quarta-feira, 9 de março de 2022

Diversão


Revanche aussi. Será que pega? Não é provável. Será que é bonito? Não parece, mas é humano, faz parte da valentia em ocasião de vitória, ainda que esta, aparente. O comunismo está. Vivemos em democracia.

Manual de Anti-Comunismo para ex-totós

O PCP é igual ao que sempre foi. A diferença aqui é que, ao contrário dos cubanos e dos coreanos, os ucranianos conseguem mostrar-vos a sua desgraça nas redes sociais.

JOSÉ DIOGO QUINTELA, Colunista do OBSERVADOR

OBSERVADOR, 08 mar 2022

Sejam bem-vindos ao anti-comunismo! E, também, mal-vindos. Por um lado, estou feliz que estejam aqui. Por outro, estou deprimido. É uma sensação estranha. Não me sentia assim desde 1996, quando os Dave Matthews Band editaram o Crash e todos os meus amigos, que antes desprezavam a banda, subitamente começaram a gostar. E eu, que a descobrira em 1993, que tinha o Remember Two Things e o Under The Table and Dreaming, que sabia as letras de cor, que conhecia o nome de todos os membros do grupo e que até já os tinha visto tocar ao vivo, deixei de me sentir especial. Estava contente que agora pudéssemos todos ouvir os DBM, mas triste por passar a ser apenas mais um fã.

Exactamente como me sinto agora, com esta chegada do anti-comunismo ao mainstream. É que considero-me um hipster da falta de estima pelo PCP. Já o desprezava quando toda a gente ainda dizia bem. Quando o anti-comunismo só passava em bares manhosos. Agora que enche estádios, irritam-me os recém-chegados. Gente que, até há duas semanas, olhava-me de soslaio quando eu criticava o PCP, de repente não se cala com a desonestidade do João Ferreira e com a cara-de-pau do João Oliveira – ou vice-versa, que eles dizem as mesmas coisas. Como em 1996, quando os neófitos queriam convencer-me que o Crash Into Me era a melhor canção de sempre dos DMB. Como assim? Então e o Tripping Billies? Então e o The Best of What’s Around? Agora, os novatos vêm excitados com a invasão da Ucrânia e eu tenho lhes dizer: “É ruim, sim senhor. Mas será a pior? Não me faz esquecer o Pacto Germano-Soviético, o Grande Salto em Frente ou a Hungria, 1956”. É que eu conheço os êxitos antigos do PCP.

Apesar da exasperação, sei que devo habituar-me a ter companhia. E sei, também, que os primeiros tempos de anti-comunismo podem ser difíceis para quem chega e se depara com tão vasta obra. Daí ter-me dado ao trabalho de elaborar uma lista com alguns conselhos que, estou em crer, vão ajudar os iniciados a tornarem-se verdadeiros groupies.

Para já, trata-se apenas de um primeiro rascunho, com falhas que procurarei corrigir em versões mais avançadas. A argumentação é tosca e simplista, mas também não quero confundir cabeças que, até há poucos dias, engoliam a retórica comunista sem questionar. Aliás, o meu plano é transformar isto num tutorial e pedir a uma influencer para fazer um daqueles vídeos cheios de dinamismo que ajudam a passar melhor a mensagem. E que deixam uma pessoa mareada, se durarem muito. Vamos a isso.

1Em primeiro lugar, calma. Respirem fundo. Agora expirem. Outra vez. Eu percebo o choque. Querem gritar, não é? Não o façam. Gritos é no filo-comunismo. Aqui somos mais tranquilos. Guardem a indignação. Não tuitem em caps lock. Se começarem já a berrar: “Como é possível apoiarem isto?”, chegam ao fim-de-semana sem voz. Até porque é claro que é possível. O contrário é que seria impossível. É possível o PCP apoiar a Rússia, como é possível apoiar a Coreia do Norte e Cuba. Há pouco tempo, quando perguntaram a Jerónimo de Sousa se a Coreia do Norte era uma democracia, ele respondeu: “O que é a democracia? Primeiro tínhamos de discutir o que é a democracia”. Quanto a Cuba, António “Que falta faz ao Parlamento” Filipe disse: “Estar a qualificar Fidel Castro como um ditador não é só simplista como errado”. E também: “Não qualifico como ditadura aquilo que se passa em Cuba”.

