Enquanto se espera o veredicto. Dos tempos.
A guerra das ideologias e a ideologia da guerra
Putin diz que invadiu a Ucrânia para a
“desnazificar”. Os ucranianos comparam Putin a Hitler. Não será certamente
ideológica a razão da guerra.
JAIME NOGUEIRA PINTO
OBSERVADOR, 05 mar 2022, 00:2383Subscrever
Putin,
profusamente caricaturado como Hitler, usa como principal justificação
ideológica para as suas “operações militares” na Ucrânia a “desmilitarização” e “desnazificação” do país, enquanto o seu ministro da Defesa convoca
para Agosto “o primeiro
congresso antifascista do mundo”,
a realizar em Moscovo, para “unir
os esforços da comunidade internacional na luta contra a ideologia do nazismo”. Por cá, o Partido Comunista Português, que
endossa as raízes do conflito para o imperialismo americano, condena o líder
russo, não pelas suas “desnazificantes operações militares” em Estado alheio,
mas pelo facto de o actual inquilino do Kremlin criticar o “grande Lenine”,
acusando-o de ter inventado a moderna Ucrânia independente.
Reductio ad Hitlerum
É
sintomático que o nacionalista autoritário Putin, ao procurar uma narrativa
legitimadora para uma guerra decorrente de razões securitárias,
de Realpolitik, não resista ao Reductio ad
Hitlerum ou Reduction ad Nazium dos dirigentes ucranianos.
Quem
cunhou a expressão em 1951 foi Leo
Strauss, um
original pensador conservador nascido na Alemanha, judeu emigrado e
naturalizado americano por causa de Hitler. Para Strauss, havia que
evitar a falácia de substituir o reductio
ad absurdum por
um então cada vez mais frequente reductio
ad hitlerum, que remetia
uma opinião, qualquer que fosse, para o inapelável reino do inadmissível e
do indiscutível pelo simples facto de ter sido partilhada por Hitler. Strauss sabia bem de quem falava e do que falava;
hoje, mesmo para quem não sabe de quem fala ou do que fala, os “maus” de qualquer fita são, por inerência,
“hitlerianos” – até para poderem corresponder à encarnação do mal
absoluto que o maniqueísmo das guerras exige. Só sendo hitlerianos,
nazis ou fascistas, podem
isentar-se da raça humana
e passar a ser Unmensch (como outrora os
judeus para Hitler), logo, legitimamente elimináveis. Talvez por isso, no actual conflito, os contendores de um e de outro lado se acusem
mutuamente de nazismo, fascismo e hitlerismo.
Assim,
Putin que, como “o mau” desta fita tem vindo a ser insistentemente comparado
com Hitler, devolve a
acusação às milícias ucranianas mais radicais, como o chamado Batalhão
Azov, símbolo supremo da nazificação de uma Ucrânia que
urge “desnazificar”. De facto, e como que corroborando a tese de Putin,
Cora Engelbrecht, em “Far-right militias in Europe plan to confront Russian
forces” (New York Times 25-02-2022), cita o site Intelligence Group para
noticiar que o Batalhão
Azov convidou voluntários estrangeiros
para se juntarem às forças ucranianas no combate aos invasores russos, e que
líderes dessas milícias de extrema-direita, em França e na Finlândia, fizeram
apelos à mobilização dos seus simpatizantes.
Entretanto, os principais partidos
europeus da direita nacionalista, como o Rassemblement Nacional, de Marine Le
Pen, e o Vox de Santiago Abascal, mostram-se críticos de Putin, com Giorgia
Meloni, dos Fratelli d’Italia, a solidarizar-se inequivocamente com o Ocidente
e a Ucrânia na conferência conservadora de Miami. E o mesmo fizeram quase todos
os conservadores “iliberais”, encabeçados pela “iliberal” Polónia, de
portas e braços abertos aos refugiados.
Talvez por isso o presidente Zelensky, no seu
apelo internacionalista a voluntários para defender a Ucrânia, evite linhas
vermelhas ideológicas. Ao contrário, os organizadores
da manifestação pró-Ucrânia em Lisboa convidaram o Partido Comunista Português,
que votou contra a Ucrânia no Parlamento Europeu, e o Bloco de Esquerda, que se
absteve, e não convidaram o CHEGA, que apoiou Kiev. Ou seja, como estava
decidido que era Putin o nazi-fascista, convocavam-se os anti-fascistas do
costume.
