domingo, 6 de março de 2022

Um prazer de leituras


Enquanto se espera o veredicto. Dos tempos.

A guerra das ideologias e a ideologia da guerra

Putin diz que invadiu a Ucrânia para a “desnazificar”. Os ucranianos comparam Putin a Hitler. Não será certamente ideológica a razão da guerra.

JAIME NOGUEIRA PINTO

OBSERVADOR, 05 mar 2022, 00:2383Subscrever

Putin, profusamente caricaturado como Hitler, usa como principal justificação ideológica para as suas “operações militares” na Ucrânia a “desmilitarização” e “desnazificação” do país, enquanto o seu ministro da Defesa convoca para Agosto “o primeiro congresso antifascista do mundo”, a realizar em Moscovo, para “unir os esforços da comunidade internacional na luta contra a ideologia do nazismo”. Por cá, o Partido Comunista Português, que endossa as raízes do conflito para o imperialismo americano, condena o líder russo, não pelas suas “desnazificantes operações militares” em Estado alheio, mas pelo facto de o actual inquilino do Kremlin criticar o “grande Lenine”, acusando-o de ter inventado a moderna Ucrânia independente.

Reductio ad Hitlerum

É sintomático que o nacionalista autoritário Putin, ao procurar uma narrativa legitimadora para uma guerra decorrente de razões securitárias, de Realpolitik, não resista ao Reductio ad Hitlerum ou Reduction ad Nazium dos dirigentes ucranianos.

Quem cunhou a expressão em 1951 foi Leo Strauss, um original pensador conservador nascido na Alemanha, judeu emigrado e naturalizado americano por causa de Hitler. Para Strauss, havia que evitar a falácia de substituir o reductio ad absurdum por um então cada vez mais frequente reductio ad hitlerum, que remetia uma opinião, qualquer que fosse, para o inapelável reino do inadmissível e do indiscutível pelo simples facto de ter sido partilhada por Hitler. Strauss sabia bem de quem falava e do que falava; hoje, mesmo para quem não sabe de quem fala ou do que fala, os “maus” de qualquer fita são, por inerência, “hitlerianos” – até para poderem corresponder à encarnação do mal absoluto que o maniqueísmo das guerras exige. Só sendo hitlerianos, nazis ou fascistas, podem isentar-se da raça humana e passar a ser Unmensch (como outrora os judeus para Hitler), logo, legitimamente elimináveis. Talvez por isso, no actual conflito, os contendores de um e de outro lado se acusem mutuamente de nazismo, fascismo e hitlerismo.

Assim, Putin que, como “o mau” desta fita tem vindo a ser insistentemente comparado com Hitler, devolve a acusação às milícias ucranianas mais radicais, como o chamado Batalhão Azov, símbolo supremo da nazificação de uma Ucrânia que urge “desnazificar”. De facto, e como que corroborando a tese de Putin, Cora Engelbrecht, em “Far-right militias in Europe plan to confront Russian forces” (New York Times 25-02-2022), cita o site Intelligence Group para noticiar que o Batalhão Azov convidou voluntários estrangeiros para se juntarem às forças ucranianas no combate aos invasores russos, e que líderes dessas milícias de extrema-direita, em França e na Finlândia, fizeram apelos à mobilização dos seus simpatizantes.

Entretanto, os principais partidos europeus da direita nacionalista, como o Rassemblement Nacional, de Marine Le Pen, e o Vox de Santiago Abascal, mostram-se críticos de Putin, com Giorgia Meloni, dos Fratelli d’Italia, a solidarizar-se inequivocamente com o Ocidente e a Ucrânia na conferência conservadora de Miami. E o mesmo fizeram quase todos os conservadores “iliberais”, encabeçados pela “iliberal” Polónia, de portas e braços abertos aos refugiados.

Talvez por isso o presidente Zelensky, no seu apelo internacionalista a voluntários para defender a Ucrânia, evite linhas vermelhas ideológicas. Ao contrário, os organizadores da manifestação pró-Ucrânia em Lisboa convidaram o Partido Comunista Português, que votou contra a Ucrânia no Parlamento Europeu, e o Bloco de Esquerda, que se absteve, e não convidaram o CHEGA, que apoiou Kiev. Ou seja, como estava decidido que era Putin o nazi-fascista, convocavam-se os anti-fascistas do costume.