O PCP é igual ao que sempre foi. A diferença aqui é que, ao contrário dos cubanos e dos coreanos, os ucranianos conseguem mostrar-vos a sua desgraça nas redes sociais. E, pormenor importante, agora o PS tem maioria absoluta e por isso já não é preciso o PCP para nada. A vossa epifania vem daí. Por isso, não perguntem “como é possível não verem?”, não vá alguém perguntar-vos “como foi possível não verem?” E depois entram numa guerra de hipocrisias. Qual a maior? A do PCP? Ou a de quem se finge chocado com a descoberta da hipocrisia do PCP? Eu acho que é a minha, ao simular escândalo com a hipocrisia de quem se finge chocado com a descoberta da hipocrisia do PCP. Mas é tão engraçado que não consigo não ser sonso.

2Os vossos amigos comunistas vão tentar convencer-vos de que aquilo que o PCP defende para o país não tem nada que ver com as suas posições sobre política externa, que são meramente performativas.

Desconfiem. Basta reparar: quando o PS aponta as sociais-democracias nórdicas como exemplo ou a Iniciativa Liberal nos esfrega a Irlanda na cara, nós sabemos que o PS gostava que Portugal fosse mais como os países nórdicos e que a IL gostava que Portugal fosse mais como a Irlanda. Porque é que, quando o PCP defende a China ou Venezuela, havia de ser diferente?

O que o PCP propõe para Portugal não é contraditório com a sua defesa de ditaduras porque a aplicação do que o PCP propõe para Portugal redunda sempre (sempre, é mesmo sempre, não é quase sempre, nem sequer só às vezes ou apenas de vez em quando, não, é sempre) em ditaduras. Um país governado por comunistas começa por expropriar. Depois, por gerir mal a economia. O que provoca fome. Isso motiva protestos do povo. Que resultam em supressão da liberdade de expressão. O que causa revolta. Que conduz à repressão. E isso acaba em exílio e morte. Sempre.

3Também não se deixem enganar pela facilidade com que os comunistas dizem “povo” e “trabalhadores”. São palavras que usam para distrair. Para se safaram de situações incómodas. É como nas relações sexuais BDSM: quando a dominatrix começa a abusar, há uma palavra de segurança que o escravo rasca usa para poder parar. Os comunistas fazem o mesmo. Quando estão a ser massacrados, dizem “povo” e esperam que paremos. Na realidade, eles borrifam no povo, querem só parar de apanhar. O “povo” dos comunistas fica bem no estribilho “o povo unido jamais será vencido”. Sob qualquer regime comunista, o povo quer-se unido por ser mais fácil de espezinhar do que o povo disperso.

4A mesma coisa com a palavra “paz”. Para o PCP, paz é rendição, resistência é agressão. Os comunistas não são pacifistas. São pacifachos.

5Se derem por vocês a ceder aos argumentos comunistas – às vezes acontece, eles parecem mesmo fofinhos – façam como Arya Stark no Game of Thrones. Ao adormecer, Arya recitava uma lista com o nome das pessoas que lhe tinham feito mal, para nunca se esquecer. Têm muito por onde escolher. Pessoalmente, gosto destes: Pol Pot, Estaline, Mao, Trotsky, Fidel Castro, Hugo Chavez, Kim Jong-il, Lenine, Che Guevara, Ceausescu. Costumo declamá-los com a melodia do My Favorite Things, da Música no Coração. Ao fim de três voltas já estou a ressonar.

6Aconteça o que acontecer, não tentem converter um comunista. É perda de tempo. E falta de educação. É tão inútil quanto convencer um cristão que Deus não existe, tão cruel como revelar a uma criança que não há Pai Natal e tão absurdo como persuadir o Pai Natal que a melhor forma de tirar uma nódoa de azeite da roupa é esfregando com mais azeite. A crença no comunismo é impermeável à argumentação racional. Para um comunista deixar de ser comunista, tem de ser ele próprio a esbardalhar-se na Estrada de Damasco. Metaforicamente, claro. Em Damasco já não há estradas em condições, o Assad rebentou-as a todas. Assad que, há coincidências giras!, também é apoiado pelo PCP. Mas esse é um dos êxitos antigos, daqueles que, até há 15 dias, não vos diziam nada.

