Leio uma crónica assinada por Paulo Faria, num Público de empréstimo, de 20/2 – leitura, pois,
já obsoleta, para as tragédias repentinas e traiçoeiras de uma guerra iniciada
há seis dias, e que se desenrola com as habituais monstruosidades das guerras,
a fazer prever uma continuidade de perversão em crescendo.
Chama-se a crónica “Chorar como homens crescidos”, e é inspirada
numa exposição fotográfica no Museu do Aljube, chamada “A Guerra Guardada”, de
fotografias tiradas nos tempos da
guerra colonial, pelos militares que nela andaram envolvidos, nos tempos
salazaristas do desprezo demarcado do cronista e das expositoras fotográficas –
as antropólogas Maria José Lobo
Antunes e Inês Ponte - os três
movidos por igual repugnância pelos familiares ou conhecidos, que tiraram as
ditas fotos, símbolo da sua sujeição, quando jovens ao serviço da pátria, aos
ditames de um ditador que lhes impôs a defesa dela, então reduzida, entre os
vários que atingira, em tempos de outra glória, a um continente que fora o
primeiro a ser conquistado para a dilatação do globo terreno, cujo conhecimento
relativo à sua extensão e forma, fora ignorado até esse atrevido ousar, de liliputianos
pioneiros de espantosos feitos quatrocentistas e seguintes.
A crónica “Chorar como homens crescidos” é
distinguida por uma dessas fotos apresentando um militar garboso, de camisa,
calção e botas do seu exército, acompanhado por um rapazinho africano, muito
sério e talvez orgulhoso, no seu camuflado acrescido de cinturão e bóina,
embora o autor da crónica e as expositoras das fotos sejam mais inclinados,
certamente, para uma interpretação menos romântica dessa seriedade – antes, de
indignação protestante, desse rapazinho também garboso, que mal chega ao cinturão do
militar, no espaço amplo e vê-se que arejado e varrido, de palhotas por trás.
O certo é que na tal exposição, Paulo Faria encontrou o furriel Gamito e o menino da história
que ele já contara, em livro - o Vitor – que lhe fora transmitida pelo tal
furriel, companheiro do seu pai, história que, aliás, adulterara, segundo
afirma, cremos que dentro das intenções desfeiteadoras das tais políticas salazaristas
de defesa colonial que descambaram na reviravolta dos cravos, de uma ideologia
naturalmente persistente ainda hoje, como passaporte para o sucesso, que o
alastramento dessas antigas fotos referenciadas na crónica vem, certamente,
revigorar.
E Paulo
Faria vá de se debruçar sobre as tais fotos que representam hábitos
que condena, desses hoje veteranos, ou já desaparecidos, que, ao invés, talvez,
de fixarem aspectos tenebrosos de uma guerra condenada ao fracasso,
apresentavam antes, boas fotos no despudor da felicidade possível, nesses
matos, que permitiram a mestiçagem e outras aventuras condenáveis, segundo a
retórica patética do autor da crónica: «Como
foi possível deixarmos estas histórias tantos anos ao abandono, fechadas no
peito destes homens? Como foi possível que todos nós, os veteranos e os filhos
da guerra, os políticos e os cidadãos comuns, deixássemos que estas histórias
enquistassem em amargura?»
Amargura
ou natural cobardia, antes, desses escorraçados ultramarinos, que na pátria dos
novos heróis, dos fugidos à guerra ou seus descendentes, que alardearam as suas
convicções falsamente generosas de solidariedade universal, etc, etc., que lhes
deram e dão prestígio e glória, como se vê por este escrito de expressiva foto
e alastrando em duas largas páginas do Público.
Não, os tais veteranos, como o furriel
Gamito - cuja história o escritor Faria adulterou,
segundo afirma, (o que fez aquele zangar-se, inicialmente, zanga em breve
amortizada, após as justificações, certamente que “ideológicas” do escritor
Faria) – os tais veteranos, chegados cá, calaram humildemente esse passado
inglório de lutadores obedientes a um ditador que não contestaram, e que os
seus descendentes contestam orgulhosamente, livres da férula pesada desse caquéctico
governante, de preceitos nacionalistas ultrapassados.
Preceitos que cumprem os homens
ucranianos hoje, enfrentando os desmandos de um louco perverso, que nesta data
20/2 ainda só ameaçava atacar, mas contra quem os homens ucranianos se
preparavam para se defender. Talvez “chorando
como homens crescidos”, segundo a expressão tolamente piegas de Paulo Faria, mas com o sentimento viril de um dever
pátrio imprescindível, dever que desconhece PF,
mais versado nisso da fraternidade.
É claro que este se aproveita do momento
propício, de condenação dos tempos passados e os homens desse tempo, já que os
tempos lhe pertencem hoje, por cá, livres e fraternos.
Não, não posso deixar de comparar isto,
que me repugna, como sintomático de um país só brioso na gesta futebolística,
com as atitudes da gente da Ucrânia – homens e mulheres – sofrendo e
arriscando-se a uma defesa para a qual se vêm preparando, no barril de pólvora
em que assentam, junto de uma nação que, atacando os impérios alheios - por
alturas das tais descolonizações - defende, com perícia e malvadez diabólica,
hoje, o seu próprio império, que quer retomar, recriando o antigo muro. Que,
pois, condenando os impérios alheios, incompreensivelmente, não se desligou do
seu.
Será que o exemplo ucraniano não
envergonha a pieguice torpe de Paulo Faria?
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