Ideologia e realidade
Todo
este delirante folclore ideológico vem lembrar-nos, não só que todas as guerras
precisam de bons e de maus – e de maus que sejam a própria encarnação do mal
–, mas também que o centro do conflito aqui não é ideológico mas
nacional e geopolítico. A Rússia
sentiu-se ameaçada por uma Ucrânia que podia servir de base a um ataque
“ocidental” ao seu Heartland; e a Ucrânia, incomodada pelos russos e russófilos
do Donbass, que não tem tratado exemplarmente, pagou as custas do “medo” russo.
E para melhor justificar a ajuda das
democracias euroamericanas, proclamou a sua luta pela independência como uma
luta “pela liberdade e pela democracia”. A leste, e para confundir mais
ainda os alinhamentos ideológicos, os governos “iliberais” que, no passado,
sofreram às mãos da Rússia e a têm por perto, juntaram-se à cruzada das
democracias liberais euroamericanas, que os têm ostracizado na batalha das
ideias.
É
curioso como, apesar das profecias dos Fukuyama e Hariri, a nação,
as fronteiras, as identidades continuam a ser a razão primeira e principal das
lealdades e dos conflitos, mais do que as indispensáveis narrativas de
cobertura que, de ambos os lados, distinguem os partidários do bem dos
partidários do mal, como quem distingue os iluminados dos bárbaros, os fiéis
dos infiéis os humanos dos sub-humanos. Talvez para os globalistas mais eufóricos identidades
e fronteiras sejam águas passadas, mas a verdade é que, se a natureza humana
não muda muito, a natureza dos Estados e dos povos também é capaz de não ser muito
diferente. Assim,
não será tanto porque evoluímos e nos tornámos mais pacíficos, racionais,
tolerantes e inclusivos que hoje deixámos de recorrer mais à guerra, mas
porque, muito prosaicamente, não queremos que NOS caia em cima uma
super-Hiroxima. Da mesma maneira, ninguém no “Ocidente” parece
importar-se muito com os povos da Ásia, da África e do Médio Oriente, vítimas
de guerras e invasões de europeus, russos e americanos – talvez por estarem
longe e não fazerem parte da “civilização liberal e democrática”.
As
narrativas ideológicas invocadas por Putin, como a “desnazificação” e a
“desmilitarização”, a par da memória do Império soviético cristalizada em
certas esquerdas, tinham tudo para fazer do Presidente russo um antifascista e
um pacifista de primeira ordem. Mas não. No entanto, quererá isso dizer que a
sua conduta é inexplicável ou puramente
maléfica? Ou que os defensores da Rússia são partidários do mal absoluto e
todos os outros arautos do bem?
Ainda
que as “sociedades
de informação” se tenham
transformado em palcos de
histeria colectiva, onde
quaisquer argumentos que saiam da bipolarização maniqueísta incomodam, quando
não indignam, “o público”, há aqui uma distinção que não pode deixar de
fazer-se: explicar as raízes de uma conduta não é defendê-la.
Explicar não é defender
George
Kennan, quando
escreveu o “Longo Telegrama” para explicar a Rússia e a URSS e os comunistas
soviéticos e Estaline ao State Department e depois aos americanos e ao mundo, não estava a ser “russófilo” nem a defender ou justificar Estaline, a Rússia e o
Comunismo. Estava a explicá-los.
E, graças a ele, a
Contenção funcionou. Kennan, que era inteligente, independente e
prudente, anteviu, a partir da História, as possíveis consequências trágicas
dos entusiasmos clintonianos e neoconservadores. Consequências que desabam agora sobre a Ucrânia.
Os
actuais dirigentes do Ocidente, com raras excepções, são políticos
profissionais alheios à História. Pior, acham que a História começou quando chegou a
televisão e a democracia liberal. Para trás,
ficaram tempos de barbárie, de opressão, de guerra, longe da Idade de Ouro que
as novas máquinas e até a possibilidade científica de o homem vencer a própria
morte vieram inaugurar. A história das “profecias” não cumpridas, como a de Augusto
Comte, que previu que a Indústria ia acabar com a Guerra,
não os comove especialmente.
A Paz ou a convivência pacífica são bens
frágeis e trabalhosos que só se constroem a partir da verdade e da realidade,
por mais duras e menos lisonjeiras que sejam.