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COMENTÁRIOS

Grreite Rissete: O PCP é um partido anacrónico mas coerente na opressão dos povos. Para que fique claro: como democrata que sou, detesto ditadores, venham eles de onde vierem. E, nesse sentido, a abjecta invasão da Rússia à Ucrânia, um país soberano, repugna-me totalmente. Mas não sou dos que “endeuso” as elites ucranianas como se estas fossem impolutas e à prova de críticas. Tal como a Rússia, a Ucrânia também tem os seus oligarcas, as suas máfias ligadas ao tráfico de pessoas e de órgãos, e a corrupção está praticamente no ADN do país. Agora, o que eu não consigo conceber, nesse suposto Estado de Direito Democrático, é a existência do Batalhão A ZOV, uma força paramilitar que tem suásticas nos capacetes, faz saudações hitlerianas e paradas com tochas e rituais tipicamente nazis. E isto com a cobertura do governo. Portanto, não se trata de uma qualquer milícia que actua à margem da lei. Grupos neonazis também existem na Rússia e na… Alemanha. Mas aí não consta que tenham o beneplácito do governo. Aparentemente, é o A ZOV que está a impedir os homens de abandonar o país, e com isso separando famílias. Em qualquer democracia digna desse nome, está previsto o estatuto do objector de consciência e ninguém deve ser mobilizado à força, sobretudo se for para satisfazer o ego de alguém ao servir de “carne para canhão”. Ou alguém sério e com experiência militar acredita que a Ucrânia terá alguma hipótese de vencer esta guerra?              klaus muller: J.D.Q., não esteja preocupado pois a nossa CS vai começar a desculpar/reciclar tudo o que o PCP e BE vêm dizendo e nós voltaremos novamente a pertencer àquela minoria que ainda não abdicou de raciocinar e é anti comunista. E o pior nem sequer estará na  CS. O Costa, se vir que talvez lucre uns votitos, é bem capaz de vender a dignidade que lhe resta e, tal como recentemente mudou de lado, voltar novamente à antiga postura. E o Marcelo, esse será conforme o politicamente correto lhe indicar Enfim, é tudo tão triste.            Paulo Veloso: Associar o que se passa a simples classificação ideologias políticas é no mínimo básico e inocente. Investiguem o que se passa e formem opiniões próprias e não clubísticas. Desde que temos democracia temos sido roubados pelo PS, PSD e CDS. A influencia dos outros partidos comunistas ou nazistas é indiferente. Milhares de Milhões para BPP, BPN, Submarinos, Privatizações ao desbarato da GALP e EDP, etc, etc, etc... Anda tudo focado em quem apenas organiza a festa do Avante, como se isso fosse relevante no panorama actual.        Clarisse Seca: Bravo! Sr. Quintela. Não podia ser mais certeiro.

