quinta-feira, 17 de março de 2022

As coisas e loisas do nosso rame-rame

 

Que MJA define com a sensibilidade e a perícia de sempre. Que se há-de fazer? Ao menos dá para distrair, com tal leitura, enquanto por aqui andamos, no “vamos indo” costumeiro da nossa contumaz mediania, apesar do novo horror em que chafurdamos – o visível e o previsível, que isso tudo poderá apagar, no silêncio sem resto.

Memória

Um Executivo parcimonioso no verbo quanto a guerra, mas lesto no gesto: que “construção mental” presidiu à “engenharia” da fabricação do AUTOvoucher, por exemplo? Santo Deus.

MARIA JOÃO AVILLEZ

OBSERVADOR, 16 mar 2022, 00:2043

1– Por entre écrans e jornais se têm passado os dias. São as sementes da guerra, fazendo do solo que pisamos o mais incerto dos poisos. Há um ano e há dois, pensávamos que nada poderia haver de pior de que um desconhecido vírus assanhadamente persistente e como este tremendo equivoco mede afinal o quão longe estávamos de algum dia, conviver desta forma tão intima com uma guerra, paredes dentro das nossa. Écrans e jornais dela se vêm alimentando – sustento amargo – numa vertigem tão voraz que quase banaliza um horror às nossas portas.

2- Foi preciso passarem-se mais de duas semanas para o Presidente da República reunir o Conselho de Estado, convocado com inexplicável atraso sobre o (muito) previsível agravar dos acontecimentos na Ucrânia, mas deve faltar-me informação mais racional. Por mim não chego sozinha às causas do silêncio oficial sobre a guerra em curso. Ninguém sentiu a necessidade de proceder àquele gesto que costuma distinguir – e definir – uma grande ocasião vulgarmente intitulado “falar aos portugueses”, a esta hora já confundidos e assustados. O céu está a cair-lhes sobre a cabeça. Quanto ao governo - ex-governo-e-ainda-não-novo-governo, também muito pouco nos tem informado sobre a tão assombrosamente perigosa mudança que ocorre no mundo e das suas dramáticos aflições e consequências. Algumas, claro, já chegaram. Um Executivo parcimonioso no uso do verbo quanto a guerra, mas lesto no gesto: que “construção mental” terá presidido à “engenharia” da fabricação do AUTOvoucher, por exemplo? Santo Deus.

Dizem-nos que não é altura para poluir a sagrada união que nos deve unir em momento tão grave. Justamente: momento tão grave reclamaria que nos explicassem melhor a desgraça, como enfrentá-la e que fazer – desde já – para tentar lidar com ela. A trapalhada da criação do AUTOvoucher não foi animadora. O ministro dos Estrangeiros a tranquilizar-nos sobre o tema dos combustíveis (“Portugal está numa posição relativamente protegida” em termos de abastecimento energético, uma vez que “a dependência da Rússia é residual”) lembra-me o gato escondido com a cauda de fora: falta o resto da frase. Esse imenso dinheiro que será preciso para o pagar — e pagar o resto da brutal factura da guerra que ainda mal começou. Isto é: o dinheiro terá de vir de outro lado ou substituir alguma coisa. Qual lado e qual coisa? Não sabemos, adormeceram-nos com o tranquilizante da certeza do combustível.

3Às vezes penso que não estamos politicamente muito bem entregues – não é de agora. E embora admita poder não ser esta a mais feliz altura para o evocar não partilho de todo da vox populi segundo a qual devemos é estar agradecidos a quem chefia o Estado e governa o país. Subentendido: não estão eles a fazer o seu melhor?

Depende. No reduto do silêncio a que se remetem, não. No atraso de algumas, digamos, já indispensáveis medidas preventivas, também não. Na obsessão com que exibem e partilham gestos que valem sobretudo pelo efeito do agrado popular que supostamente provocarãoidas a espectáculos de solidariedade, acolhimento de algumas dezenas de ucranianos que chegaram a Portugal por exclusiva iniciativa privada, como há dias vi em Leiria mas com o Presidente e o primeiro-ministro a terem as honras do palco –, também não.

Lembro-me de que na pandemia não se podia criticar as autoridades, com mochilas tão carregadas às costas. Podia e devia: formidáveis no sobre humano esforço com que se superaram durante longuíssimos meses, foram os médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar, hospitais. Esses sim. E isso, sim.