Ideologia e realidade

Todo este delirante folclore ideológico vem lembrar-nos, não só que todas as guerras precisam de bons e de maus – e de maus que sejam a própria encarnação do mal –, mas também que o centro do conflito aqui não é ideológico mas nacional e geopolítico. A Rússia sentiu-se ameaçada por uma Ucrânia que podia servir de base a um ataque “ocidental” ao seu Heartland; e a Ucrânia, incomodada pelos russos e russófilos do Donbass, que não tem tratado exemplarmente, pagou as custas do “medo” russo. E para melhor justificar a ajuda das democracias euroamericanas, proclamou a sua luta pela independência como uma luta “pela liberdade e pela democracia”. A leste, e para confundir mais ainda os alinhamentos ideológicos, os governos “iliberais” que, no passado, sofreram às mãos da Rússia e a têm por perto, juntaram-se à cruzada das democracias liberais euroamericanas, que os têm ostracizado na batalha das ideias.

É curioso como, apesar das profecias dos Fukuyama e Hariri, a nação, as fronteiras, as identidades continuam a ser a razão primeira e principal das lealdades e dos conflitos, mais do que as indispensáveis narrativas de cobertura que, de ambos os lados, distinguem os partidários do bem dos partidários do mal, como quem distingue os iluminados dos bárbaros, os fiéis dos infiéis os humanos dos sub-humanos. Talvez para os globalistas mais eufóricos identidades e fronteiras sejam águas passadas, mas a verdade é que, se a natureza humana não muda muito, a natureza dos Estados e dos povos também é capaz de não ser muito diferente. Assim, não será tanto porque evoluímos e nos tornámos mais pacíficos, racionais, tolerantes e inclusivos que hoje deixámos de recorrer mais à guerra, mas porque, muito prosaicamente, não queremos que NOS caia em cima uma super-Hiroxima. Da mesma maneira, ninguém no “Ocidente” parece importar-se muito com os povos da Ásia, da África e do Médio Oriente, vítimas de guerras e invasões de europeus, russos e americanos – talvez por estarem longe e não fazerem parte da “civilização liberal e democrática”.

As narrativas ideológicas invocadas por Putin, como a “desnazificação” e a “desmilitarização”, a par da memória do Império soviético cristalizada em certas esquerdas, tinham tudo para fazer do Presidente russo um antifascista e um pacifista de primeira ordem. Mas não. No entanto, quererá isso dizer que a sua conduta é inexplicável ou puramente maléfica? Ou que os defensores da Rússia são partidários do mal absoluto e todos os outros arautos do bem?

Ainda que as “sociedades de informaçãose tenham transformado em palcos de histeria colectiva, onde quaisquer argumentos que saiam da bipolarização maniqueísta incomodam, quando não indignam, “o público”, há aqui uma distinção que não pode deixar de fazer-se: explicar as raízes de uma conduta não é defendê-la.

Explicar não é defender

George Kennan, quando escreveu o “Longo Telegrama” para explicar a Rússia e a URSS e os comunistas soviéticos e Estaline ao State Department e depois aos americanos e ao mundo, não estava a ser “russófilo” nem a defender ou justificar Estaline, a Rússia e o Comunismo. Estava a explicá-los. E, graças a ele, a Contenção funcionou. Kennan, que era inteligente, independente e prudente, anteviu, a partir da História, as possíveis consequências trágicas dos entusiasmos clintonianos e neoconservadores. Consequências que desabam agora sobre a Ucrânia.

Os actuais dirigentes do Ocidente, com raras excepções, são políticos profissionais alheios à História. Pior, acham que a História começou quando chegou a televisão e a democracia liberal. Para trás, ficaram tempos de barbárie, de opressão, de guerra, longe da Idade de Ouro que as novas máquinas e até a possibilidade científica de o homem vencer a própria morte vieram inaugurar. A história das “profecias” não cumpridas, como a de Augusto Comte, que previu que a Indústria ia acabar com a Guerra, não os comove especialmente.

A Paz ou a convivência pacífica são bens frágeis e trabalhosos que só se constroem a partir da verdade e da realidade, por mais duras e menos lisonjeiras que sejam. Por isso, se quisermos entender a História numa perspetiva de racionalidade e realismo, temos de partir do princípio de que a auto-preservação é uma regra poderosa, não só dos seres vivos, mas também dos povos, e dos povos que atingiram a comunidade política, o Estado.

