Mais um episódio gracioso, contado pelo Sr. Embaixador Luís Soares de Oliveira, acerca das suas andanças pelo mundo da diplomacia. Mas, em vez de afastar, enraíza. Digo, os medos.
«O episódio anedótico que a visita soviética à nossa
Missão junto das NU para anunciar o nascimento do Míssil Intercontinental TR-7
produziu descreve-se em poucas palavras.
Os diplomatas menos graduados que integravam as
Missões nacionais junto das NU no meu tempo criaram uma instituição informal -
a Associação dos diplomatas juniores -, iniciativa que se ficou a dever e um
júnior da Missão do Canadá chamado Derek Arnold, meu vizinho, com quem fiz amizade.
Essa associação reunia-se de quando em quando para partilhar informação e
discutir matérias sem o formalismo que a graduação impunha aos nossos chefes.
Na altura em que os russos eufóricos andavam a assustar toda a gente com o seu
míssil transcontinental (os noviorquinos do tempo entraram em pânico, conforme
localmente constatei pois na realidade não dispunham ainda de defesa contra), os
soviéticos decidiram recepcionar os diplomatas juniores das NU no imponente
palacete da Park Avenue, residência do Embaixador, talvez para os tranquilizar.
Minha mulher e eu fomos convidados e devidamente autorizado por Lisboa (o TR-7
começava a produzir efeitos), comparecemos. Na fila da recepção figuravam,
entre outros, o sénior que me havia visitado, o adido de Imprensa- que eu não
conhecia - e suas mulheres. Na apresentação, a mulher do adido, ao ouvir o nome
Portugal em inglês, perguntou ingenuamente - "Portugal! Where is
that?" Não me contive e imediatamente disse ao sénior que me tinha
visitado:- "Fico tranquilo. Podemos dormir descansados. Vocês (you em
inglês) têm o míssil mas não sabem onde nós estamos ". Mais tarde, a
gaffeuse veio pedir desculpa a minha mulher. Em russo, a palavra é Portugalia e
isso confundiu-a. Nesta recepção travei conhecimento com o júnior russo - o bem
humorado Vadim - que entretanto obteve uma posição no Protocolo das NU. Não se
importava pois de passar a alvo potencial em vez de artilheiro do novo míssil
atómico de que tanto se orgulhavam os seus compatriotas.
Parecia pois que os russos tinham atingido o auge da
sabedoria consumada. Eles, tão avessos ao conceito de propriedade e abertos ao
uso (pelo menos na aparência) acabaram por criar uma situação em que só a
posse interessa e o uso não; a bomba atómica e o míssil só seriam úteis
enquanto não fossem usados.
Se Putin ainda pensa assim confesso que não sei. Só um
psiquiatra seria capaz de responder. A diplomacia poderia aqui ser útil, mas só
a antiga, a bilateral, que se processava no segredo das chancelarias; não na
praça pública que, no caso, é altamente perigosa. Mediação recomenda-se.»
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