Por isso, se quisermos entender a História numa perspetiva de racionalidade
e realismo, temos de partir do princípio de que a auto-preservação é uma regra
poderosa, não só dos seres vivos, mas também dos povos, e dos povos que
atingiram a comunidade política, o Estado.
A
Rússia passou no último século e meio por um processo de ascensão e queda
complicado e traumatizante: a
derrota na guerra da Crimeia, em que se sentiu atraiçoada pelas nações cristãs,
França e Grã-Bretanha, que se aliaram aos turcos contra ela; um processo
revolucionário longo seguido do assassínio pela esquerda radical dos
reformadores, Alexandre II e Stolipin; uma revolução e uma guerra civil
sangrentas. A construção
da utopia comunista transformou-a num vasto campo de concentração e num
matadouro dos seus próprios filhos. A
Ucrânia, então República Socialista, foi das mais barbaramente tratadas pelos
Planos Económicos da Central Comunista, que lhe confiscaram as reservas
alimentares para exportar e financiar a Industrialização. Foi o Holodomor.
A invasão hitleriana foi mais
uma punição para a Rússia. No final,
com a conquista e ocupação da Europa Oriental, veio o Império Soviético – que
ampliou o seu domínio, capitalizando e explorando a ideologia comunista e
esmagando impiedosamente os rebeldes (como os húngaros, em 1956). Se era o
comunismo que servia a Rússia ou se era a Rússia que servia o comunismo é uma
longa discussão.
De
qualquer foram, a Rússia perdeu
a Guerra Fria, que só
foi fria por causa das armas atómicas dos dois protagonistas – Ocidente/Estados
Unidos, Leste/URSS –, o Império desfez-se e seguiram-se 10 anos de
profunda humilhação, nos tempos de Yeltsin. Humilhação
objectiva ou subjectiva, pouco importa, importa que os russos a sentiram.
Putin, um quadro médio do Império que viu esse Império
desfazer-se (e não deve ter gostado) tornou-se há vinte anos o líder supremo da
Nova Rússia: melhorou a economia, investiu na renovação das Forças Armadas, e
geriu com eficácia os trunfos que tinha – oil and gas e armamento. Usou a força militar na Geórgia, na Síria e na Crimeia cirurgicamente, e teve sucesso. Internamente, fez
uma aliança com a Igreja Ortodoxa e,
nessa linha da ortodoxia, inscreveu o nome de Deus na Constituição na
reforma de 2020 e prosseguiu políticas conservadoras em relação às “causas
fracturantes”, em flagrante contraste com as políticas da actual Administração
americana. A Rússia é
um Estado autoritário cujo Presidente concentrou em si o poder sobre o partido
dominante, a Administração Pública, as Forças Armadas, a Comunicação Social. E
Putin deixou bem claro aos oligarcas que podem enriquecer e gozar da riqueza
mas que não podem defender ou patrocinar políticas alternativas às do Estado.
Dois Impérios
Olhando
para Rússia, podemos dizer que estamos perante um “Império infeliz” e
detectar nessa “infelicidade” razões, motivos ou raízes para uma percepção de
injustiça e ressentimento perante a História e alguma vontade de rectificação. Bem ao
contrário, os Estados
Unidos foram, desde há mais de um século, um “Império feliz”; uma República imperial, como Roma, um Império
invisível mas dominante, com vicissitudes, com altos e baixos, com formas de
domínio de soft power, mas com múltiplas intervenções militares quando foi
preciso e até quando não foi.
Depois
da guerra com a Espanha, em 1898, os EUA
anexaram Cuba, Porto Rico, as Filipinas, parte das Caraíbas e o Canal do
Panamá. Através do
“Império invisível” de Hollywood e da Banca mundial, foram hegemónicos, usando
a guerra quando necessário, umas vezes bem, outras vezes mal – Coreia, Vietname, Iraque, Afeganistão. Estão agora a preparar-se para enfrentar a China, um
poder ascendente, não-democrático, não euroamericano, não-cristão, oficialmente
comunista mas, na prática, capitalista de direcção central. No entanto, por
várias razões, os EUA estão
agora internamente divididos ideologicamente. Entre
os promotores da Agenda Woke e similares e os Evangélicos e os
partidários do law and order, as tensões são grandes e inconciliáveis.
