Em que, suponho, todos vão pensando, o da integração a longo
ou definitivo prazo desses povos estrangeiros, sofredores de uma guerra
inesperada e monstruosa, a terem que aceitar uma hospitalidade que não pediram,
mas lhes foi solidariamente oferecida, provavelmente com mais calor humano do
que no caso dos “retornados”, estes, para todos os efeitos, usurpadores de
espaços a que tinham deixado de pertencer, na sua maioria. Os escorraçados de
África passaram por situações de adaptação, incomodativas, mas tinham a língua
ou famílias em comum, e para além disso, o Estado Português, naturalmente, teve
que os acolher, mantendo-lhes os seus direitos, como seres da mesma pátria, que
se foram “virando” dentro do possível nos novos espaços. Não são situações do
mesmo peso, claro, apesar do sentimento de revolta inicial daqueles, bem
diferente do desespero absoluto destes, em fuga de uma pátria em inesperada
guerra brutal, despojados de tudo o que significara para eles a própria vida. O
que todos desejaríamos é que se adaptassem o mais cedo possível, pelo trabalho
e a estabilidade, precários ou não, alguns junto dos seus familiares, que já
anteriormente se haviam lançado nas migrações mais ou menos frutuosas, que
muitos dos nossos, de resto, sempre praticaram, voluntariamente, e continuam,
ao longo dos tempos, em busca de condições de vida menos adversas, de uma
pátria desde sempre metida "No gosto da cobiça e na rudeza Dua
austera apagada e vil tristeza". Tudo isso é injusto, tudo é
revoltante, só se deseja que a União Europeia os não abandone, nas várias
pátrias a que eles terão que se acolher, por longo tempo ainda. E na nossa
também, apesar do cepticismo do nosso épico, talvez eliminado por imposições
exteriores, unionistas, ou internas, de solidariedade própria.
O perigo de ondas solidárias que viram marés vazas
Apesar de ser
um conflito em solo europeu, o tema dos refugiados ucranianos não durará para sempre.
Quando os meios de comunicação social abandonarem as fronteiras, estas pessoas
ainda cá estarão.
PEDRO ROCHA E
MELLO Ilustrador e Animador Digital
OBSERVADOR, 30
mar 2022, 00:071
No último mês, a guerra na Ucrânia tem
levado toda a Europa a mergulhar numa enorme onda solidária, desde entidades
estatais, empresas, até ao comum cidadão que, de forma organizada ou
independente, se tem movido até às fronteiras do conflito para resgatar aqueles
cujo futuro tem estado assente sob um sentimento constante de medo e incerteza.
Relativamente
àquela que está a ser a receção contínua dos milhares de refugiados ucranianos
em Portugal, quero com este artigo chamar à atenção para os perigos e
riscos desta “onda solidária” que pode muito bem vir a tornar-se mais tarde
numa “maré vaza”.
Hoje,
mais do que nunca, somos bombardeados com um volume de informação muito
superior àquele com que conseguimos lidar. O mediatismo gerado sobre o apoio à
“causa do dia” deve ser gerido com muito cuidado e humanidade. A verdade é que,
quer queiramos quer não, estamos constantemente “ligados à ficha”,
inconscientemente condicionados pela quantidade de informação que nos chega
pelos meios de comunicação, que nos últimos tempos nos têm garantido uma
“guerra em directo”, uma guerra comentada e analisada ao minuto. Já para não
falar das constantes mensagens de apoio, de vídeos, fotografias – verdadeiras
ou falsas – que encontramos nas redes sociais.
Em resposta a esta torrente de
informação, há um sentimento que desperta em nós. Um sentimento imediato de
compaixão, urgência em tomar uma posição e fazermo-nos à estrada que, com tudo
o que tem de louvável, traz consigo perigos e riscos associados, que devem ser
geridos a longo prazo e não fundados meramente no calor do momento.
