Voltarmos à terra-mãe, e aos moinhos à
beira do rio… Uma “aurea mediocritas”
que ninguém mais deseja, naturalmente…
O dilema do banco central do euro
Estamos todos mais pobres e a
transferir rendimento para quem produz petróleo e gás. Entre afundar mais a
economia ou arriscar o descontrolo da inflação, o BCE tem uma escolha difícil.
HELENA GARRIDO
OBSERVADOR, 08
mar 2022, 01:081
Os
brasileiros têm uma expressão que se adapta muito bem ao problema que hoje
enfrentam os bancos centrais com especial relevo para o Banco Central Europeu:
“se ficar o bicho come, se fugir o bicho pega”. O “bicho”
são dois: a inflação e o crescimento. Sendo
certo que neste momento começa a existir entre os economistas a convicção de
que vamos viver uma crise com as características da registada em 1973 e 1979,
quando ocorreram o primeiro e o segundo choques petrolíferos. Uma crise marcada
pela estagnação ou mesmo quebra da produção com inflação, e que é conhecida
como “estagflação”.
Na
década de 70 os economistas estavam convencidos que não era possível ter, ao
mesmo tempo, inflação e recessão, influenciados ainda pela designada curva de
Philipps – que estabelecia uma relação negativa entre a inflação e o
desemprego. E que durante anos criou a ilusão de que se podia escolher entre
inflação e emprego. A acentuada
subida dos preços do petróleo em 1973 – e depois em 1979 – acabaram com essa
ilusão. E, neste momento, estamos a caminho de experimentar uma
crise semelhante.
A subida acentuada dos preços do petróleo
e do gás, sem que existam expectativas de uma
redução a prazo – veja-se as cotações a 7 de Março para as entregas até ao
fim do ano –, a que se junta a subida de preços de cereais, como o trigo, e de
algumas matérias primas que têm na Rússia um importante fornecedor constituem aquilo que os economistas designam como um choque do lado da oferta. Paralelamente, temos várias empresas a encerrarem
a sua actividade na Rússia, de sectores tão diversos como as petrolíferas, os
automóveis, o vestuário e serviços financeiros.
Antes de a invasão da Ucrânia pela
Rússia se iniciar, a 24 de Fevereiro, a Zona Euro, tal como os Estados Unidos,
enfrentavam já um problema com a inflação. Estávamos
a sair da pandemia com a pressão da procura a fazer subir os preços, a par do
choque energético que se tinha tido o ano passado. O BCE
resistiu em apertar a política monetária, argumentando que se estava perante
uma subida temporária dos preços, mas este argumento estava a perder força.
Neste momento novos argumentos recomendam prudência na decisão de apertar a
política monetária. Especialmente para a Zona Euro.
A
Rússia é o quinto maior mercado de
exportação da União Europeia e o terceiro em
importações, sendo o seu principal fornecedor de petróleo e gás natural. A Rússia garante cerca de metade do gás consumido pela
Alemanha e 46% pela Itália. Daí a relutância dos alemães em avançar para sanções
sobre as vendas de petróleo e gás russos, como querem os Estados Unidos. A Europa será
assim inevitavelmente a região mais efectada pela guerra na Ucrânia, quer por
ser aqui que o conflito ocorre, quer, e especialmente, pelas interligações
comerciais com a Rússia. Neste momento já existem economistas que admitem o
cenário de uma recessão na economia europeia.
Com este quadro, o BCE terá de ser
especialmente prudente. E é essa prudência que se espera que saia na importante
reunião do Conselho de Governadores que vai decorrer na quinta-feira dia 10 de
Março. Mesmo com a inflação nos 5,8% em
Fevereiro, os analistas e investidores apontam agora para o adiamento da
subida das taxas de juro para 2023, quando antes da guerra se previa que
começasse a acontecer em finais deste ano.
Neste dilema entre combater a inflação,
danificando o crescimento, ou ignorar a inflação, continuando a dizer que a
subida de preços está concentrada na energia, para não afundar ainda mais a
economia, tudo indica que o BCE seguirá esta segunda via. Até porque o aperto da política monetária dificilmente
impedirá uma subida de preços concentrada ainda na energia e que é gerada agora
pela guerra. De um eventual problema de excesso de procura, que parecia
existir antes da guerra, passámos a um choque da oferta que não se resolve com
a subida da taxa de juro.
O problema da área do euro é que os
Estados Unidos devem subir as taxas de juro, mesmo que a um ritmo mais lento. O presidente da Reserva Federal indicou na semana
passada que vai avançar com uma subida de 0,25 pontos percentuais, quando antes
da guerra se esperavam subidas de 0,5 pontos. Juntando uma melhor remuneração
em dólares com a perspectiva de que a economia norte-americana vai sofrer
menos, com a invasão da Ucrânia pelas Rússia, o BCE vai igualmente enfrentar
uma desvalorização do euro, como aliás já está a acontecer: desde 24 de
Fevereiro, o euro já caiu mais de 3% face
ao dólar. E a queda do euro significa alimentar ainda
mais a inflação importada.
Putin, como escreve Edgar Caetano deixa
ainda mais Lagarde entre a espada e a parede.
Revisitando a década de 70, há economistas a lembrar que na altura se cometeu o
erro de expandir a política monetária, acabando por alimentar ainda mais a
inflação. A diferença é que, desta vez, a chuva de dinheiro já estava a
acontecer por causa da pandemia. Trata-se apenas de não “secar essa chuva”,
evitando assim provocar um mergulho ainda mais grave das economias da Zona
Euro. Até porque, para já, não há sinais de subida dos salários.
Na realidade vamos ficar todos mais
pobres, a fazer enormes transferências de rendimento para os países que
produzem petróleo, gás, cereais e algumas matérias minerais – entre eles, a
própria Rússia. E esse empobrecimento vai inevitavelmente concretizar-se com a
subida de preços e uma provável recessão.
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COMENTÁRIOS:
Simplório: «Na realidade vamos ficar todos mais pobres, a fazer enormes
transferências de rendimento para os países que produzem petróleo, gás, cereais
e algumas matérias minerais. Em relação aos cereais, há notícias
bastante recentes (com apenas um mês) com títulos como "Produção de cereais cai para o
nível mais baixo dos últimos 100 anos em Portugal", pesquisem
pelo título e vejam o gráfico. A produção de cereais tem diminuído a cada ano que
passa. Dependemos fortemente do exterior até para o pão que comemos!
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