Nesse
sentido, o conflito
com a Rússia não podia vir em pior altura: Biden,
apesar do silêncio complacente dos media, tem vindo a descer em popularidade, e
a pandemia, que, a crer nos mesmos media, teria subitamente acabado com a saída
de Donald Trump, continua a fazer estragos. A
Administração americana, refém da minoria ideológica radical do Partido
Democrático – aparentemente mais preocupada, no sector militar, com a
discriminação dos transgender na tropa, do que com o resto –, ainda que tenha
muitos académicos e alguns políticos transitados da Administração Obama, não
parece especialmente focada no confronto geopolítico.
Perante
esta América e o seu “imperialismo
feliz” e uma Europa também em progressiva divisão ideológica e
radicalização interna, uma Europa
no pós-pandemia e a pagar o preço da conversão energética para “salvar o
planeta”, a Rússia
parece politicamente unida ou, pelo menos, unida a nível institucional.
Frente a frente
Aparentemente, Putin preparou-se para
resistir às previsíveis sanções económicas ocidentais e tem o claro apoio da
República Popular da China, que segue oficialmente a situação com comunicados
confucianos.
Segundo
o “South Asia Index”, a Rússia
convidou já a República Popular da China para o grande congresso de Agosto,
destinado “a combater o fascismo” – além da Índia, da Arábia Saudita, dos
Emiratos Árabes, do Paquistão, do Azerbaijão, do Usbequistão e da Etiópia …
De
fora do congresso anti-fascista de Putin ficará seguramente o Irão, podendo
eventualmente vir a alinhar com a frente ocidental pró liberdade e democracia
de Biden – ou assim
nos garantiu o Presidente norte-americano no seu discurso do Estado da União do
passado dia 1 de Março: “Putin may circle Kyiv with tanks, but he’ll never
gain the hearts and souls of the Iranian people.” (sic)
Vivemos tempos incertos e perigosos.
É bom deixar claro que a invasão da
Ucrânia pela Rússia é uma agressão condenável, acima de tudo pelo sofrimento
causado a milhões de civis, apanhados no meio do conflito. Desencadear uma
guerra ao abrigo implícito da chantagem pelo nuclear abre um precedente que
pode ter consequências catastróficas.
Tudo indica que a Rússia tentará, nos
próximos dias, obter uma vantagem no terreno, nomeadamente a sul, fechando o
acesso da Ucrânia ao Mar Negro e mantendo Kiev e Khirkiv sob pressão. Isto vai traduzir-se em mais mortes, mais refugiados,
mais destruições urbanas. O Presidente russo sabe também que o tempo correrá, a
partir daí, contra ele, com possíveis brechas na sua frente interna – não só a
nível popular como da hierarquia partidária e militar.
Zelensky vai tentar, neste período, uma
escalada-envolvimento que acabe por comprometer política e militarmente a NATO,
mesmo com os riscos de uma guerra nuclear – riscos que, na Europa e nos Estados
Unidos, ninguém, governantes ou povo, quer correr.
RÚSSIA MUNDO GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA
COMENTÁRIOS
Geiger Dieter: Putin tem de se despachar a conquistar a Europa toda porque os chineses
estão aí ao pé da porta e querem engolir "tudo debaixo do céu"
incluindo Moscovo. A viagem de Putin a Beijing para fazer acordo com o Xi lembra muito o Pacto
de Aço de Molotov e Ribbentrop, um ano antes da operação Barbarossa. Ana Crespo de Carvalho:
4 meses antes da invasão da
Ucrânia: Biden avisa sobre perigo Russo. Colunista de extrema-direita em entrevista ao Sol:
" ...... o que aconteceu foi Putin, que apesar da tendência
autoritária é um homem equilibrado, sabe perfeitamente o que pode fazer e o que
não pode fazer". 2 meses antes da invasão da Ucrania Biden avisa repetidamente sobre
invasão. Colunista de extrema-direita: Biden é um histérico. Véspera da invasão: Biden
reforça avisos com enorme caixa de som. Colunista de extrema-direita
assegura ao vivo na Rádio Observador que Putin não tem qualquer intenção de
invadir a Ucrânia nem quaisquer meios para invadir a Ucrania. 2 dias após a invasão: Biden em
silêncio. Colunista de extrema-direita: Biden está senil. Cisca Impllit > Ana Crespo de Carvalho: Pois, riram-se... Riaz Carmali: Pela primeira vez desde que sou
assinante do Observador que leio um excelente artigo de Jaime Nogueira Pinto!!!
Simplesmente formidável!! Fez uma reflexão isenta descrevendo com exactidão o
actual estado do Mundo!!! V. Oliveira: Foi uma lição de história.