A Rússia passou no último século e meio por um processo de ascensão e queda complicado e traumatizante: a derrota na guerra da Crimeia, em que se sentiu atraiçoada pelas nações cristãs, França e Grã-Bretanha, que se aliaram aos turcos contra ela; um processo revolucionário longo seguido do assassínio pela esquerda radical dos reformadores, Alexandre II e Stolipin; uma revolução e uma guerra civil sangrentas. A construção da utopia comunista transformou-a num vasto campo de concentração e num matadouro dos seus próprios filhos. A Ucrânia, então República Socialista, foi das mais barbaramente tratadas pelos Planos Económicos da Central Comunista, que lhe confiscaram as reservas alimentares para exportar e financiar a Industrialização. Foi o Holodomor.

A invasão hitleriana foi mais uma punição para a Rússia. No final, com a conquista e ocupação da Europa Oriental, veio o Império Soviético – que ampliou o seu domínio, capitalizando e explorando a ideologia comunista e esmagando impiedosamente os rebeldes (como os húngaros, em 1956). Se era o comunismo que servia a Rússia ou se era a Rússia que servia o comunismo é uma longa discussão.

De qualquer foram, a Rússia perdeu a Guerra Fria, que só foi fria por causa das armas atómicas dos dois protagonistas – Ocidente/Estados Unidos, Leste/URSS –, o Império desfez-se e seguiram-se 10 anos de profunda humilhação, nos tempos de Yeltsin. Humilhação objectiva ou subjectiva, pouco importa, importa que os russos a sentiram.

Putin, um quadro médio do Império que viu esse Império desfazer-se (e não deve ter gostado) tornou-se há vinte anos o líder supremo da Nova Rússia: melhorou a economia, investiu na renovação das Forças Armadas, e geriu com eficácia os trunfos que tinha – oil and gas e armamento. Usou a força militar na Geórgia, na Síria e na Crimeia cirurgicamente, e teve sucesso. Internamente, fez uma aliança com a Igreja Ortodoxa e, nessa linha da ortodoxia, inscreveu o nome de Deus na Constituição na reforma de 2020 e prosseguiu políticas conservadoras em relação às “causas fracturantes”, em flagrante contraste com as políticas da actual Administração americana. A Rússia é um Estado autoritário cujo Presidente concentrou em si o poder sobre o partido dominante, a Administração Pública, as Forças Armadas, a Comunicação Social. E Putin deixou bem claro aos oligarcas que podem enriquecer e gozar da riqueza mas que não podem defender ou patrocinar políticas alternativas às do Estado.

Dois Impérios

Olhando para Rússia, podemos dizer que estamos perante um “Império infeliz” e detectar nessa “infelicidade” razões, motivos ou raízes para uma percepção de injustiça e ressentimento perante a História e alguma vontade de rectificação. Bem ao contrário, os Estados Unidos foram, desde há mais de um século, um “Império feliz”; uma República imperial, como Roma, um Império invisível mas dominante, com vicissitudes, com altos e baixos, com formas de domínio de soft power, mas com múltiplas intervenções militares quando foi preciso e até quando não foi.

Depois da guerra com a Espanha, em 1898, os EUA anexaram Cuba, Porto Rico, as Filipinas, parte das Caraíbas e o Canal do Panamá. Através do “Império invisível” de Hollywood e da Banca mundial, foram hegemónicos, usando a guerra quando necessário, umas vezes bem, outras vezes malCoreia, Vietname, Iraque, Afeganistão. Estão agora a preparar-se para enfrentar a China, um poder ascendente, não-democrático, não euroamericano, não-cristão, oficialmente comunista mas, na prática, capitalista de direcção central. No entanto, por várias razões, os EUA estão agora internamente divididos ideologicamente. Entre os promotores da Agenda Woke e similares e os Evangélicos e os partidários do law and order, as tensões são grandes e inconciliáveis.

