande objetivo da administração Biden, que elegeu a defesa das democracias e o combate aos regimes autoritários como o grande desafio ideológico e global dos nossos tempos, o sucessor da guerra fria e da guerra contra o fundamentalismo islâmico como principio inspirador da política externa norte-americana. Tem sido, de resto, a abordagem preferencial das sucessivas administrações americanas que, em diferentes momentos da história recente, não hesitam em avançar para formatos de coligações de países like-minded quando confrontados com a iminência do dia e para prosseguir os seus objetivos estratégicos, seja no Indo-Pacífico, na Europa ou no Médio Oriente.

É neste contexto que surgem também, com cada vez mais frequência, promessas de Bruxelas e de líderes europeus de afirmar a “Comissão Geopolítica” e de aprender a falar também a “linguagem do poder” e não apenas a da “paz” ou do “soft power” europeu. Muita tinta tem corrido sobre o sonho da autonomia estratégica da UE e o assumir de mais responsabilidades pela segurança europeia na vizinhança a leste. E apesar da coordenada e quase heroica demonstração de unidade europeia e transatlântica na resposta à invasão da Ucrânia, esta guerra veio reforçar a urgência e a necessidade de a UE se dotar de um verdadeiro exército europeu e de uma verdadeira autonomia estratégica, investindo mais na defesa e delegando mais poderes nesse domínio na UE. Só assim poderá a UE afirmar-se como actor global e credível, capaz de agir em tempo real e de intervir em crises. Mas para isso é preciso confrontar o “elefante na sala”, ou seja, equacionar uma maior integração europeia no domínio da política externa e de segurança e defesa, recorrendo, por exemplo, ao voto por maioria qualificada em determinadas áreas da política externa, como aliás já defendi aqui.

Esta é uma discussão complexa e com repercussões a múltiplos níveis, defendida por alguns e rejeitada por outros, para além de controversa junto de muitos Estados membros. Mas é uma discussão que merece maior atenção no espaço europeu e que, atendendo aos desenvolvimentos recentes, poderá vir a estar na ordem do dia daqui em diante. Poder-se-ia por exemplo ponderar o voto por maioria qualificada dentro de determinados limites e apenas em poucos domínios ou mesmo num registo ad-hoc, sem pôr em causa o princípio da unidade e coesão europeias e sem que os Estados membros abdiquem dos respetivos interesses nacionais. De resto uma ideia já defendida pela actual Presidente da Comissão Europeia, Úrsula Von der Leyen. Mas não tenhamos ilusões: a autonomia estratégica só se tornará uma realidade quando existir de facto uma cultura estratégica comum a 27, o que implica necessariamente que os Estados-membros estejam dispostos, não só a aumentar os gastos na defesa, como a abdicar de determinadas prerrogativas em prol do papel e acção da UE nos assuntos globais.

A Rússia não irá parar na Ucrânia tal como nada impedirá a China de continuar a exercer a sua influência económica e tecno-autoritária para além das suas fronteiras. As provocações russas a leste continuarão, tal como as ameaças híbridas, a guerra da desinformação e a interferência nos processos democráticos dos nossos países. Cabe aos Estados membros e a todos nós, cidadãos europeus, reflectir sobre o papel que queremos que a UE desempenhe no mundo. A impotência de que muitos falam não é só dessa figura vaga a que chamamos “o Ocidente”. Também não é só da UE. É de todos nós, porque todos nós somos o Ocidente e todos nós somos a UE. E no final do dia, a UE mais não é do que a soma das suas partes.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO

COMENTÁRIOS:

bento guerra: Estamos com a Ucrânia, mas a Ucrânia está com120 mil soldados e milhares de tanques e aviões russos a ocupá-la e a destruir pontos essenciais e a deixar marcas tremendas na vida de toda a gente. Essa a realidade, embora o romantismo bélico seja apelativo. E depois, invasores e invadidos, entendem-se na língua

João Marco: There is nothing more grotesque than a media pushing for war.7:46 PM · 11 de fev de 2022

Edward Snowden: Não escondam tanto a felicidade que isto traz a muitos “moderados” da praça. A pandemia e as regras deixaram sabor a pouco a muitos.

João Floriano: IstandwithUkraine é um slogan que vem no seguimento de Je suis Charlie. A Europa solidariza-se com medicamentos, roupas, vistos de permanência, armamento, sanções,  mas o que a Ucrânia mesmo necessita  é de forças militares no terreno. Não se sabe durante quanto tempo ainda resistirão os combatentes regulares e não regulares na Ucrânia. Para fornecer a ajuda que na realidade forçaria os russos a recuar, a Europa ou a NATO iriam provocar a generalização do conflito e Tshirts empapadas em sangue não agradarão de modo algum à opinião pública europeia por muito solidária que esteja. A Ucrânia vai  sangrar sozinha.

Sioux Boumerang: E luta muito bem, e deve de continuar a lutar até que nada reste das ruas com o nome de colaboradores de nazis, até que não haja nem um dedo para levantar novamente bandeiras nazis e até que não haja nem um ukraniano que se atreva sequer a pensar a cantar hinos nazis e a calçar umas botas. A ukrania, essa sua ukrania que vá para o inferno que a carregue!

josé maria: Estamos todos com a Ucrânia, mas é a Ucrânia que luta por todos nós. Para já, estão com a Ucrânia os 16.000 valentes estrangeiros que se juntaram à luta heróica dos ucranianos... No Ocidente, nós somos muito bons a mostrar solidariedade palavrosa...

 

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