Contudo, se não vejo mal a coisa, existe um aspecto diferenciador no que toca a
agressões e humilhações passadas. As democracias liberais acabam por relevar o
assunto. Aqui na Europa é assim para com a Alemanha/Hitler e França/Napoleão.
Outros regimes tendem a
alimentar-se do passado (muitas vezes distante) de para justificar tudo e mais
alguma coisa. A China evoca a humilhação na guerra do ópio com a Grã-Bretanha,
mas humilha há décadas o povo Tibetano, o qual, presumo, nunca ofendeu
chineses. Apropria-se de largas porções de oceano, incluindo as ZEE de países
vizinhos sem músculo militar para se oporem, a Rússia entra casa adentro de
outros países vizinhos, igualmente pequenos e sem músculo militar, mal estes
esbocem alguma aproximação ao ocidente, mesmo sem o tema NATO (e a suposta
ameaça militar) na agenda. Ainda ontem VP exortou os tais vizinhos menores a
alinharem com ele contra o ocidente. Mas o alerta em meio a uma guerra invasora
"cheira" mais ou menos assim, se não alinhas connosco, vai
"chumabada". Ok, já se sabe que a real politik nada tem a ver com
coerências, mas a evocação da história deve ter os seus limites no tempo.
E não será a única preocupação de VP. Ou não? Não faltará aí um
"ingrediente" chamado Urânio (entre outros minerais importantes), em
que a Ucrânia detém a maior jazida na Europa e uma das mais importantes do
mundo? Que tinha importantes projectos em curso, nessa matéria. Sob o ponto de
vista do fornecedor de petróleo e gás, não parece boa ideia um país europeu,
que pretende há muito integrar a UE, contribua para independência energética da
UE que está literalmente pendurada na Rússia. Em mundos normais, para
enfrentar questões comerciais, usa-se a criatividade, a persuasão, e até guerra
de preços. Noutros mundos, usa-se aquilo que se costruma trazer no coldre... Simplório > V. Oliveira: A sua análise parece-me bastante pertinente e lógica,
além de ser muito mais sucinta e clara. Por mais que se dê voltas ao assunto, à
História ou ao que for, os tiranos simplesmente seguem os seus interesses...
tudo o resto que aleguem (ou que alguém alegue) apenas soa a desculpa. Francisco Tavares de Almeida: Já o último artigo de JNP, como
comentei, me incomodou. Este também. Não recuso a necessidade de análises frias e
distanciadas. Se todos alinharem nas mesmas leituras, é caminho certo para o
desastre. Talvez afinal eu seja mais emocional do que racional - sempre me acusaram
do contrário - mas hoje não consigo evitar a dicotomia bons e maus. Mesmo
sabendo que não é exacta, no limite que seja falsa, hoje sinto que é
necessária. Lembrando dois depoimentos, uma velhinha que podia ser uma camponesa
portuguesa de há 30 anos, que perguntava: mas a Rússia é tão rica, tem tantas
florestas, para que precisa disto? Outra, na casa dos 30, que podia ser uma qualquer
habitante da Linha, que dizia: tinha uma boa vida, um bom emprego, bons amigos
e perdi tudo. Quando ouvi as bombas a cair, dizia, não fui capaz de acreditar
que isso pudesse acontecer no século XXI. Não dá para racionalizar. No entanto, recomendo a
leitura do comentário de Cipião Numantino e acrescento mesmo que algo nos deve
desde já preocupar. A Europa está em guerra, não com armas, mas a única guerra
que culturalmente aceita, guerra económica e guerra mediática. E nessas a
esmagadora maioria dos europeus quer participar. Não quero nem acho útil
especular se o quer como compensação pela inação política anterior ou militar
posterior, ou seja, para aliviar consciências. Mas querem-no e de certa forma
impuseram-no aos políticos que ainda levaram quase 48 horas a perceber de onde
soprava o vento e os votos. A questão é que numa guerra económica e mediática, faz sentido o
silenciamento da parte contrária, o que muitos já chamam censura da UE às notícias
russas. Será. Mas numa guerra mediática a propaganda é uma arma e faz sentido
neutralizá-la. Outra questão é que também faz sentido silenciar vozes internas
dissidentes. Putín, que percebe da poda, já fez aprovar um decreto que prevê 15
anos de prisão para quem disser diferente dos comunicados oficiais sobre a
guerra. Mas aí, nós temos que parar para pensar. E talvez não seja prudente
deixarmos o tribalismo fora de controlo. Mario
Figueiredo: Explicar não é defender. Mas em
tempo de conflito dá cobertura e munição a quem procura branquear as acções
inegavelmente maléficas, ainda que contextualizadas, de quem usa a força para
subjugar os povos. O mal raramente é um desejo do ser humano, quase sempre é o
resultado das suas ações. Leio-o
sempre com atenção e interesse. Mas não aceito as suas razões. Estamos em
conflito, caso o caríssimo o aceite ou não. Não declaramos guerra pelas
consequências terríveis do que isso significaria, mas fomos novamente atirados
para uma guerra fria. Perceber as suas causas neste momento é muitíssimo menos
importante do que estudar o caminho para a vitória.