Nesse sentido, o conflito com a Rússia não podia vir em pior altura: Biden, apesar do silêncio complacente dos media, tem vindo a descer em popularidade, e a pandemia, que, a crer nos mesmos media, teria subitamente acabado com a saída de Donald Trump, continua a fazer estragos. A Administração americana, refém da minoria ideológica radical do Partido Democrático – aparentemente mais preocupada, no sector militar, com a discriminação dos transgender na tropa, do que com o resto –, ainda que tenha muitos académicos e alguns políticos transitados da Administração Obama, não parece especialmente focada no confronto geopolítico.

Perante esta América e o seu “imperialismo feliz” e uma Europa também em progressiva divisão ideológica e radicalização interna, uma Europa no pós-pandemia e a pagar o preço da conversão energética para “salvar o planeta”, a Rússia parece politicamente unida ou, pelo menos, unida a nível institucional.

Frente a frente

Aparentemente, Putin preparou-se para resistir às previsíveis sanções económicas ocidentais e tem o claro apoio da República Popular da China, que segue oficialmente a situação com comunicados confucianos.

Segundo o “South Asia Index”, a Rússia convidou já a República Popular da China para o grande congresso de Agosto, destinado “a combater o fascismo” – além da Índia, da Arábia Saudita, dos Emiratos Árabes, do Paquistão, do Azerbaijão, do Usbequistão e da Etiópia

De fora do congresso anti-fascista de Putin ficará seguramente o Irão, podendo eventualmente vir a alinhar com a frente ocidental pró liberdade e democracia de Biden – ou assim nos garantiu o Presidente norte-americano no seu discurso do Estado da União do passado dia 1 de Março: “Putin may circle Kyiv with tanks, but he’ll never gain the hearts and souls of the Iranian people.” (sic)

Vivemos tempos incertos e perigosos.

É bom deixar claro que a invasão da Ucrânia pela Rússia é uma agressão condenável, acima de tudo pelo sofrimento causado a milhões de civis, apanhados no meio do conflito. Desencadear uma guerra ao abrigo implícito da chantagem pelo nuclear abre um precedente que pode ter consequências catastróficas.

Tudo indica que a Rússia tentará, nos próximos dias, obter uma vantagem no terreno, nomeadamente a sul, fechando o acesso da Ucrânia ao Mar Negro e mantendo Kiev e Khirkiv sob pressão. Isto vai traduzir-se em mais mortes, mais refugiados, mais destruições urbanas. O Presidente russo sabe também que o tempo correrá, a partir daí, contra ele, com possíveis brechas na sua frente interna – não só a nível popular como da hierarquia partidária e militar.

Zelensky vai tentar, neste período, uma escalada-envolvimento que acabe por comprometer política e militarmente a NATO, mesmo com os riscos de uma guerra nuclear – riscos que, na Europa e nos Estados Unidos, ninguém, governantes ou povo, quer correr.

