Ou antes “je suis, donc je pense”? Paulo
Tunhas minimiza,, demonstrando a acefalia e o pedantismo – quem sabe se timorato -
nesses tais… Os dizeres de alguns comentadores são exemplificativos de tais características.
O asno de Buridan actualizado em prol da paz
Porque se julgam estes vinte
intelectuais de esquerda de tal modo acossados por uma sociedade que em nada os
incomoda e lhes dá, como obviamente deve dar, toda a liberdade de palavra?
PAULO TUNHAS
OBSERVADOR, 31
mar 2022, 00:191
Nunca na minha vida tinha visto um tão
extenso rol de queixumes. A
propósito da invasão russa da Ucrânia, um grupo de vinte intelectuais de
esquerda subscreveu um abaixo-assinado que tem por título “Pela paz contra a criminalização do pensamento”. De que se
queixam eles? Preparem-se, que a lista é longa. Por ordem: de serem vítimas de um “ambiente tóxico”, de
“hostilização”, de “desacreditação pessoal”, de “intimidação”, de “escárnio”,
de “desacreditação social”, de “pressão”, de “perseguição”, de “deturpação”, de
“criminalização”, de serem objecto de uma “deriva totalitária”, de
“intolerância” e de “censura”.
Uf!
E
qual a razão de tão inominável praga ter sobre eles caído? O motivo só acentua
o horror e a tragédia do seu destino. A única razão de assim se terem
transformado em párias de uma sociedade cruel é terem ousado
“pensar diferente”. Como nos
lembram, “pensar traz
consequências”, e estas
são tão mais dolorosas quanto “o poder político se sente proprietário das
formas de pensar”, instituindo um “pensamento único” ao serviço daqueles que
“colocaram de quarentena a faculdade de pensar”. Se, em geral, “pensar não é uma tarefa fácil”,
como nos asseguram, certamente com conhecimento de causa, particularmente
quando se trata de “pensar historicamente”, a missão roça o impossível
quando se trata de elaborar “um pensamento subversivo que põe em causa a ordem
das coisas” e a “criminalização da pluralidade do pensamento” atinge
níveis nunca vistos. Estamos
praticamente em presença, para utilizar os termos do governo russo a propósito
dos russófonos do Donbass, de um “neo-holocausto”
intelectual.
As forças de que o “poder” se serve
para subjugar os seus heróicos, e aparentemente infrutíferos, esforços de
pensamento são claramente expostas. São
as forças de uma “sociedade onde o conhecimento é uma desvantagem e o saber não
ocupa lugar” e que, “de forma acéfala”, propaga “opiniões irrelevantes e
banais, sem referências éticas, e uma maneira de ser flexível e fútil”. O
corolário do reino perverso dessas opiniões acéfalas, que dificilmente escondem
“o desejo patológico de que a guerra se
alastre à escala global”, é
assinalado com grande profundidade filosófica: “O mundo
torna-se instantâneo. Pode-se mudar mil vezes de princípios”.
Quem
tiver lido a lista dos queixumes reproduzidos no primeiro parágrafo poderá compreensivelmente pensar
que a força opressiva do “poder” se manifesta de forma tão implacável quanto as
tropas invasoras de Putin se comportam na Ucrânia, destruindo cidades inteiras,
causando inumeráveis mortes e provocando um fluxo de refugiados nunca visto na
Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Cometeria, no entanto, um erro quem pensasse desta maneira. Porque,
para os signatários, a situação na Ucrânia é complexa e quem falar da luta de
um povo pela sua soberania e liberdade contra uma potência invasora, assim
resumindo a situação, simplifica “de forma acéfala” a realidade, impedindo “a
compreensão do mundo em que vivemos de forma crítica”, ao passo que a
“intimidação”, etc., de que as vinte personalidades afirmam ser objecto é de
sentido único e inequívoco. Por outras
palavras: temos aqui direito a vítimas em estado puro.
Há
nesta auto-descrição dos signatários uma mistura inextricável de ridículo,
grotesco e obscenidade. Ridículo: a
auto-importância que a si mesmos se dão. Grotesco: a
própria afirmação de que são “perseguidos”, afirmação sem qualquer correspondência, mesmo que
remota, na realidade. Obscenidade: a
comparação tácita, que é impossível não pressentir, entre a sua situação e a
dos russos que, vítimas de
perseguição no seu próprio país, corajosamente se manifestam contra a invasão
da Ucrânia.
