Os desígnios de uma figura como a de
Putin, que desde sempre promove a sua atitude furtiva e cínica, nem merecem que
se discuta o termo “justo” relativamente a esta guerra bestial, de uma
arrogância a merecer condenação, em todos os tribunais - divino ou humano. Como,
de resto, P. GPA prova, em todo o seu texto, de brandura cristã.
Rússia – Ucrânia: uma guerra justa?
Na guerra, a razão da força substitui
a força da razão, mas também os conflitos armados devem obedecer a exigências
éticas.
P. GONÇALO
PORTOCARRERO DE ALMADA, Colunista
OBSERVADOR, 05
mar 2022, 00:196
Cabe aos políticos analisar, na
perspectiva do poder, a questão bélica; compete aos juristas estudar, segundo
as normas do Direito Internacional Público e as convenções de direitos humanos,
os conflitos armados; e corresponde aos militares examinar as guerras, em
função da táctica e da estratégia. Os sacerdotes, que não se podem imiscuir em
questões de natureza política, jurídica ou militar, devem promover o desígnio
divino da paz e analisar, desde o ponto de vista ético, a guerra.
Talvez
os partidários da Federação Russa entendam que a mera hipótese de a Ucrânia
integrar a NATO seja já uma provocação suficientemente grave para justificar a
agressão militar. Por sua vez, a Ucrânia, que tem territórios seus ocupados
pela Rússia, também pode invocar a necessidade de fazer parte dessa aliança
militar, como único modo de garantir a sua sobrevivência, soberania e
integridade territorial.
Qualquer
que seja o argumento de que as forças beligerantes se queiram servir para
justificar o recurso às armas, já pouco ou nada importa, porque a invasão
militar da Ucrânia pelas tropas russas constitui, de per si, uma injustificada
agressão, que viola a soberania de um Estado livre, bem como o Direito
Internacional. Neste sentido, a razoável suposição de que a invasão russa
tipifica uma declaração de guerra, obriga a concluir que a resposta ucraniana
consubstancia um acto de legítima defesa.
Muito embora a guerra contrarie os
princípios do Direito e da Justiça, porque substitui a força da razão pela
razão da força, deve respeitar exigências éticas. Como adverte a Constituição pastoral Gaudium et Spes (GS), do Concílio Vaticano II, “uma vez lamentavelmente começada a guerra, nem por
isso tudo se torna lícito entre as partes beligerantes” (nº 79). Porém, a inexistência de uma autoridade
internacional, com capacidade efectiva de impor princípios morais, ou sanções,
em situações desta natureza, compromete a sua aplicação.
“O quinto mandamento [da
Lei de Deus, Não matarás,] proíbe a destruição voluntária da vida
humana”, nomeadamente através da guerra. Como afirma o Catecismo da Igreja
Católica (CIC), “por causa dos males e injustiças que toda a guerra traz
consigo, a Igreja exorta instantemente a todos para que orem e actuem para que
a Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra” (nº 2307). Assim
o tem dito, repetidas vezes, o Papa
Francisco, que
convocou, para a passada quarta-feira, o dia em que começou a Quaresma, um
jejum mundial pela paz na Ucrânia.
Não
obstante a obrigação de evitar os conflitos, admite-se uma excepção: “não se pode negar aos governos, esgotados todos
os recursos de negociações pacíficas, o direito de legítima defesa” (GS, nº
79). Mas só é legítima a defesa armada quando a ofensa causou um prejuízo “duradouro,
grave e certo”; forem ineficazes todos os meios pacíficos de resolver o
conflito; houver alguma possibilidade de êxito; e “o emprego de armas não traga
consigo males e desordens mais graves do que o mal a eliminar” (CIC, nº 2309).
Que
exigências éticas, em caso de guerra, os governos e os seus exércitos devem
cumprir? “Devem ser
respeitados e tratados com humanidade os não-combatentes, os soldados feridos e
os prisioneiros. As acções deliberadamente contrárias ao direito dos povos e
aos seus princípios universais, bem como as ordens que comandam tais acções,
são crimes” (CIC, nº 2313). Por
não terem respeitado, durante o conflito armado, estes princípios éticos,
depois da Segunda Guerra Mundial, alguns militares do regime nazi foram
condenados por crimes de guerra.