RÚSSIA   MUNDO   GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA

COMENTÁRIOS

Geiger Dieter: Putin tem de se despachar a conquistar a Europa toda porque os chineses estão aí ao pé da porta e querem engolir "tudo debaixo do céu" incluindo Moscovo. A viagem de Putin a Beijing para fazer acordo com o Xi lembra muito o Pacto de Aço de Molotov e Ribbentrop, um ano antes da operação Barbarossa.         Ana Crespo de Carvalho: 4 meses antes da invasão da Ucrânia: Biden avisa sobre perigo Russo. Colunista de extrema-direita em entrevista ao Sol: " ......  o que aconteceu foi Putin, que apesar da tendência autoritária é um homem equilibrado, sabe perfeitamente o que pode fazer e o que não pode fazer". 2 meses antes da invasão da Ucrania Biden avisa repetidamente sobre invasão. Colunista de extrema-direita: Biden é um histérico. Véspera da invasão: Biden reforça avisos com enorme caixa de som.  Colunista de extrema-direita assegura ao vivo na Rádio Observador que Putin não tem qualquer intenção de invadir a Ucrânia nem quaisquer meios para invadir a Ucrania. 2 dias após a invasão: Biden em silêncio.  Colunista de extrema-direita: Biden está senil.           Cisca Impllit > Ana Crespo de Carvalho: Pois, riram-se...           Riaz Carmali: Pela primeira vez desde que sou assinante do Observador que leio um excelente artigo de Jaime Nogueira Pinto!!! Simplesmente formidável!!  Fez uma reflexão isenta descrevendo com exactidão o actual estado do Mundo!!!            V. Oliveira: Foi uma lição de história. Contudo, se não vejo mal a coisa, existe um aspecto diferenciador no que toca a agressões e humilhações passadas. As democracias liberais acabam por relevar o assunto. Aqui na Europa é assim para com a Alemanha/Hitler e França/Napoleão. Outros regimes tendem a alimentar-se do passado (muitas vezes distante) de para justificar tudo e mais alguma coisa. A China evoca a humilhação na guerra do ópio com a Grã-Bretanha, mas humilha há décadas o povo Tibetano, o qual, presumo, nunca ofendeu chineses. Apropria-se de largas porções de oceano, incluindo as ZEE de países vizinhos sem músculo militar para se oporem, a Rússia entra casa adentro de outros países vizinhos, igualmente pequenos e sem músculo militar, mal estes esbocem alguma aproximação ao ocidente, mesmo sem o tema NATO (e a suposta ameaça militar) na agenda. Ainda ontem VP exortou os tais vizinhos menores a alinharem com ele contra o ocidente. Mas o alerta em meio a uma guerra invasora "cheira" mais ou menos assim, se não alinhas connosco, vai "chumabada".  Ok, já se sabe que a real politik nada tem a ver com coerências, mas a  evocação da história deve ter os seus limites no tempo. E não será a única preocupação de VP. Ou não? Não faltará aí um "ingrediente" chamado Urânio (entre outros minerais importantes), em que a Ucrânia detém a maior jazida na Europa e uma das mais importantes do mundo? Que tinha importantes projectos em curso, nessa matéria. Sob o ponto de vista do fornecedor de petróleo e gás, não parece boa ideia um país europeu, que pretende há muito integrar a UE, contribua para independência energética da UE que está literalmente pendurada na Rússia. Em mundos normais, para enfrentar questões comerciais, usa-se a criatividade, a persuasão, e até guerra de preços. Noutros mundos, usa-se aquilo que se costruma trazer no coldre...           Simplório >  V. Oliveira: A sua análise parece-me bastante pertinente e lógica, além de ser muito mais sucinta e clara. Por mais que se dê voltas ao assunto, à História ou ao que for, os tiranos simplesmente seguem os seus interesses... tudo o resto que aleguem (ou que alguém alegue) apenas soa a desculpa.        Francisco Tavares de Almeida: Já o último artigo de JNP, como comentei, me incomodou. Este também. Não recuso a necessidade de análises frias e distanciadas. Se todos alinharem nas mesmas leituras, é caminho certo para o desastre. Talvez afinal eu seja mais emocional do que racional - sempre me acusaram do contrário - mas hoje não consigo evitar a dicotomia bons e maus. Mesmo sabendo que não é exacta, no limite que seja falsa, hoje sinto que é necessária. Lembrando dois depoimentos, uma velhinha que podia ser uma camponesa portuguesa de há 30 anos, que perguntava: mas a Rússia é tão rica, tem tantas florestas, para que precisa disto? Outra, na casa dos 30, que podia ser uma qualquer habitante da Linha, que dizia: tinha uma boa vida, um bom emprego, bons amigos e perdi tudo. Quando ouvi as bombas a cair, dizia, não fui capaz de acreditar que isso pudesse acontecer no século XXI. Não dá para racionalizar. No entanto, recomendo a leitura do comentário de Cipião Numantino e acrescento mesmo que algo nos deve desde já preocupar. A Europa está em guerra, não com armas, mas a única guerra que culturalmente aceita, guerra económica e guerra mediática. E nessas a esmagadora maioria dos europeus quer participar. Não quero nem acho útil especular se o quer como compensação pela inação política anterior ou militar posterior, ou seja, para aliviar consciências. Mas querem-no e de certa forma impuseram-no aos políticos que ainda levaram quase 48 horas a perceber de onde soprava o vento e os votos. A questão é que numa guerra económica e mediática, faz sentido o silenciamento da parte contrária, o que muitos já chamam censura da UE às notícias russas. Será. Mas numa guerra mediática a propaganda é uma arma e faz sentido neutralizá-la. Outra questão é que também faz sentido silenciar vozes internas dissidentes. Putín, que percebe da poda, já fez aprovar um decreto que prevê 15 anos de prisão para quem disser diferente dos comunicados oficiais sobre a guerra. Mas aí, nós temos que parar para pensar. E talvez não seja prudente deixarmos o tribalismo fora de controlo.            