Vamos
agora ao tal “pensamento” de que tanto falam. É, dizem, um “pensar diferente”, que “não é fácil”, “um pensamento
subversivo que põe em causa a ordem das coisas”, indo contra o “pensamento
único” do “poder”. Sigamos a
ordem, começando pela “diferença” do
pensamento. Em que
consiste, precisamente, ela? Tanto quanto se percebe, numa recusa em aceitar
extrair as devidas conclusões de um facto óbvio: a Rússia invadiu a Ucrânia. Disse “extrair as devidas conclusões” porque, ao
contrário da diplomacia russa, não se nega o facto bruto da invasão. A subtileza do
“pensamento” consiste
em, não negando o facto, saltar daí imediatamente para um plano puramente
abstracto em que, para falar como um filósofo, nos colocamos numa
situação de perfeita indiferença em que nada nos inclina numa direcção ou outra. É, de uma certa forma, a posição do asno de Buridan, incapaz de escolher entre dois campos verdejantes
a igual distância dele e assim condenado a morrer à fome. O salto para o abstracto aterra numa proposição geral cuja falsidade é
patente, tornando a sua discussão, neste contexto, ociosa: “O que melhor defende a civilização da selvajaria da
guerra é o apelo incessante e incondicional à paz”. O “apelo incessante e
incondicional [sublinho: incondicional]” é aqui maravilhoso. Hitler e
Estaline – desculpe-se
a facilidade dos exemplos – tê-lo-iam apreciado sumamente e oferecido uma
medalha muito reluzente aos vinte subscritores.
Percebe-se
que o pensamento não seja assim “fácil”. O
asno de Buridan que o diga. Não se percebe, em contrapartida, em que possa
ele consistir em algo de “subversivo que põe em causa a ordem das coisas”. Tudo aponta para que seja antes um pensamento
acomodatício que, enquanto apela incondicionalmente à paz, deixa livre o campo
de acção ao exercício da força bruta, isto é, à “ordem das coisas”. Que se veja nisto algo de “subversivo”, só se
pode explicar, francamente, pela alta opinião que os signatários têm
de si mesmos e da sua missão no planeta.
As
duas coisas são, de resto, testemunhadas quando nos deparamos com a
caracterização que oferecem daqueles a que se opõem e que, aos seus olhos, os
perseguem com sanguinário furor. A acreditar no abaixo-assinado, são criaturas acéfalas, que apenas conseguem exprimir
“opiniões irrelevantes e banais, sem referências éticas, e uma maneira de ser
flexível e fútil” – outra perfeição, a “maneira de ser flexível e fútil”. Por artes dialécticas, uma tal
“flexibilidade” é, no entanto, capaz de conviver com uma monstruosa
inflexibilidade, a saber: “o desejo patológico de que a guerra se alastre à
escala global”. Esse
desejo de morte é, como não podia deixar de ser, o produto da nossa sociedade,
que desvaloriza o “conhecimento” e o “saber” de que os signatários são os mais
lídimos representantes. E tal é o seu brilho que a sociedade, acéfala e fútil,
pronta a “mudar mil vezes de princípios” (o
“pensamento único” admite, aparentemente, a pluralidade – mas sob a estrita
forma da sucessividade) não os pode tolerar. A mediocridade, como se sabe, concebe forçosamente
um tenaz rancor contra a excelência. Daí que cometa sobre esta a extensa lista
de perfídias mencionadas no primeiro parágrafo.
Não
disse, de propósito, quase uma palavra sobre as intenções que eventualmente
presidem a este abaixo-assinado, em particular no que respeita à transição do
reconhecimento da existência de uma invasão a uma posição semelhante à do asno
de Buridan em versão pacifista:
limitei-me a procurar descrever o movimento geral do espírito que o governa. É verosímil que, num caso ou noutro, o desenrolar da
história dos últimos trinta e poucos anos tenha baralhado
as cabeças sobre o destino da U.R.S.S e da Rússia, ao ponto de conceberem estas sob o modo composto de
uma espécie de Úrssia. Mas, com toda a sinceridade, não me interessa.
