Foi o que me fez lembrar o texto de Yuval Harari, postado pelo Sr. Embaixador Luís Soares de Oliveira: o poema
sarcástico da Sophia de Mello
Breyner, sobre as pessoas que comem galinhas mas são incapazes de as matar, e eu
sou uma dessas, mas posso acrescentar que o meu Salvador, meu empregado durante
longos anos em África, que era quem as matava, para a gente comer, assim que
surgiram no “bazar” lourençomarquino as galinhas já prontas para serem
cozinhadas, ele recusou-se a matar, e nós concordámos em absoluto, devido à
nossa extrema fragilidade emocional, paralela à do meu Salvador, que, de resto,
tal como nós, nunca pensou em analisar a razão dessa sensibilidade emotiva,
presente nas andanças da vida – e esta é bem uma dessas, que estamos a viver e a
chorar, apenas perante o espectáculo do sofrimento alheio, que compartilhamos
não em absoluto, porque só quem passa por tais monstruosidades, é que as sente
na totalidade, sem poder dar-se ao luxo – inútil e falso - de analisar a razão
das suas lágrimas. É certo que Harari se refere ao
estado emocional que nos prepara para as várias andanças das nossas vidas, e
admito a racionalidade que subjaz aos sentimentos, mas para mim é complicado debruçar-me
sobre isso, mesmo que admita, por vezes, que analiso a razão das minhas
lágrimas talvez para me apiedar de mim, como fazia Cesário e o dizia magistralmente:
“Dó da miséria!... Compaixão de mim!...”
E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Pede-me sempre esmola um homenzinho idoso,
Meu velho professor nas aulas de Latim? (in “O sentimento dum
Ocidental”, III)
Mas Fernando Pessoa sim, esse analisava-se
– e que bem o fazia – quer através do “Gato
que brincas na rua” (cujo nada que tem é dele, contrariamente ao que se
passa com o ego pessoano, que se conhece e não é ele), quer através da “lavadeira”
dos seus desejos falsamente simplistas, ou mesmo do “burro “ do Alberto Caeiro “ou o pó da estrada” desse “Quem me dera que eu fosse…”, ou a “saudade com que sonha” , no poema infra,
jogando em paradoxos expressivos da sua condição de permanente inadaptado:
Natal... Na
província neva.
Nos lares
aconchegados,
Um sentimento
conserva
Os
sentimentos passados.
Coração
oposto ao mundo,
Como a
família é verdade!
Meu
pensamento é profundo,
Estou só e
sonho saudade.
E como é
branca de graça
A paisagem
que não sei,
Vista de trás
da vidraça
Do lar que
nunca terei!
E se formos a deslindar todo o percurso de
“O Livro do Desassossego” de Bernardo
Soares, temos pano para mangas na explicitação dos estados de alma.
Nada disto, todavia, responde ao
pensamento científico de Yuval
Harari, com que LSO nos desafiou
para ponderarmos, robots em que nos tornaremos, com tão trabalhada
desumanização científica a respeito da interligação dos mundos emotivo e
racional. Pelo menos os poetas sabem analisar-se ou descrever-se ou descrever o
mundo exterior a eles, para assim melhor transporem o seu mundo próprio numa
ordem real, de contraste, por vezes.
Mas é assustadora a manipulação a que o
desenvolvimento das ciências – e das tecnologias – pode levar o ser humano…
Eis o texto que Luís
Soares de Oliveira transpõe, sobre o pensamento lúcido de um sábio:
«Não há uma linha clara que separe o emocional e o racional. As nossas
emoções incorporam uma lógica evolutiva. As decisões mais importantes que
tomamos na vida — onde viver, o que estudar, com quem casar — dependem dos
nossos sentimentos mais do que de frios cálculos matemáticos. Consequentemente,
para nos conhecermos melhor, temos de ter um conhecimento mais profundo das
nossas emoções. No entanto, isso não significa que precisemos de acreditar no
que sentimos. As nossas emoções não reflectem “a verdade”. São, antes, moldadas
por pressões evolutivas e influenciadas por forças históricas e culturais. Além
disso, no século XXI será cada vez mais fácil para os governos e corporações
manipular e controlar as nossas emoções. Para o fazer, são necessárias três
coisas:
1) Um bom entendimento geral de como funciona o cérebro humano.
2) Muita informação sobre a pessoa.
3) Uma grande capacidade informática para analisar os dados que temos e
prever como é que o cérebro da pessoa vai reagir a diferentes situações.
Em eras anteriores, ninguém tinha um bom conhecimento do cérebro humano,
ninguém conseguia reunir uma grande quantidade de dados sobre cada indivíduo e
ninguém tinha a necessária capacidade informática para analisar tantos dados.
Mas, em breve, os governos e as grandes empresas terão estas três coisas. E aí
conseguirão manipular-nos com uma eficácia sem precedentes. Pessoas que
acreditam que nunca serão manipuladas, porque as suas emoções manifestam um
misterioso “livre arbítrio”, são as mais fáceis de manipular. Para resistir
a estas manipulações temos de conhecer muito bem os nossos sentimentos, mas
também temos de nos lembrar de que o que sentimos não é necessariamente a
verdade.»
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Mas Luís Soares de Oliveira
postara antes, o anúncio de um prémio cinematográfico para um filme de Luís Francisco de Oliveira: “Terra Nova”.
Certamente com emoção não estudada:
Filme
"Terra Nova" nomeado para melhor fotografia de longa metragem nos
prémios da Associação de Imagem Portuguesa (AIP)
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