Alberico Lopes: Impagável! Cada vez mais  certeiro!            João Afonso: Depois  de 48 anos a ouvir a máquina de lavar "ideologias assassinas e totalitárias",  fazer passar o comunismo por coisa fofa, acredito que o humor é mesmo a maneira mais suave de mostrar a crua realidade, não vão os pasmados ficar com stress pós-traumático! Do melhor humor que se faz em Portugal. Parabéns!       Nuno Pê: É verdade que a democrática Ucrânia proibiu há uns anos a existência do partido comunista lá do sítio, mas não se percebe como é que o PCP acha que a Ucrânia também fez o que pôde para haver esta guerra. A Ucrânia é uma democracia e merece toda a nossa admiração. Há que cascar no PCP. Mesmo sabendo que há uns dias os grupos nazis da Ucrânia mataram um atleta de MMA ucraniano apenas porque treinava com russos, e que esses grupos limparam o sebo há uns dias a um dos negociadores ucranianos que marcou presença na primeira ronda de negociações, porque acharam que estava feito com os russos. Isto vem nos jornais ocidentais, mas quem falar disto é comuna e pró Putin blá blá blá.            advoga diabo: Devagarinho JDQ lá vai transformando o humor amargo em esforçados raciocínios "sérios". Estará a sair da forma de padeiro um futuro Visconde Zelensky? O humor não perde nada, a panificação perde um empresário autoritário, a política ganha um Beppe Grillo de andar por casa!           antonyo antonyo > advoga diabo: Também ganha um comentário idiota.           Fernando Prata: Excelente artigo. Pena é que mais de 200.000 portugueses votem nesse partido. Não se esqueçam do BE que anda a tentar passar no intervalo dos pingos da chuva. Esses são mais do mesmo, mas mais sonsos.             Pedro Santos: Nem precisava tanta explicação, basta lembrarmos o 25 de Novembro para saber a massa de que são feitos! Miguel Eanes: Putin fundador e líder de um partido de direita liberal, o "Rússia Unida", que pediu a adesão à Internacional Democrata Centrista, grupo político do qual faz parte o Partido Popular Europeu, onde se encontram filiados o PSD; CDS; CDU alemã; PP espanhol, ou seja apenas partidos de direita. E ainda assim continuam a insistir na mentira, de que Putin é comunista? Mudem de cassete.           Dom Love > Miguel Eanes: Só foi comunista até 2008, depois, por mérito da magia e do acaso, transformou-se em liberal de direita extremista.        José Paulo C Castro > Miguel Eanes: Putin, membro da KGB localizado em Dresden quando caiu o muro de Berlim, retorquiu aos membros da Stasi, que lhe diziam ser impossível conter as multidões, que ele tinha dado ordem para disparar sobre todos os que atravessarem a fronteira. Se isto não é ser profundamente comunista, ou ainda pior: um nacionalista da KGB soviética, não sei o que foi ser comunista na ex-URSS. Parece-me que se reduziu a isto: defender o Estado por cima dos seus próprios habitantes. Inclusivé dos seus cadáveres. Check. Se o modelo económico permite alguma folga ou não, são pormenores.            Pedro Augusto > Miguel Eanes: O Putin é do que lhe der mais jeito... o PCP é que ainda vive iludido que o comunismo funciona...          Jose Augusto Mira Pires > BorgesMiguel Eanes: Deve ser por isso que o PCP o apoia, Por não ser comuna. Mesmo que não fosse e é, não passa de um ditador, um nazista, um déspota e os únicos que o defenderam, foram os comunistas portugueses que vieram bradar que a NATO e os USA queriam agredir a Rússia e isso, no entender do PCP justifica as acções do déspota do Kremlin. Só cego é que não vê!             António Reis: Excelente crónica. Parabéns!!           João Floriano: Crónica soberba e excelente. Espero que o Anticomunismo tenha vindo para ficar e que não seja pura e simplesmente como abrir a janela de uma divisão cheia de maus cheiros de mofo, bolor e gatos mortos que muitas vezes existem nas arrecadações dos prédios. Depois de uma limpeza superficial, o vizinho tranca de novo o espaço e  é de novo considerado um exemplo para o condomínio, até  o cheiro ser de novo insuportável. De todos os carrascos que Quintela invoca, que o PCP elogia, Pol Pot é o que mais me choca, sobretudo pelo genocídio selectivo.          FME > João Floriano: Bom dia caro JF. O anticomunismo é como uma nuvem mais escura de passagem. A comunicação social normaliza os comunistas. Dá-lhes palco. As televisões estão minadas com comunas. Esta crise passa no dia em que o Jeropiga condenar a invasão da Ucrânia e construir umas frases mais ocidentalizadas a condenar a guerra e Putin.
Infelizmente, o comunismo em Portugal só será verdadeiramente vencido quando o vivermos, e mesmo assim não sei, já que os cubanos e venezuelanos são mais inconformados do que nós!  
          Américo Silva: A democracia é perfeita, a prova são os milhões de imigrantes ilegais que tentam chegar à Europa e aos USA pelo México. E bombardeia a Líbia e a Síria e explora os países da américa do sul seja na banana ou no minério, cada vez mais pobres, e cada vez chegam mais imigrantes ilegais, ou seja, a democracia é tanto mais perfeita quanto mais bombardear e extorquir.           Jose Augusto Mira Pires Borges > Américo Silva: A caminho de países comunistas é que não há emigrante nenhum, nem legal nem ilegal. Nem um, quer ir para lá! Vá lá saber-se porquê....              luis doria: Este é dos mais conseguidos e certeiros artigos do JDQ que me foi dado ler até agora.

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