quinta-feira, 31 de março de 2022

“Je pense, donc je suis”


Ou antes “je suis, donc je pense”? Paulo Tunhas minimiza,, demonstrando a acefalia  e o pedantismo – quem sabe se timorato - nesses tais… Os dizeres de alguns comentadores são exemplificativos de tais características.

O asno de Buridan actualizado em prol da paz

Porque se julgam estes vinte intelectuais de esquerda de tal modo acossados por uma sociedade que em nada os incomoda e lhes dá, como obviamente deve dar, toda a liberdade de palavra?

PAULO TUNHAS

OBSERVADOR, 31 mar 2022, 00:191

Nunca na minha vida tinha visto um tão extenso rol de queixumes. A propósito da invasão russa da Ucrânia, um grupo de vinte intelectuais de esquerda subscreveu um abaixo-assinado que tem por título “Pela paz contra a criminalização do pensamento. De que se queixam eles? Preparem-se, que a lista é longa. Por ordem: de serem vítimas de um “ambiente tóxico”, de “hostilização”, de “desacreditação pessoal”, de “intimidação”, de “escárnio”, de “desacreditação social”, de “pressão”, de “perseguição”, de “deturpação”, de “criminalização”, de serem objecto de uma “deriva totalitária”, de “intolerância” e de “censura”. Uf!

E qual a razão de tão inominável praga ter sobre eles caído? O motivo só acentua o horror e a tragédia do seu destino. A única razão de assim se terem transformado em párias de uma sociedade cruel é terem ousado “pensar diferente”. Como nos lembram, “pensar traz consequências”, e estas são tão mais dolorosas quanto “o poder político se sente proprietário das formas de pensar”, instituindo um “pensamento único” ao serviço daqueles que “colocaram de quarentena a faculdade de pensar”. Se, em geral, “pensar não é uma tarefa fácil”, como nos asseguram, certamente com conhecimento de causa, particularmente quando se trata de “pensar historicamente”, a missão roça o impossível quando se trata de elaborar “um pensamento subversivo que põe em causa a ordem das coisas” e a “criminalização da pluralidade do pensamento” atinge níveis nunca vistos. Estamos praticamente em presença, para utilizar os termos do governo russo a propósito dos russófonos do Donbass, de um “neo-holocausto” intelectual.

As forças de que o “poder” se serve para subjugar os seus heróicos, e aparentemente infrutíferos, esforços de pensamento são claramente expostas. São as forças de uma “sociedade onde o conhecimento é uma desvantagem e o saber não ocupa lugar” e que, “de forma acéfala”, propaga “opiniões irrelevantes e banais, sem referências éticas, e uma maneira de ser flexível e fútil”. O corolário do reino perverso dessas opiniões acéfalas, que dificilmente escondem “o desejo patológico de que a guerra se alastre à escala global”, é assinalado com grande profundidade filosófica: “O mundo torna-se instantâneo. Pode-se mudar mil vezes de princípios”.

Quem tiver lido a lista dos queixumes reproduzidos no primeiro parágrafo poderá compreensivelmente pensar que a força opressiva do “poder” se manifesta de forma tão implacável quanto as tropas invasoras de Putin se comportam na Ucrânia, destruindo cidades inteiras, causando inumeráveis mortes e provocando um fluxo de refugiados nunca visto na Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Cometeria, no entanto, um erro quem pensasse desta maneira. Porque, para os signatários, a situação na Ucrânia é complexa e quem falar da luta de um povo pela sua soberania e liberdade contra uma potência invasora, assim resumindo a situação, simplifica “de forma acéfala” a realidade, impedindo “a compreensão do mundo em que vivemos de forma crítica”, ao passo que a “intimidação”, etc., de que as vinte personalidades afirmam ser objecto é de sentido único e inequívoco. Por outras palavras: temos aqui direito a vítimas em estado puro.

Há nesta auto-descrição dos signatários uma mistura inextricável de ridículo, grotesco e obscenidade. Ridículo: a auto-importância que a si mesmos se dão. Grotesco: a própria afirmação de que são “perseguidos”, afirmação sem qualquer correspondência, mesmo que remota, na realidade. Obscenidade: a comparação tácita, que é impossível não pressentir, entre a sua situação e a dos russos que, vítimas de perseguição no seu próprio país, corajosamente se manifestam contra a invasão da Ucrânia.

