sábado, 5 de março de 2022

O desamor é contra nós

 

Portugueses amedrontados ou servis, ocidentais amedrontados e cobardes. AG não perdoa, numa lucidez sem tréguas. Mas sem respostas também.

O caminho da Covid até Kiev

As multidões que por causa da Covid aplaudiam o colapso deliberado da economia hoje reclamam aos berros o provável colapso da humanidade. Sem a iminência de um bom Apocalipse, a rapaziada não sossega.

ALBERTO GONÇALVES, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 05 mar 2022, 00:216

Durante dois anos, governantes, “especialistas”, “pivots” de telejornais e um senhor que mora ali abaixo e conduz mascarado garantiam que estávamos em guerra. Muitos acreditaram. Até que, para plagiar um bocadinho o meu amigo Tiago Dores, chegou uma guerra a sério e percebeu-se a diferença. E a diferença entre um vírus respiratório e o risco nuclear é significativa, sobretudo se os líderes e as populações ocidentais estão mais bem preparados para os falsos combates do que para os verdadeiros. É mais fácil fechar a ralé em casa e multar velhinhas que comem na rua do que desaconselhar, com firmeza e custos eleitorais, um ditador de invadir e massacrar uma democracia. Uma civilização histérica com uma epidemia igual a várias, além de empenhada nos intervalos em políticas “identitárias” e “descarbonização”, não parece grande obstáculo a ambições imperiais. E não é. A fraqueza cheira-se, e o sr. Putin cheirou-a à distância.

O olfacto não é sinónimo de valentia, e a distância não é no sentido geográfico. Sabem aquela mesa com dimensões de um “court” de ténis que o sr. Putin coloca a separá-lo dos raros privilegiados que o visitam? Não é só demonstração ridícula de autoridade: é também medo da Covid. Ao que consta, a criatura está desde 2020 em cuidados extremos para não contrair a doença. À semelhança de tantos, é possível que tenha endoidecido, com a agravante de que, loucas ou sãs, as pessoas comuns às vezes nem sequer podiam aceder a um refrigerante em take-away, e o sr. Putin beneficia de acesso a um certo botão vermelho. Não é bom augúrio que o futuro esteja nas mãos de um indivíduo apavorado por um organismo microscópico. E é um sinal terrível que do outro lado estejam os irresponsáveis que apavoraram sociedades inteiras a pretexto de um organismo microscópico.

O lado a que me refiro é o Ocidente. Pelo meio, há a Ucrânia, afinal a vítima imediata da guerra verdadeira. Não sei se o país está repleto de “neo-nazis”, conforme afiançam o sr. Putin e os comunistas do BE e do PCP. Sei que os alegados “neo-nazis” locais, curiosamente liderados por um presidente judeu, revelam uma bravura que, a Oeste, já apenas conhecemos dos livros – se entretanto estes não desceram ao Index por ofender esquimós ou uma adolescente “trans”. Perante o horror real, Zelensky pegou em armas, ao contrário dos “estadistas” que, perante um coronavírus, se refugiaram atrás de uma mesa ou de retórica autoritária. É compreensível que, vista daqui, a coragem cause estranheza – e fascínio. Num ápice, quase todos desataram a tentar ser ucranianos. Não conseguiram.

É que o amor daquela gente à liberdade não nasceu ontem. Anteontem, os ucranianos foram os europeus menos obedientes às restrições “motivadas” pela Covid (que o governo decretou vagamente e que contaram com a oposição ou a indiferença dos poderes regionais e dos cidadãos). Para não manchar a corrente reputação dos ucranianos junto de defensores da supressão social dos “negacionistas”, prometo não mencionar o lugar europeu da Ucrânia em matéria de vacinação: digamos que não é um lugar próximo do espectacular “civismo” [sic] português. Quem gosta de liberdade prefere-a inteira, e não distingue as essenciais das acessórias. Os ucranianos são uma lição. Por azar, poucos a aprenderam. E é isso que amplia uma tragédia já enorme.

Descontando a escala e as eventuais consequências, a irracionalidade com que se reagiu à Covid não está longe da irracionalidade com que se exige o tipo de respostas susceptíveis de iniciar um conflito mundial e devastador. As multidões que por causa da Covid aplaudiam o colapso deliberado da economia e das cabecinhas hoje reclamam aos berros o provável colapso da humanidade. Sem a iminência de um bom Apocalipse, a rapaziada não sossega. É razoável culpar o medo, sempre o pior conselheiro, por ambas as atitudes, mas medo é o que começo a sentir por partilhar o planeta com tamanha quantidade de transtornados, fanáticos por “novos normais” e “pontos sem retorno”.