Interessa-me sim perceber em que mundo é que vivem. Porque se julgam de tal modo acossados por uma
sociedade que em nada os incomoda e lhes dá, como obviamente deve dar, toda a
liberdade de palavra? Porque se crêem detentores de um pensamento subtil e
subversivo? E, finalmente, qual a legitimidade da capacidade diagnóstica que se
atribuem para se instituírem como consciência crítica de uma sociedade que
julgam acéfala, fútil e sem princípios? Se
a condição para obter resposta a estas três questões for pôr a minha assinatura
num abaixo-assinado (de não mais de três linhas), subscrito por gente de
esquerda e de direita, que deles discorde, pedindo que a sua presença na comunicação
social seja, se possível, alargada para lá da sua actual e muito substancial
dimensão – é como se o meu nome já lá estivesse. A investigação científica
dos mistérios da psique humana justifica todos os labores.
GUERRA NA UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO LIBERDADE DE EXPRESSÃO LIBERDADES SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
H Almeida: Muito bom.
Total desconstrução do dito abaixo-assinado. Américo Silva: A crise ucraniana é uma crise securitária mundial,
entre outras criadas e dirigidas pelos USA, que alteram a ordem internacional e
ameaçam a paz mundial, como a primavera árabe e a expansão da Nato cinco vezes
para leste, violando as suas promessas, com o pretexto de consolidar a
democracia, defender a estabilidade, e promover os valores ocidentais. E porque
é que os ucranianos são mais vítimas do que os sírios? Da Grreite Rizete: Bom artigo! Acho bem que se
ataque e vilipendie o déspota Putin. Mas ditadores como Maduro, Kim, Díaz-Canel
e Xi parecem ser “deixados em paz”. É certo que não invadiram nenhum país, mas
não deixam de ser tiranos. Um momento… dizem-me aqui na mesa ao lado que o país
do Xi invadiu o Tibete. A sério!? Ah, mas esse, ninguém ousa criticar,
sobretudo em Portugal. O Xi é até recebido aqui com direito a tapete vermelho e
discurso baboso do pantomineiro de Belém. Contra esse tirano já não se vê
ninguém a rasgar as vestes ou a pintar os lábios de vermelho, sobretudo aquele
idiota que dirige a “escolinha de corruptos” do PS, a JS. Esse à pergunta:
Trump ou Xi, escolhe… Xi! Se ele decidir invadir Taiwan, quero ver se teremos
as mesmas reacções que vemos agora relativamente a Putin. João Ramos: Os tais « acéfalos » e « mal
formados » serão sem dúvida os subscritores do tal abaixo assinado ou então são
simples vigaristas mal intencionados!!!
jorge espinha: A Rússia/URSS deve ser o único país/império mundial
que quando invade os vizinhos a culpa é do invadido. Nos anos 30 invadiu a Finlândia já não sei bem porquê mas
certamente aquele país poderosíssimo deveria estar a ameaçá-los, depois
juntamente com os seus amigos nazis invadiram a Polónia por medo duma suposta
aliança Franco-Britânica. O Afeganistão deveria ter sido uma situação
semelhante à Finlândia. Depois da queda do muro e já como "Rússia"
invadiu a Geórgia, por culpa da Geórgia, claro está e a Ucrânia duas vezes. Dos
tempos do principado da Moscóvia até 1917 foi invadindo e ocupando as terras a
oriente numa fuga para a frente em busca duma sensação de segurança impossível
de alcançar. Porque quanto mais aumentava o império mais fronteiras tinha para
defender e descontentes no seu interior e maior a sensação de paranoia. Nem o
Oceano Pacífico serviu de barreira pois chegaram até ao Alaska. Os comunistas do costume e os
idiotas úteis da direita anti-woke estão na primeira linha da defesa. Sempre no
caso dos comunistas, dá para acertar o relógio. Qualquer país que seja contra
os ideais humanistas ocidentais e onde se esmague as liberdades que gozamos no
ocidente é um bom país e um aliado. Para quem não sabia, fica agora a saber que
o "ambientalismo" do Sr Soromenho Marques é alimentado a
anti-capitalismo pois ele está-se a borrifar para a natureza. António Sennfelt > jorge espinha: Caro Jorge Espinha; Lamento, mas parece ter-se
esquecido de mencionar o esmagamento da revolta popular de 1954 em Berlim, de
1956 na Hungria e de 1964 em Praga! Eu sei que são minudências, comparadas com
o Holodomor na Ucrânia nos anos 30 do século passado, já para não falar do
sistema do terror vermelho e do Gulag que vigorou na URSS de 1917 a 1981!! Cumprimentos amigos. jorge espinha > António Sennfelt: A minha intenção não foi
escrever a história dos povos Russos desde a fundação de Kiev pelos Vikings. Há
sempre muito que fica por dizer. Isabel Gomes: Os “idiotas úteis “ que
subscreveram este hino à hipocrisia bem podem bazar e desocupar o verdadeiro
espaço da paz e da liberdade. Já chega de mentiras e de desonestidade! Estamos
fartos desta neutralidade que defende a violência repressiva de Putin. Sim!