Mario Figueiredo: Explicar não é defender. Mas em tempo de conflito dá cobertura e munição a quem procura branquear as acções inegavelmente maléficas, ainda que contextualizadas, de quem usa a força para subjugar os povos. O mal raramente é um desejo do ser humano, quase sempre é o resultado das suas ações.  Leio-o sempre com atenção e interesse. Mas não aceito as suas razões. Estamos em conflito, caso o caríssimo o aceite ou não. Não declaramos guerra pelas consequências terríveis do que isso significaria, mas fomos novamente atirados para uma guerra fria. Perceber as suas causas neste momento é muitíssimo menos importante do que estudar o caminho para a vitória. Como disse, leio-o sempre com muito interesse e atenção. Mas hoje não é o dia para lições de história. Esse dia virá, quando a Rússia se libertar do ditador e este for julgado pelos seus crimes. Aí, no banco dos réus, importará perceber como é que ele chegou ali e como deveremos fazer para que não volte a acontecer .           josé maria > Mario Figueiredo:  Muito bom comentário.          Dante Alighieri > Mario Figueiredo Chafurdar na história não me parece muito inteligente neste momento,  não faltarão bons argumentos para cada país que queira saltar as suas actuais fronteiras.           Mario Figueiredo > Dante Alighieri Tanto que a história não é apenas a de Putin. Mas também a da Europa e como esta permitiu-se a levar longe demais o dogma da diplomacia como solução para todos os conflitos e a doutrina da pacificação pelo comércio externo. A verdade é que a história não tem que se submeter a um tirano imperialista, e não pode ser avaliada apenas em função do que Putin quer ou do que ele vê como ameaça (real ou não). Seria bom parar com esta narrativa de que só Putin escreve a história e que o desejo dos povos por paz e prosperidade não escreve nada. E a história da invasão da Ucrânia e do início da 2nd Guerra Fria (porque é assim que vai ser conhecida) também foi feita por uma Europa que, adormecida em nome da paz e da prosperidade económica, permitiu que Putin fosse longe demais. A história repete-se mesmo. mario alves > Mario Figueiredo: Será que foi o Putin longe demais, ou EUA e a UE deixaram que isto chegasse aqui. Senão vejamos! Quem apoiou o presidente da Ucrânia, aquando da formação do batalhão azov? Braço militar nazi incorporado no ramo de forças especiais, após o golpe de estado de 2014. Quem após esse golpe de estado, queimou vivas mais de 30 pessoas em Odessa? Dizer que uma Europa" adormecida "em nome da paz e prosperidade económica, permitiu que Putin fosse mais longe! Então porque apoia os EUA, sabendo-se que estes, que quando criam conflitos, são sempre na tentativa de alcançar dividendos económicos e militares, que é o caso.          josé maria: É inegável que Jaime Nogueira Pinto é o único pensador de gabarito da direita portuguesa, este excelente artigo mostra-o bem. Putin merece ser sentado no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional, pelo conjunto alargado de malfeitorias que tem feito durante o seu "reinado", não apenas pela ignóbil invasão da Ucrânia, mas também pela conduta tenebrosa da aviação russa contra a população civil da Síria. Com ele, lá devem estar Trump e Bashar, por similares razões. Por terem ordenado às suas aviações que efectuassem os mesmos bombardeamentos terroristas contra população civil inocente. E obviamente também Netanyahu, pelo bombardeamento indiscriminado dos palestinianos civis, da faixa de Gaza. Num mundo decente, o lugar de Putin, Trump, Bashar e Netanyahu é no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra e contra a Humanidade.          João Ramos: Sempre a aprendermos com JNP, obrigado !             Miguel Benis:  Notável, grande artigo!            Antes pelo contrário: Não é uma mera justificação ideológica. É que a questão ideológica é real e pertinente!!! Não apenas a Ucrânia, que não existia como Estado antes de 1918 e logo a seguir decidiu fazer parte da URSS com um voto no parlamento - enquanto metade da população prosseguia a guerra contra os russos pelos anos 20 adentro - sempre teve populações de várias origens desde que foi conquistada aos turcos no séc. XVIII, depois de ter pertencido aos polacos, aos cossacos, aos tártaros, etc. - sempre esteve dividida ideologicamente pois já na Primeira Guerra Mundial uma parte da população havia lutado do lado da Rússia e da Inglaterra, e outra parte, do lado da Alemanha do Kaiser, que tinha prometido aos ucranianos não só a independência, como a posse de vários territórios... ...como a questão ideológica se tornou ainda mais premente na 2ª Guerra, quando depois da invasão a Leste pela Alemanha, uma parte da população ucraniana voltou a lutar com os alemães do III Reich contra os russos, chegando a haver uma divisão de voluntários ucranianos, a 14.ª Divisão de Granadeiros das Waffen SS "Galizien", composta de 4 regimentos e 7 batalhões... ...e a questão do nazismo nunca morreu e foi ressuscitada pelo Batalhão de Azov" e outras organizações militares ou paramilitares de extrema-direita ucranianas: (…) Mariupol, é uma cidade inteiramente russa, que foi criada do nada pelos russos no séc. XVIII em territórios que nunca pertenceram à Ucrânia, povoada por russos, gregos e judeus, e que foi ilegalmente ocupada e anexada pela Ucrânia a seguir à queda da URSS em 1991, e outra vez em 2014, onde precisamente o Batalhão de Azov persegue, assassina e tortura os "separatistas" russos!!         PortugueseMan: ...Zelensky vai tentar, neste período, uma escalada-envolvimento que acabe por comprometer política e militarmente a NATO, mesmo com os riscos de uma guerra nuclear – riscos que, na Europa e nos Estados Unidos, ninguém, governantes ou povo, quer correr... A NATO já só está a adiar o inadiável.