Como disse, leio-o sempre com muito interesse e atenção. Mas hoje não
é o dia para lições de história. Esse dia virá, quando a Rússia se libertar do
ditador e este for julgado pelos seus crimes. Aí, no banco dos réus, importará
perceber como é que ele chegou ali e como deveremos fazer para que não volte a
acontecer .
josé maria > Mario Figueiredo: Muito bom
comentário. Dante
Alighieri > Mario Figueiredo Chafurdar na história não me
parece muito inteligente neste momento, não faltarão bons argumentos para
cada país que queira saltar as suas actuais fronteiras. Mario Figueiredo > Dante Alighieri Tanto que a história não é apenas a de Putin. Mas
também a da Europa e como esta permitiu-se a levar longe demais o dogma da
diplomacia como solução para todos os conflitos e a doutrina da pacificação
pelo comércio externo. A verdade é que
a história não tem que se submeter a um tirano imperialista, e não pode ser
avaliada apenas em função do que Putin quer ou do que ele vê como ameaça (real
ou não). Seria bom parar com esta narrativa de que só Putin escreve a
história e que o desejo dos povos por paz e prosperidade não escreve nada. E a história da invasão da Ucrânia e do início
da 2nd Guerra Fria (porque é assim que vai ser conhecida) também foi
feita por uma Europa que, adormecida em nome da paz e da prosperidade económica,
permitiu que Putin fosse longe demais. A
história repete-se mesmo. mario alves > Mario Figueiredo: Será que foi o Putin longe
demais, ou EUA e a UE deixaram que isto chegasse aqui. Senão vejamos! Quem
apoiou o presidente da Ucrânia, aquando da formação do batalhão azov? Braço
militar nazi incorporado no ramo de forças especiais, após o golpe de estado de
2014. Quem após esse golpe de estado, queimou vivas mais de 30 pessoas em
Odessa? Dizer que uma Europa" adormecida "em nome da paz e
prosperidade económica, permitiu que Putin fosse mais longe! Então porque apoia
os EUA, sabendo-se que estes, que quando criam conflitos, são sempre na
tentativa de alcançar dividendos económicos e militares, que é o caso. josé maria: É inegável que Jaime Nogueira Pinto é o único pensador de gabarito da
direita portuguesa, este excelente artigo mostra-o bem. Putin merece ser sentado no
banco dos réus do Tribunal Penal Internacional, pelo conjunto alargado de
malfeitorias que tem feito durante o seu "reinado", não apenas pela
ignóbil invasão da Ucrânia, mas também pela conduta tenebrosa da aviação russa
contra a população civil da Síria. Com ele, lá devem estar Trump e Bashar, por
similares razões. Por terem ordenado às suas aviações que efectuassem os mesmos
bombardeamentos terroristas contra população civil inocente. E obviamente
também Netanyahu, pelo bombardeamento indiscriminado dos palestinianos civis,
da faixa de Gaza. Num mundo decente, o lugar de Putin, Trump, Bashar e
Netanyahu é no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra e contra a
Humanidade. João
Ramos: Sempre a
aprendermos com JNP, obrigado ! Miguel Benis: Notável, grande artigo! Antes pelo contrário: Não é uma mera justificação
ideológica. É que a questão ideológica é real e pertinente!!! Não apenas a Ucrânia, que não
existia como Estado antes de 1918 e logo a seguir decidiu fazer parte da URSS
com um voto no parlamento - enquanto metade da população prosseguia a guerra
contra os russos pelos anos 20 adentro - sempre teve populações de
várias origens desde que foi conquistada aos turcos no séc. XVIII, depois de
ter pertencido aos polacos, aos cossacos, aos tártaros, etc. - sempre esteve
dividida ideologicamente pois já na Primeira Guerra Mundial