Neste momento só há 2 caminhos e 2 lados! Escolham!! Cobardes! AL
MA: Indigentes de
pensamento que se auto intitulam, “Intelectuais”. Elogiam-se uns aos
outros, premiando-se entre si. São pessoas acéfalas, repetem chavões
com 120 anos, nunca fizeram nada de útil, mendigam nos jornais,
televisões, associações, manifestos, manifestações, fundações, decoraram
palavras caras de que não sabem o significado quanto mais
articular com mínimo sentido. A Esquerda só existe para alimentar estes parasitas. Rui
Rodrigues > AL MA: Olavo da Carvalho identificou
bem esta intelectualidade dominante: - "O imbecil colectivo não é, de facto, a
mera soma de um certo número de imbecis individuais. É, ao contrário, uma
coletividade de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem
movidas pelo desejo comum de imbecilizar-se umas às outras". - “O 'imbecil colectivo'
é uma comunidade de pessoas de inteligência normal ou superior que se reúnem
com o propósito de imbecilizar-se umas às outras”. Joaquim
zacarias: Intelectuais da treta. Subsidio dependentes. Enganadores.
Hipócritas. Ditadores. Resumindo: nazis-fascistas. João
Afonso: O paradoxo de Buridan é extensível aos que elegem deputados da seitas a que
pertencem estes "intelectuais", porque quando acusam a sociedade de
ser "acéfala e fútil", estão de facto a classificar somente aqueles
que votam nos partidos mais antidemocráticos e totalitários com assento
parlamentar. São nostálgicos úrssios, da Úrssia Mario Almeida: Pronto, já carreguei no
apontador. Graaaaaaande surpresa. BSS! … cuja genialidade de pensamento sobre a
Ucrânia se resume a isto: “A Ucrânia era uma gaja boa, pôs-se a jeito. O Putin
até nem queria!” Uma maravilha de Politicamente Correcto! Isto não é uma carta
aberta, é um frete! Se algum dos signatários dever alguma coisa a BSS e se
quiser libertar do empenho posso quotizar-me nesse acto de ajuda ao próximo,
como forma de solidariedade com a Ucrânia. Mario Almeida: Ainda não sei quem são estes 20
génios perseguidos pelo lumpenproletariat … mas basta ler o Triunfo dos
Porcos para perceber de que forma seríamos eliminados pela sua genialidade caso
tivessem essa oportunidade!
Cisca Impllit: O problema é mesmo a levar anos a fio com as
putativas inteligência e razão destes seres, a fazer escola e ajudar o
Costas a derrubar muros - não passam de uns imbecis, no exacto
significado do substantivo. António
Sennfelt: Parabéns e
obrigado, Paulo Tunhas, por mais um magnífico texto! Só tenho pena de continuar
sem saber quem são os vinte asnos signatários do tal documento. É que
asnos há muitos, mas asnos de Buridan são exemplares merecedores do nosso maior
desvelo e atenção! joão
Floriano > António Sennfelt:
Boa tarde caro
António Repare na quarta linha do texto, a azul. Clique e
imediatamente abre a página do Expresso com o texto integral e os signatários.
nada de novo: os do costume.
………………………………………………
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