Nunca vi tantas declarações em como a NATO está unida, que o artigo V é inabalável, etc, etc. Eu imagino o desconforto crescente na Polónia e Roménia, ao ver as tropas russas avançarem na direcção deles. Basta olharmos para o mapa, a Ucrânia simplesmente está no caminho. Quando os russos estiverem posicionados perto das fronteiras da Roménia e Polónia, vão perguntar novamente aos americanos se recuam ou não com as suas bases de mísseis. Se nada for acordado, penso que já não haverá dúvidas sobre o que os russos estão dispostos a fazer. A questão será o que nós, europeus, vamos querer. E estamos todos nas mãos de uns políticos que não me convencem.           MCMCA > PortugueseMan: Esta é a triste realidade: estamos rodeados de políticos no mínimo levianos que lançam gasolina na fogueira perdendo oportunidades únicas de mediarem o conflito. Somente a China tem sido cautelosa nas afirmações, quiçá porque para ascender ao poder Xi teve de ser astuto, muito inteligente e cauteloso. Por cá os piores vão para a política por isso, vemos gente que nunca implementou nenhuma empresa nem teve uma carreira brilhante e cujo único trabalho que fez foi traficar influências, liderar países euro-americanos. Nada sabem de história e descurando a psicologia característica de cada povo governam por likes das redes sociais com medo de perder o tacho porque inteiramente dependente dele. Este é o nosso pior pesadelo porque vemos agravar a linguagem bélica em lugar de a acalmar e de tentar sentar as partes e negociar.         bento guerra: São palavras, só palavras. Esta guerra é uma outra etapa da Guerra Fria e os americanos sabiam da sua probabilidade elevada, ao mandarem os seus subditos europeus  ignorar os Acordos de Minsk de 2014. A vitória "administrativa e económica" da América é a maior de sempre, as vitimas, os ucranianos          Antonio Mendes: Análise interessante, mas não consegue libertar-se de um certo appeasement tal como JNP não consegue libertar-se de um certo nacionalismo tributário da natureza predatória do ser humano. Civilização é um processo contínuo de eliminação das facetas mais “animalescas” do ser humano.