Vamos agora ao tal “pensamento” de que tanto falam. É, dizem, um “pensar diferente”, que “não é fácil”, “um pensamento subversivo que põe em causa a ordem das coisas”, indo contra o “pensamento único” do “poder”. Sigamos a ordem, começando pela “diferença” do pensamento. Em que consiste, precisamente, ela? Tanto quanto se percebe, numa recusa em aceitar extrair as devidas conclusões de um facto óbvio: a Rússia invadiu a Ucrânia. Disse “extrair as devidas conclusões” porque, ao contrário da diplomacia russa, não se nega o facto bruto da invasão. A subtileza do “pensamento” consiste em, não negando o facto, saltar daí imediatamente para um plano puramente abstracto em que, para falar como um filósofo, nos colocamos numa situação de perfeita indiferença em que nada nos inclina numa direcção ou outra. É, de uma certa forma, a posição do asno de Buridan, incapaz de escolher entre dois campos verdejantes a igual distância dele e assim condenado a morrer à fome. O salto para o abstracto aterra numa proposição geral cuja falsidade é patente, tornando a sua discussão, neste contexto, ociosa: “O que melhor defende a civilização da selvajaria da guerra é o apelo incessante e incondicional à paz”. O “apelo incessante e incondicional [sublinho: incondicional]” é aqui maravilhoso. Hitler e Estalinedesculpe-se a facilidade dos exemplos – tê-lo-iam apreciado sumamente e oferecido uma medalha muito reluzente aos vinte subscritores.

Percebe-se que o pensamento não seja assim “fácil”. O asno de Buridan que o diga. Não se percebe, em contrapartida, em que possa ele consistir em algo de “subversivo que põe em causa a ordem das coisas”. Tudo aponta para que seja antes um pensamento acomodatício que, enquanto apela incondicionalmente à paz, deixa livre o campo de acção ao exercício da força bruta, isto é, à “ordem das coisas”. Que se veja nisto algo de “subversivo”, só se pode explicar, francamente, pela alta opinião que os signatários têm de si mesmos e da sua missão no planeta.

As duas coisas são, de resto, testemunhadas quando nos deparamos com a caracterização que oferecem daqueles a que se opõem e que, aos seus olhos, os perseguem com sanguinário furor. A acreditar no abaixo-assinado, são criaturas acéfalas, que apenas conseguem exprimir “opiniões irrelevantes e banais, sem referências éticas, e uma maneira de ser flexível e fútil” – outra perfeição, a “maneira de ser flexível e fútil”. Por artes dialécticas, uma tal “flexibilidade” é, no entanto, capaz de conviver com uma monstruosa inflexibilidade, a saber: “o desejo patológico de que a guerra se alastre à escala global”. Esse desejo de morte é, como não podia deixar de ser, o produto da nossa sociedade, que desvaloriza o “conhecimento” e o “saber” de que os signatários são os mais lídimos representantes. E tal é o seu brilho que a sociedade, acéfala e fútil, pronta a “mudar mil vezes de princípios” (o “pensamento único” admite, aparentemente, a pluralidade – mas sob a estrita forma da sucessividade) não os pode tolerar. A mediocridade, como se sabe, concebe forçosamente um tenaz rancor contra a excelência. Daí que cometa sobre esta a extensa lista de perfídias mencionadas no primeiro parágrafo.