Como é sabido, muitos dos acusados
pelos tribunais internacionais de Nuremberga e de Tóquio, invocaram o dever de
obediência aos seus superiores hierárquicos, para se eximirem da
responsabilidade criminal pelas atrocidades cometidas na guerra. É, contudo,
uma desculpa que não colhe porque “uma
obediência cega não basta para desculpar” os que se submetem a ordens iníquas.
“Assim, o extermínio de um povo, duma nação ou duma minoria étnica deve ser
condenada como pecado mortal. É-se moralmente obrigado a resistir às ordens
para praticar um genocídio” (CIC, nº
2313).
Se é verdade que houve crimes de
guerra por parte dos exércitos vencidos em 1945, nomeadamente o nazi e o
japonês, também os vencedores cometeram acções que são, à luz da ética cristã,
censuráveis. “Toda a acção bélica, que tende indiscriminadamente à destruição
de cidades inteiras, ou vastas regiões com os seus habitantes, é um crime
contra Deus e o próprio homem, que se deve condenar com firmeza, sem hesitação”
(GS, nº 80). Neste sentido, os bombardeamentos aliados das cidades alemãs de
Dresden, em que numa só noite morreram cerca de 20 mil civis, e Leipzig,
merecem também reprovação.
“Um
dos perigos da guerra moderna é o de oferecer aos detentores das armas
científicas, nomeadamente atómicas, biológicas ou químicas, ocasião para
cometer tais crimes” (CIC, nº 2314).
O uso da bomba atómica em Hiroxima e Nagasáqui foi, sem
dúvida, extremamente eficaz, na medida em que apressou a rendição japonesa.
Contudo, do ponto de vista ético, o uso de uma tal arma contra povoações civis
é condenável.
Na
guerra, “os poderes públicos têm, neste caso, o direito e o dever de impor aos
cidadãos as obrigações necessárias à defesa nacional. Aqueles que se dedicam ao
serviço da pátria na vida militar são servidores da segurança e da liberdade
dos povos. Na medida em que desempenharem como convém esta tarefa, contribuem
verdadeiramente para o bem comum e para a salvaguarda da paz” (CIC, nº 2310).
Mas os poderes públicos têm de respeitar “o caso daqueles que, por motivos de
consciência, recusam o uso das armas; estes continuam obrigados a servir, de
outra forma, a comunidade humana” (CIC, nº 2311).
Durante
a Primeira Guerra Mundial, quando muitos soldados portugueses combatiam em
França, uma ‘Senhora mais brilhante do que o Sol’ disse a três crianças
analfabetas: “Rezem o terço todos os dias, para alcançarem a paz para o
mundo e o fim da guerra.” O Presidente
Ronald Reagan, num
memorável discurso na Assembleia da República, disse estar convencido de que
aqueles três pastorinhos tinham contribuído de forma muito eficaz para o fim da
guerra mundial. Oxalá também nós, seguindo o seu exemplo, alcancemos “a paz
para o mundo e o fim da guerra” na Ucrânia.
GUERRA CONFLITOS MUNDO DIREITOS HUMANOS SOCIEDADE UCRÂNIA EUROPA
COMENTÁRIOS:
João Paulo Reis: Com amigos assim a Igreja não precisa de inimigos,
vide a carta da Embaixada Polaca junto da Santa Sé sobre um artigo concreto e
posicionamento na generalidade do Avvenire, órgão oficioso da Igreja
italiana em relação à Ucrânia, este jornal nada tem de católico como ‘fa
schifo' Texto da carta dirigido à imprensa Lettera
Amb. Kotański 4.03.2022.pdf - Google Drive José
Miranda: O Padre Gonçalo escreve de modo claro o pensamento da
Igreja. E esse pensamento é inatacável. josé maria: Putin reivindica-se como cristão ortodoxo,
os cruzados e a Inquisição também se reivindicavam cristãs... Carminda Damiao: Ótimo artigo. As pessoas querem paz, mas são poucas
as que respondem ao apelo de Nossa Senhora em Fátima: "Rezem o terço todos
os dias". bento guerra: As guerras nunca são justas, mas ajustes, por
vezes brutais, dos conflitos de interesses. Se alguma instituição sabe disso, é
o Vaticano Coronavirus corona >
bento guerra: Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino
delinearam bem os contornos do conceito de "guerra justa".
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