O problema da Ucrânia não se prende com a NATO, excepto na medida em que a NATO, os EUA e, por caridade, a UE falharam na dissuasão dos apetites de Moscovo e na correspondência dos desejos de Kiev. Houve um tempo em que teria sido plausível impedir de acontecer o que está a acontecer. Houve um tempo em que importava à América e à Europa exibirem o tipo de força que mantém autocratas na linha, em vez de brincarem às “alterações climáticas” e se despejarem na dependência energética dos autocratas. Houve um tempo em que o Ocidente podia escolher não ser aquilo em que se tornou: uma nulidade amolecida e tendencialmente suicida. Graças aos débeis senhores que mandam nisto, embora sejam incapazes de demonstrar que isto ainda manda alguma coisa, esse tempo acabou.

Desgraçadamente, a Ucrânia vai cair enquanto estado, faltando apurar-se e como se prolongará a resistência. A nós, resta-nos cair no cinismo e esperar que o sr. Putin, que constatou a sua impunidade, se fique por ali nos desafios e na carnificina. E esperar que as sanções económicas e uns latidos soltos produzam um milagre. E esperar que a cobardia e a irresponsabilidade dos actuais “estadistas” não os empurrem para bravatas desvairadas. E esperar que as nossas televisões deixem de convidar espécimes do BE e do PCP salvo em programas dedicados à vida selvagem. Vou esperar sentado, na varanda e com um saco de água estagnada na mão, a ver quando passa a primeira máscara Ffp2 azul e amarela.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO   CORONAVÍRUS   SAÚDE PÚBLICA   SAÚDE

COMENTÁRIOS:

OutraConta Apagada: Nem mais:  cobardia é a palavra que define o Ocidente.              Nelson Marques: Não consigo explicar a minha satisfação ao ler este texto, mais uma vez brilhante. Acho que faltam estadistas por aí fora que tomem decisões e medidas que realmente são importantes para os países e para o mundo e não para agradar a ideologias e a meninas de 15 anos.              FME: Tenho sérias dúvidas que o “court” de ténis do Putin seja por causa do Covid. Não me lembro de ver o Putin de máscara, acessório indispensável a um verdadeiro covidário. Na minha opinião, uma das imagens de marca do início desta guerra é precisamente Biden, e toda a sua corte mascarados a anunciarem sanções contra a Rússia no meio de aplausos. Algo semelhante ao anúncio de uma baixa de impostos, ou que vencemos a pandemia.  Uma mesa muito grande faz-nos pequeninos. Uma mesa pequena cria intimidade. A entrevista ontem de Júlio Magalhães a Durão Barroso na CNN (sem máscaras nem acrílicos; parabéns) parecia uma conversa à mesa de um restaurante. A troca de bafos cria proximidade. Ainda tive uma ligeira esperança, que o Júlio, no meio de tanta intimidade lhe desse um beijo, não, não, estou a brincar, mas que lhe perguntasse que história foi aquela das armas de destruição maciça no Iraque. Depois pensei: - hum, o Júlio nunca faria uma pergunta dessas!  A coragem não é um dos nossos méritos. Eu, por exemplo não consigo subir a um telhado por causa das vertigens, na verdade, tenho medo de cair, mas, em solidariedade somos um povo inigualável. Na minha terra, Carreiras é imbatível em ser o primeiro a organizar estas ações de ajuda humanitária. É pena ser covidário, não tira a máscara nem para, para, para… nada. Ele e meia dúzia de tias já com os pés virados para a cova. Parabéns Pinto Luz, Piteira e outros dirigentes da autarquia que já mandaram a máscara para às urtigas. - Ai Sr. Presidente Carreiras já anda tudo sem máscara, que irresponsáveis, disse a tia também horrorizada com roupas tão velhas e sem gosto. ainda tentei perceber para onde iam as doações e responderam-me que iam directamente para a Ucrânia. Perguntei se os russos não poderiam impedir a chegada destes bens aos ucranianos. Disseram-me que já existiam corredores humanitários para o transporte destes bens. Questionei quem tinha organizado esses corredores humanitários e quiseram-me bater. A solidariedade faz parte da grandeza do povo português e não deve ser questionável. Nota: a pandemia ainda não acabou, apesar de Graça Freitas, qual negacionista, ter admitido a sazonalidade da doença.             Manuel Martins: A importância da covid sempre esteve relacionada com a hierarquia de prioridades de cada país,  de cada cidadão.  Isto era fácil de perceber nos países pobres, onde a luta é diária pela refeição seguinte  e não se há confinamento,  vacinação ou máscaras disponíveis e onde se usam, etc. Concordo com AG que a Europa está demasiado acomodada, preguiçosa,  balofa. Isso é evidente quando os seus dirigentes políticos se dedicam a assuntos menores e supérfluos, e os políticos  eleitos são líderes de gestão da paz e não formatados para a mudança. Pode ser que os verdadeiros líderes possam emergir...             N. M.: Este homem é duma lucidez que quase dói.        António Santos: Oh Alberto Gonçalves, eu gostava de ter escrito isto. Não consigo, mas há alguém que consegue - ainda bem.              Cupid Stunt: Nem mais! É o que me vai na alma. Parabéns. Vamos ver como e onde isto irá parar, mas ao menos espero (sentado....) que sirva de lição e que a atitude do "ocidente" das últimas décadas mude para aquilo que devia ter sido para impedir tragédias como a que desde há pouco mais de uma semana se está a desenrolar....                Pontifex Maximus: Só não havia necessidade de voltar ao covid, Alberto, agora que parecia que já se tinha esquecido dele! No mais, na mouche. A Europa não serve para quase nada e quanto à NATO não tenho grande fé nela e, embora não crente, de vez em quando lá me sai um “Deus queira que os tanques russos sejam mesmo tão mais como parecem e avariem pelo caminho pois que de outro modo não sei como isto será “.          Cipião Numantino: Muita gentinha irá ficar com as orelhas a arder, face a tão eloquente prédica do nosso caro AG. Gosto pouco de ver este notável articulista a desviar-se, digamos de coisas úteis. E revisitar o caso do couvinhas parece-me manifestamente mero desperdício de tempo. Do alto dos meus já provectos anos vi e inferi muita coisa. E, uma delas, é como declama o povo, muita gente "adora possuir sarna para se coçar". E, acrescentaria, que a maluqueira institucionalizada nem sequer é um simples sinal dos tempos mas, antes, uma profissão de fé transversal a toda a História. E, acentuo, que isso se torna ainda bem mais evidente em épocas de paz e acalmia que logicamente dá azo ao relaxamento do intelecto e à placidez dos sentidos. Por isso mesmo, quando se está sob a ameaça de guerra, as pessoas além de terem mais coisas com que se preocupar merecem bem menos atenção de terceiros e, por isso mesmo, a mensagem não passa e geralmente morre logo ali à nascença. É, assim notável, que nunca mais se tenha falado do couvinhas. E o que antes era assunto omnipresente nas notícias, passa agora mais discreto do que raposa escapulindo-se numa noite de breu. Os "cientistas" do assunto estão desaparecidos em combate (não sei se na Ucrânia se no reino da estupidez), os alarmistas jogam agora à bisca delambida, os pidescos guardiões da moral e bons costumes estão metidos em casa azucrinando a cabeça das mulheres e, finalmente, os governantes supercontroladores estarão certamente cheinhos de medo que o czar Putin albino, lhes mande uma ameixa atómica em cima do toutiço e os "faça ir com os porcos". De toda esta trupe e salgalhada esquerdeira ou alucinada (trata-se de um pleonasmo), só já consigo enxergar o trapo orgulhosamente aperrado na focinheira, só não sabendo se é por vergonhas alheias ou, em relação a muita desta gente, para esconderem a fealdade irritante com que um Deus distraído ou confuso os colocou cá na terra com a exclusiva missão de se autoflagelarem e complicar a vida de todos os demais. Pessoal, a guerra continua e recomenda-se. En passant a manjericada esquerdosa e tonta que nos desgoverna segue esbulhando-nos com um imposto obsceno e de rapinagem nos combustíveis. Inexplicável como petróleo comprado há vários meses, já repercutiu no preço os acentuados aumentos a que agora estamos submetidos. Por sua vez, o governo desta choldra, resolve proporcionar-nos um bónus que dá para comprar uma caixa de chicletes enquanto nos enreda em aplicações informáticas dignas do filme Matrix.  Olhem, sabem o que vos digo? Boa, mas mesmo muito boa está a situação na Venezuela! Pois não é que o Costa lá daquele sítio resolveu aumentar, agora de rompante, um aumento do salário mínimo em 1.700%!!! Ora ripem lá das calculadoras e multipliquem o nosso salário mínimo por esta percentagem? Isso mesmo, seria por cá um aumento instantâneo que se cifraria em 11.985,00 € mensais!!! Como diria o Gugu da ONU é só mesmo fazer contas. Isto é que é um país dos amanhãs que cantam! E não consigo entender como toda esta gente não vai de avião, de barco ou mesmo a pé para o mítico El Dorado que Francisco Vasquez de Coronado tão diligentemente procurou e nunca encontrou. Eu se fosse esquerdoso (abrenúncio, vade retro Satanás) pirava-me imediatamente daqui e ia manjar as bellas y guapas muchachas venezuelanas! PS- Segue a rusga. Ainda um destes dias ao fazer zapping na TV dei de caras com dois artistas do PCP e outro do Berloque da Canhota, todos em simultâneo a depenicarem uns assuntos corriqueiros em três estações. Por este andar estas duas fajutas agremiações estarão desaparecidas há muitos anos e ainda as farão reviver em sequelas do filme "A múmia". Valha-nos Nossa Senhora dos Caminhos de Ferro. Oh da guarda, peixe frito. Que me acudam se não eu grito!...             Claudia Mealha: Tudo dito! Magistral!

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