Não disse, de propósito, quase uma palavra sobre as intenções que eventualmente presidem a este abaixo-assinado, em particular no que respeita à transição do reconhecimento da existência de uma invasão a uma posição semelhante à do asno de Buridan em versão pacifista: limitei-me a procurar descrever o movimento geral do espírito que o governa. É verosímil que, num caso ou noutro, o desenrolar da história dos últimos trinta e poucos anos tenha baralhado as cabeças sobre o destino da U.R.S.S e da Rússia, ao ponto de conceberem estas sob o modo composto de uma espécie de Úrssia. Mas, com toda a sinceridade, não me interessa. Interessa-me sim perceber em que mundo é que vivem. Porque se julgam de tal modo acossados por uma sociedade que em nada os incomoda e lhes dá, como obviamente deve dar, toda a liberdade de palavra? Porque se crêem detentores de um pensamento subtil e subversivo? E, finalmente, qual a legitimidade da capacidade diagnóstica que se atribuem para se instituírem como consciência crítica de uma sociedade que julgam acéfala, fútil e sem princípios? Se a condição para obter resposta a estas três questões for pôr a minha assinatura num abaixo-assinado (de não mais de três linhas), subscrito por gente de esquerda e de direita, que deles discorde, pedindo que a sua presença na comunicação social seja, se possível, alargada para lá da sua actual e muito substancial dimensão – é como se o meu nome já lá estivesse. A investigação científica dos mistérios da psique humana justifica todos os labores.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO   LIBERDADE DE EXPRESSÃO    LIBERDADES   SOCIEDADE

COMENTÁRIOS:

H Almeida: Muito bom. Total desconstrução do dito abaixo-assinado.           Américo Silva: A crise ucraniana é uma crise securitária mundial, entre outras criadas e dirigidas pelos USA, que alteram a ordem internacional e ameaçam a paz mundial, como a primavera árabe e a expansão da Nato cinco vezes para leste, violando as suas promessas, com o pretexto de consolidar a democracia, defender a estabilidade, e promover os valores ocidentais. E porque é que os ucranianos são mais vítimas do que os sírios?          Da Grreite Rizete: Bom artigo! Acho bem que se ataque e vilipendie o déspota Putin. Mas ditadores como Maduro, Kim, Díaz-Canel e Xi parecem ser “deixados em paz”. É certo que não invadiram nenhum país, mas não deixam de ser tiranos. Um momento… dizem-me aqui na mesa ao lado que o país do Xi invadiu o Tibete. A sério!? Ah, mas esse, ninguém ousa criticar, sobretudo em Portugal. O Xi é até recebido aqui com direito a tapete vermelho e discurso baboso do pantomineiro de Belém. Contra esse tirano já não se vê ninguém a rasgar as vestes ou a pintar os lábios de vermelho, sobretudo aquele idiota que dirige a “escolinha de corruptos” do PS, a JS. Esse à pergunta: Trump ou Xi, escolhe… Xi! Se ele decidir invadir Taiwan, quero ver se teremos as mesmas reacções que vemos agora relativamente a Putin.          João Ramos: Os tais « acéfalos » e « mal formados » serão sem dúvida os subscritores do tal abaixo assinado ou então são simples vigaristas mal intencionados!!!       jorge espinha: A Rússia/URSS deve ser o único país/império mundial que quando invade os vizinhos a culpa é do invadido. Nos anos 30 invadiu a Finlândia já não sei bem porquê mas certamente aquele país poderosíssimo deveria estar a ameaçá-los, depois juntamente com os seus amigos nazis invadiram a Polónia por medo duma suposta aliança Franco-Britânica. O Afeganistão deveria ter sido uma situação semelhante à Finlândia. Depois da queda do muro e já como "Rússia" invadiu a Geórgia, por culpa da Geórgia, claro está e a Ucrânia duas vezes. Dos tempos do principado da Moscóvia até 1917 foi invadindo e ocupando as terras a oriente numa fuga para a frente em busca duma sensação de segurança impossível de alcançar. Porque quanto mais aumentava o império mais fronteiras tinha para defender e descontentes no seu interior e maior a sensação de paranoia. Nem o Oceano Pacífico serviu de barreira pois chegaram até ao Alaska. Os comunistas do costume e os idiotas úteis da direita anti-woke estão na primeira linha da defesa. Sempre no caso dos comunistas, dá para acertar o relógio. Qualquer país que seja contra os ideais humanistas ocidentais e onde se esmague as liberdades que gozamos no ocidente é um bom país e um aliado. Para quem não sabia, fica agora a saber que o "ambientalismo" do Sr Soromenho Marques é alimentado a anti-capitalismo pois ele está-se a borrifar para a natureza.           António Sennfelt > jorge espinha: Caro Jorge Espinha; Lamento, mas parece ter-se esquecido de mencionar o esmagamento da revolta popular de 1954 em Berlim, de 1956 na Hungria e de 1964 em Praga! Eu sei que são minudências, comparadas com o Holodomor na Ucrânia nos anos 30 do século passado, já para não falar do sistema do terror vermelho e do Gulag que vigorou na URSS de 1917 a 1981!! Cumprimentos amigos.           jorge espinha > António Sennfelt: A minha intenção não foi escrever a história dos povos Russos desde a fundação de Kiev pelos Vikings. Há sempre muito que fica por dizer.         Isabel Gomes: Os “idiotas úteis “ que subscreveram este hino à hipocrisia bem podem bazar e desocupar o verdadeiro espaço da paz e da liberdade. Já chega de mentiras e de desonestidade! Estamos fartos desta neutralidade que defende a violência repressiva de Putin. Sim! Neste momento só há 2 caminhos e 2 lados! Escolham!! Cobardes!      AL MA: Indigentes de pensamento que se auto  intitulam, “Intelectuais”. Elogiam-se uns aos outros, premiando-se entre si. São  pessoas acéfalas, repetem chavões  com 120 anos, nunca fizeram nada de útil, mendigam nos jornais, televisões, associações, manifestos, manifestações, fundações, decoraram  palavras caras de  que não  sabem o significado quanto mais articular com mínimo sentido. A Esquerda só existe para alimentar estes parasitas.      Rui Rodrigues > AL MA: Olavo da Carvalho identificou bem esta intelectualidade dominante: -  "O imbecil colectivo não é, de facto, a mera soma de um certo número de imbecis individuais. É, ao contrário, uma coletividade de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem movidas pelo desejo comum de imbecilizar-se umas às outras". -  “O 'imbecil colectivo' é uma comunidade de pessoas de inteligência normal ou superior que se reúnem com o propósito de imbecilizar-se umas às outras”.  Joaquim zacarias: Intelectuais da treta. Subsidio dependentes. Enganadores. Hipócritas. Ditadores. Resumindo: nazis-fascistas. João Afonso: O paradoxo de Buridan é extensível aos que elegem deputados da seitas a que pertencem estes "intelectuais", porque quando acusam a sociedade de ser "acéfala e fútil", estão de facto a classificar somente aqueles que votam nos partidos mais antidemocráticos e totalitários com assento parlamentar. São nostálgicos úrssios, da Úrssia              Mario Almeida: Pronto, já carreguei no apontador. Graaaaaaande surpresa. BSS! … cuja genialidade de pensamento sobre a Ucrânia se resume a isto: “A Ucrânia era uma gaja boa, pôs-se a jeito. O Putin até nem queria!” Uma maravilha de Politicamente Correcto! Isto não é uma carta aberta, é um frete! Se algum dos signatários dever alguma coisa a BSS e se quiser libertar do empenho posso quotizar-me nesse acto de ajuda ao próximo, como forma de solidariedade com a Ucrânia.          Mario Almeida: Ainda não sei quem são estes 20 génios perseguidos pelo  lumpenproletariat … mas basta ler o Triunfo dos Porcos para perceber de que forma seríamos eliminados pela sua genialidade caso tivessem essa oportunidade!          Cisca Impllit: O problema é  mesmo a levar anos a fio com as putativas inteligência e razão destes seres, a fazer escola e ajudar o  Costas a derrubar muros  - não passam de uns imbecis, no exacto significado do substantivo.       António Sennfelt: Parabéns e obrigado, Paulo Tunhas, por mais um magnífico texto! Só tenho pena de continuar sem saber  quem são os vinte asnos signatários do tal documento. É que asnos há muitos, mas asnos de Buridan são exemplares merecedores do nosso maior desvelo e atenção!             joão Floriano > António Sennfelt: Boa tarde caro António Repare na quarta linha do texto, a azul. Clique e imediatamente abre a página do Expresso com o texto integral e os signatários. nada de novo: os do costume.

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