TIM DO Ó > Antonio Mendes: As facetas animalescas do ser humano continuam intactas, agora como há 3 mil anos. Talvez nem com mais 1 milhão de anos isso se altere muito. As maiores atrocidades de todos os tempos ocorreram no século XX e poderão vir a ocorrer ainda piores no século XXi numa guerra nuclear. Nada de novo face ao homem primitivo. Aliás, até é quando a dita civilização tenta mudar a natureza humana que a faceta humana mais animalesca vem ao de cima. Foram os casos da tragédia das populações submetidas ao Homem Novo do comunismo e do nazismo. E, agora, há uma nova tentativa dessas por parte do imperialismo americano que pretende, à força, eliminar a História, a cultura ocidental, as diferenças biológicas naturais entre o homem e a mulher (ditadura do género), entre outras bizarrias em curso que estão a extremar de forma insanável as posições no mundo ocidental com consequências imprevisíveis que podem ir até a guerras civis, processo "civilizacional" perigoso agora aparentemente interrompido com o rompante de Putin.       MCMCA A > Antonio Mendes: O instinto de sobrevivência persistirá enquanto os seres vivos existirem: E é isto que move Putin e Zelensky. Um porque lhe estão a tentar bloquear o acesso à Crimeia, onde existe o único porto de inverno para as exportações russas, com a crescente militarização da Ucrânia feita sobretudo pelos USA, o outro porque vê o país ameaçado pelo poderoso vizinho do lado e foi em cantigas de apoio por parte dos USA e agora encurralado luta tenazmente pela sobrevivência nem que arraste atrás de si toda a Europa num conflito nuclear. Grande culpa da Europa que não avaliou as consequências do que se estava a passar na Ucrânia desde 2014 e nem tentou arranjar um estatuto de neutralidade para a Ucrânia como os granges políticos do pós guerra fizeram com a Suécia, Finlândia e Áustria e inclusive negando à Alemanha estatuto na ONU como membro permanente e proibindo-a de ter as suas armas nucleares.          TIM DO Ó > MCMCA A: Sim. Teria sido melhor para todos - Ocidente, Ucrânia e Rússia - ter-se chegado a um acordo de não expansão da NATO para a Ucrânia tornando esta num país neutro. Foi uma imprudência aventureira da Ucrânia o seu querer aderir à NATO, estimulada pela UE ingénua e inconsequente. Agora temos um sarilho e uma tragédia humanitária.         PortugueseMan: ...Tudo indica que a Rússia tentará, nos próximos dias, obter uma vantagem no terreno, nomeadamente a sul, fechando o acesso da Ucrânia ao Mar Negro... O acesso ao Mar Negro já foi perdido. Todo o Mar Negro já está bloqueado aos ucranianos. As cidades costeiras é que ainda não estão todas sob domínio russo. ...Isto vai traduzir-se em mais mortes, mais refugiados, mais destruições urbanas. O Presidente russo sabe também que o tempo correrá, a partir daí, contra ele, com possíveis brechas na sua frente interna – não só a nível popular como da hierarquia partidária e militar... As forças paramilitares que andam por estas cidades, estão sem saída. Elas não vão ter estatuto de prisioneiros de guerra, não vai ser aplicado a Convenção de Genebra as estas forças. Estão criadas todas as condições para existir nestas cidades uma guerra de contornos absolutamente brutal, porque eles sabem que vão ser mortos, não há opção de rendição. Os russos entraram nisto perfeitamente conscientes ao que vão.  E não é por acaso que tropa chechenas receberam luz verde para avançar. Brutalidade por brutalidade. Tenho ainda uma réstea de esperança que seja oferecido a estes paramilitares salvo-conduto para por exemplo Lviv. Os russos aplicaram esta solução inúmeras vezes na Síria, para poupar vidas de inocentes. Custa a acreditar ver autocarros carregados de bárbaros escoltados por tropas russas. A palavra foi sempre mantida na Síria. Foi e continua a ser uma das grandes valias deles. Tal como no Afeganistão, que é quase inacreditável assistir à protecção taliban à embaixada russa. E ainda são considerados como terroristas por eles.       Pontifex Maximus: O propósito deste texto para mim é claro: expressar em palavras o declínio irremediável do Ocidente, sem valores por que lutar, perdido na curva da história. E sim, até parece hoje mais plausível uma fractura no império interno da América, tal qual há 150 anos, do que a queda da autocracia no mundo, sobretudo da China, coesa, monocromática e nacionalista até ao tutano (mais correctamente, racista, mas isso não se pode dizer por aqui - embora quem conhece um pouco da China e dos chineses saiba do que falo), versus o Ocidente decadente e a lutar por absurdos tais como os géneros humanos face à evidência das ciências que agora já só finge professar. É só isto.

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