uma parte da população havia lutado do lado da Rússia e da Inglaterra, e outra
parte, do lado da Alemanha do Kaiser, que tinha prometido aos ucranianos não só
a independência, como a posse de vários territórios... ...como a questão ideológica se
tornou ainda mais premente na 2ª Guerra, quando depois da invasão a Leste pela
Alemanha, uma parte da população ucraniana voltou a lutar com os alemães do III
Reich contra os russos, chegando a haver uma divisão de voluntários ucranianos,
a 14.ª Divisão de Granadeiros das Waffen SS "Galizien", composta de 4
regimentos e 7 batalhões... ...e a questão do nazismo nunca morreu e foi ressuscitada pelo Batalhão de
Azov" e outras organizações militares ou paramilitares de extrema-direita
ucranianas: (…) Mariupol, é uma cidade inteiramente russa, que foi criada do nada pelos
russos no séc. XVIII em territórios que nunca pertenceram à Ucrânia, povoada
por russos, gregos e judeus, e que foi ilegalmente ocupada e anexada pela
Ucrânia a seguir à queda da URSS em 1991, e outra vez em 2014, onde
precisamente o Batalhão de Azov persegue, assassina e tortura os
"separatistas" russos!! PortugueseMan: ...Zelensky vai tentar, neste período, uma
escalada-envolvimento que acabe por comprometer política e militarmente a NATO,
mesmo com os riscos de uma guerra nuclear – riscos que, na Europa e nos Estados
Unidos, ninguém, governantes ou povo, quer correr... A NATO já só está a adiar o
inadiável.
Nunca vi tantas declarações em como a NATO está unida,
que o artigo V é inabalável, etc, etc. Eu imagino o desconforto crescente na
Polónia e Roménia, ao ver as tropas russas avançarem na direcção deles. Basta
olharmos para o mapa, a Ucrânia simplesmente está no caminho. Quando os russos
estiverem posicionados perto das fronteiras da Roménia e Polónia, vão perguntar
novamente aos americanos se recuam ou não com as suas bases de mísseis. Se nada
for acordado, penso que já não haverá dúvidas sobre o que os russos estão
dispostos a fazer. A questão será o que nós, europeus, vamos querer. E estamos
todos nas mãos de uns políticos que não me convencem. MCMCA > PortugueseMan: Esta é a triste realidade: estamos rodeados de
políticos no mínimo levianos que lançam gasolina na fogueira perdendo
oportunidades únicas de mediarem o conflito. Somente a China tem sido cautelosa
nas afirmações, quiçá porque para ascender ao poder Xi teve de ser astuto,
muito inteligente e cauteloso. Por cá os piores vão para a política por isso,
vemos gente que nunca implementou nenhuma empresa nem teve uma carreira
brilhante e cujo único trabalho que fez foi traficar influências, liderar
países euro-americanos. Nada sabem de história e descurando a psicologia
característica de cada povo governam por likes das redes sociais com medo de
perder o tacho porque inteiramente dependente dele. Este é o nosso pior
pesadelo porque vemos agravar a linguagem bélica em lugar de a acalmar e de
tentar sentar as partes e negociar.
bento guerra: São palavras, só palavras. Esta guerra é uma outra etapa da Guerra Fria e
os americanos sabiam da sua probabilidade elevada, ao mandarem os seus subditos
europeus ignorar os Acordos de Minsk de
2014. A vitória "administrativa e económica" da América é a maior de
sempre, as vitimas, os ucranianos
Antonio Mendes: Análise interessante, mas não consegue libertar-se de
um certo appeasement tal como JNP não consegue libertar-se de um certo
nacionalismo tributário da natureza predatória do ser humano. Civilização é um
processo contínuo de eliminação das facetas mais “animalescas” do ser humano.