Em
conversa com Rui Marques, fundador da Plataforma de Apoio a Refugiados em
Portugal, ficou claro
aquilo que tem sido o standard de acolhimento às famílias ucranianas que chegam
a Portugal. Hoje já chegam mais refugiados ucranianos a Portugal do que no
conjunto dos últimos sete anos, o que prova, não só no que toca à solidariedade
colectiva, mas também do ponto de vista logístico e operacional, que é
possível, e razão de muito orgulho para todos os portugueses, acolher. Citando
Rui Marques: “Quando estamos disponíveis, que seja para uma maratona e não para
uma corrida de 100 metros “.
O
próprio reconhece que este êxodo, concentrado nos países vizinhos da Ucrânia,
deita por terra a tese anteriormente defendida por países como a República
Checa, Polónia e Hungria face aos refugiados que têm entrado na Europa nos
últimos anos. A actual generosidade europeia a que assistimos e o movimento
que se tem criado para acolher com a maior eficácia todos aqueles que hoje nos
pedem asilo mostra que ela não pode caber apenas a um ou dois países, como foi
o caso da Grécia e Turquia, na chegada de refugiados do Médio Oriente e Norte
de África, a quem coube a total responsabilidade de acolhimento.
Torna-se
claro que, mais do que nunca, a receção de refugiados nos nossos países deve
basear-se na necessidade humana de refúgio, e não na cor da pele, religião ou
origem.
Quanto
à solidariedade a que assistimos hoje, é fundamental que esta tenha princípios
sustentáveis, devendo ser interiormente preparada, garantindo mais tarde um bom
enquadramento institucional dos que chegam, dando como exemplo a integração das
crianças nas nossas escolas, como também uma expectativa realista relativamente
à habitação que necessitarão, porque, se assim não for, corremos o perigo de
defraudar as nossas expetativas e as daqueles que acolhemos.
Muitas vezes, a ideia romantizada sobre
quem chega não corresponde à realidade. Estas famílias trazem muitas vezes
consigo informações que não são reais face ao que as espera em Portugal. Imaginamos que a comunicação não será um
impedimento, mas na verdade tem sido uma enorme barreira. No fundo, é
importante perceber a necessidade de um amadurecimento prévio daquele que deve
ser um acto de total generosidade e gratuidade, evitando impulsos mediáticos.
Devemos estar conscientes de que o factor
de saturação da opinião pública face à chegada de refugiados ucranianos também
nos afecta. Infelizmente,
tal como com os refugiados
sírios, para não falar da mais recente situação no Afeganistão, também os ucranianos serão vítimas, a médio
prazo, do inevitável fenómeno de desmobilização civil e institucional quanto à
sua situação precária e quanto ao actual estado de guerra.
Apesar
de ser um conflito em solo europeu, uma notícia não dura para sempre, o tema
dos refugiados ucranianos não durará para sempre. E depois de a guerra terminar, quando
os meios de comunicação social abandonarem as fronteiras, estas pessoas ainda
cá estarão: desamparadas, numa tentativa constante de integração,
desejando fazer parte do sonho europeu, que a longo prazo caberá a cada um de
nós garantir.
Apelo
a todos aqueles que têm mergulhado nesta onda solidária, que a sua vontade em
apoiar os que mais precisam se mantenha forte, constante e organizada, e que
juntos possamos mostrar do que é a feita a solidariedade portuguesa.
Pedro
Rocha e Mello é
licenciado em Arte Multimédia pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de
Lisboa, tendo terminado a sua formação no Reino Unido. Nos últimos
anos tem trabalhado como Ilustrador e Animador Digital independente para
vários sectores da indústria criativa, como estúdios e agências, editoras e
consultoras.
O Observador associa-se ao Global
Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para,
semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos
olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do
autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de
forma não vinculativa.
GLOBAL SHAPERS OBSERVADOR REFUGIADOS MUNDO GUERRA NA UCRÂNIA UCRÂNIA
EUROPA
COMENTÁRIO:
bento guerra: Pois é, mas vai ser preciso muito trabalho e muito
dinheiro, para apanhar aqueles cacos, LÁ
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