TIM DO Ó > Antonio Mendes: As facetas animalescas do ser
humano continuam intactas, agora como há 3 mil anos. Talvez nem com mais 1
milhão de anos isso se altere muito. As maiores atrocidades de todos os tempos ocorreram
no século XX e poderão vir a ocorrer ainda piores no século XXi numa guerra
nuclear. Nada de novo face ao homem primitivo. Aliás, até é quando a dita
civilização tenta mudar a natureza humana que a faceta humana mais animalesca
vem ao de cima. Foram os casos da tragédia das populações submetidas ao Homem
Novo do comunismo e do nazismo. E, agora, há uma nova tentativa dessas por
parte do imperialismo americano que pretende, à força, eliminar a História, a
cultura ocidental, as diferenças biológicas naturais entre o homem e a mulher
(ditadura do género), entre outras bizarrias em curso que estão a extremar de
forma insanável as posições no mundo ocidental com consequências imprevisíveis
que podem ir até a guerras civis, processo "civilizacional" perigoso
agora aparentemente interrompido com o rompante de Putin. MCMCA A > Antonio Mendes: O instinto de sobrevivência
persistirá enquanto os seres vivos existirem: E é isto que move Putin e
Zelensky. Um porque lhe estão a tentar bloquear o acesso à Crimeia, onde existe
o único porto de inverno para as exportações russas, com a crescente
militarização da Ucrânia feita sobretudo pelos USA, o outro porque vê o país
ameaçado pelo poderoso vizinho do lado e foi em cantigas de apoio por parte dos
USA e agora encurralado luta tenazmente pela sobrevivência nem que arraste
atrás de si toda a Europa num conflito nuclear. Grande culpa da Europa que não
avaliou as consequências do que se estava a passar na Ucrânia desde 2014 e nem
tentou arranjar um estatuto de neutralidade para a Ucrânia como os granges
políticos do pós guerra fizeram com a Suécia, Finlândia e Áustria e inclusive
negando à Alemanha estatuto na ONU como membro permanente e proibindo-a de ter
as suas armas nucleares.
TIM DO Ó > MCMCA A: Sim. Teria sido melhor
para todos - Ocidente, Ucrânia e Rússia - ter-se chegado a um acordo de não
expansão da NATO para a Ucrânia tornando esta num país neutro. Foi uma
imprudência aventureira da Ucrânia o seu querer aderir à NATO, estimulada pela
UE ingénua e inconsequente. Agora temos um sarilho e uma tragédia humanitária. PortugueseMan: ...Tudo indica que a Rússia tentará, nos próximos
dias, obter uma vantagem no terreno, nomeadamente a sul, fechando o acesso da
Ucrânia ao Mar Negro... O acesso ao Mar Negro já foi perdido. Todo o Mar Negro já está bloqueado
aos ucranianos. As cidades costeiras é que ainda não estão todas sob domínio
russo. ...Isto vai traduzir-se em mais mortes,
mais refugiados, mais destruições urbanas. O Presidente russo sabe também
que o tempo correrá, a partir daí, contra ele, com possíveis brechas na sua
frente interna – não só a nível popular como da hierarquia partidária e
militar... As forças paramilitares que andam por estas cidades, estão sem saída.
Elas não vão ter estatuto de
prisioneiros de guerra, não vai ser aplicado a Convenção de Genebra as estas
forças. Estão criadas todas as condições para existir nestas cidades uma guerra de
contornos absolutamente brutal, porque eles sabem que vão ser mortos, não há
opção de rendição. Os russos entraram nisto perfeitamente conscientes ao que vão.
E não é por acaso que tropa
chechenas receberam luz verde para avançar. Brutalidade por brutalidade. Tenho ainda uma réstea de
esperança que seja oferecido a estes paramilitares salvo-conduto para por
exemplo Lviv. Os russos aplicaram esta solução inúmeras vezes na Síria, para poupar vidas
de inocentes. Custa a acreditar ver autocarros carregados de bárbaros
escoltados por tropas russas. A palavra foi sempre mantida na Síria. Foi e continua
a ser uma das grandes valias deles. Tal como no Afeganistão, que é quase inacreditável
assistir à protecção taliban à embaixada russa. E ainda são considerados como
terroristas por eles. Pontifex
Maximus: O propósito deste
texto para mim é claro: expressar em palavras o declínio irremediável do
Ocidente, sem valores por que lutar, perdido na curva da história. E sim, até
parece hoje mais plausível uma fractura no império interno da América, tal qual
há 150 anos, do que a queda da autocracia no mundo, sobretudo da China, coesa,
monocromática e nacionalista até ao tutano (mais correctamente, racista, mas
isso não se pode dizer por aqui - embora quem conhece um pouco da China e dos
chineses saiba do que falo), versus o Ocidente decadente e a lutar por absurdos
tais como os géneros humanos face à evidência das ciências que agora já só
finge professar. É só isto.
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