As “autoridades”, apesar da sua óbvia preocupação e das respectivas responsabilidades, hesitaram, acolheram excitadamente competições desportivas internacionais com o país trancado em casa, permitiram um Natal assassino, contradisseram-se entre si, falharam na previsão e na antecipação. Em Portugal remedeia-se mais do que se previne. E se não fosse a intervenção directa e definitiva do Presidente da República nunca teria havido um militar a comandar as tropas da vacina. Ou alguém já esqueceu aquele senhor Ramos que inaugurou a vacinação com uma dose de infelicidade raras vezes observada no Estado?

Toda esta arenga para relembrar que tendo isto em memória tão doridamente recente, a perplexidade e o temor crescem. Agora trata-se da guerra. Estamos preparados para os seus malefícios? Para faltas e carências económicas e sociais? Por outras palavras: estamos bem entregues?

4Entre páginas de jornal impressas de guerra e imagens de sofrimento, de vez em quando, por fuga ou exaustão, o olhar desvia-se e cai na realidade intramuros.

Quantas vezes não li que “Moedas continua a ser pressionado” (para avançar para liderança do PSD). Por favor deixem o Moedas em paz! Será que o PSD não interioriza a fatal prova de irresponsabilidade que significa “pressionar” alguém que assinou um compromisso com a capital do país e sugerir-lhe que traia ambos, compromisso e capital? Que querem os sociais-democratas que se entretêm nestas polcas que pensemos deles e do partido onde se abrigam?

Por este andar o PSD passará do partido médio que é hoje para partido irrelevante: política, económica, social, cultural e civilizacionalmente irrelevante. Já esteve muito mais longe.

E não nem a guerra consegue distrair-me destas vergonhas, tão indignantes me pareceram. Por favor, deixem o Moedas em paz!

PS. Viva o  Benfica!

POLÍTICA   GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO

COMENTÁRIOS:

António Louro: Excelente.           josé maria: Ó Maria João Avillez, só uma pergunta inocente: esta cena dos constantes aumentos dos preços não é precisamente o resultado da lógica interna do seu capitalismo liberal? A manifestação clarividente da mão invisível do Adam Smith e da dinâmica racional da Lei da Oferta da Procura? Tem razões de queixa? Porque não se insurge contra o Adam Smtih? Ou será que a MJA é apenas mais uma daquelas que adora o Adam Smith às segundas, quartas e sextas e, nos restantes dias da semana, quando os preços sobem, é mais adepta do intervencionismo estatal? Já não há liberais 100% liberais ? Só temos uma espécie de liberalismo oportunista, demagógico e mitigado?        António Viegas: Eu vi logo que ia haver muita gente escandalizada com o "Viva o Benfica". (se fosse viva o porto ou sporting já não haveria problema algum, certo?) Esquecem que o Benfica ontem eliminou o Ajax e é por causa dessa vitória que a autora se manifesta. Depois há quem fale em Benfica ligado a casos de corrupção. Estarão por acaso a referir-se  ao Apito Dourado, ao Cashball,           Domingas Coutinho: Muito bom e directo como sempre. E já agora porque não “viva o Benfica!” Quem dera ao Sporting estar no lugar dele.            Miguel Braga: Para além da ilusão do povo que este desgoverno está a retribuir um poucochinho daquilo que rouba, ainda mente pois há casos em que este devolveu 15€ em vez dos 20€ que anuncia.  A forma  que o politburo do Rato ilude é apenas para iletrados assistirem. O mesmo quando diz que a decisão está agora do lado da CE.          Francisco Tavares de Almeida: Bom artigo como de costume e, desta vez, até mais assertivo do que o habitual. Pena que tenha estragado, não direi tudo mas muita coisa, com a frase final.          Dom Love > Francisco Tavares de Almeida: Pode explicar essa crítica? Quais foram as coisas, em concreto, que ficaram estragadas com o "viva o Benfica"? Ou em que é que o "viva o Benfica" reduziu a qualidade do todo o artigo? Enfim...    Maria Augusta>  Francisco Tavares de Almeida: Eu não diria melhor Caro Tavares de Almeida. A frase final em referência  a um clube que ao longo da sua história tem estado ligado a inúmeros casos de corrupção é de facto escusado. Como diz a autora no título é preciso ter "Memória".            advoga diabo: Os Governos Costa têm histórico de excelência a reagir a adversidades, merecidamente recompensadas com a maioria absoluta, logo é do mais razoável senso comum esperar o mesmo quanto à guerra. MJA e inconfessáveis desejos de devastação a disfarçar frustrações!            João Ramos: Boas questões (sem resposta) da situação actual em Portugal, tanto política como económica, o futuro está obviamente bastante escuro e somos governados por especialistas em “assobia para o lado”, esta é a grande realidade. Quanto ao Benfica, muita sorte, às vezes os milagres acontecem…            João Floriano: Excelente! Duas considerações breves. Qual o interesse de reunir um Conselho de Estado onde se sentam figuras como o Dr. Francisco Louçã? Alguma coisa de importante vai sair dali a não ser as banalidades costumeiras? E ainda: «Às vezes penso que não estamos politicamente bem entregues....». Só às vezes? E claro: Viva o Benfica que arrumou o Ajax «limpa vidros», mas a nível doméstico está cada vez mais longe do segundo lugar.           AL MA > João Floriano: A Sorte é que Louçã vai sair do Conselho de Estado, de vez.... espero eu, embora a utilidade deste Órgão é muito discutível, pois nada acrescenta , é simplesmente uma prateleira de "Senadores" vaidosos.         Pedro Vieira Dias: Mais um excelente artigo! Andamos todos adormecidos com autovauchers e afins. Será que também viremos a ter um electrovaucher, ou um inflavaucher? A factura virá mais tarde quando os actuais governantes já estejam bem sentados a gerir outras empresas que não o País, e inevitavelmente seremos nós mais uma vez a pagar a despesa...           Alberto Sérgio Sousa: O viva ao Benfica como remate do artigo é escusado e desfasado!... Retira qualidade ao texto. Se a autora quer ter intervenção como adepta no palco desportivo existem muitas plataformas para o efeito. Mas meter no mesmo saco a análise de um momento definidor do Ocidente e de uma guerra armada com a revelação de um estado de alma derivado do resultado de jogo de futebol, casuístico e obtido sem mérito especial, praticado por clube carregado de casos na justiça é de fraco juízo, e desvaloriza...           Dom Love > Alberto Sérgio Sousa: No exercício da sua liberdade, Mª João Avillez escolheu honrar o S.L.Benfica com um Post scriptum, que embora nada tenha que ver com a análise que fez, se reconhece como normal e justo! Se a sua obsessão, ou o seu fanatismo, não lhe permitem absorver a mensagem e o direito a essa mensagem, sugiro que pense mais antes de escrever, não vá alguém confundir a sua crítica a puro exercício de má-fé. Até porque, descompor uma análise tão cuidada e certeira da situação do País e do mundo, com uma nítida revolta clubística, atribui-lhe a si, caro Alberto, a culpa de valorizar muito mais uma questão desportiva, do que as verdadeiras questões que importam.             Maria Augusta > Alberto Sérgio Sousa: Tem toda a razão.  A referência  final a um clube que em toda a sua história está ligado a inúmeros casos de corrupção é perfeitamente escusado e retira credibilidade à autora.           bento guerra: A  governação que vive do subsidio e apoio-dependência do seu eleitorado, da abulia da informação e da fraca memória de todos             Américo Silva: Bom dia, nem sempre guerra, nem sempre covid, vão variando. O fake-papa, sempre ao lado da fake-vacina, certamente aprovará a quarta dose da Pfizer, depois de dispensar o bispo Fernández Torres, de 57 anos, por este ter defendido a objecção de consciência à vacinação obrigatória,  contra as diretrizes da Congregação para a Doutrina da Fé, isto sim, uma questão de fé. Quem está a perder a fé é a FDA, agora que o Putin enterrou o vírus.           josé maria: que “construção mental” presidiu à “engenharia” da fabricação do AUTOvoucher, por exemplo? Há dias, meti 40 euros de combustível no meu automóvel e imagine a Maria João Avillez que, quando fui ver o extracto da minha conta bancária, o AUTOvoucher tinha tido a desfaçatez de me devolver a ridicularia de 20 euros. Maldito governo, no tempo do Passos é que era bom.            FME > josé maria: Tens que repetir isso mil vezes, segundo a teoria do teu homónimo e camarada de luta Joseph.           Diogo castelo branco > josé maria: Grande idiota putinista certamente            Valquíria > josé maria: Sinceramente, não compreendo o autovoucher. Você teve direito logo ao desconto total, 20 euros, só por ter metido 40 euros de combustível? Mas não são 10 cêntimos por litro? Ora com 40 euros deve ter metido para aí uns vinte e poucos litros. Ajude-me lá a entender isto ou alguém que tenha já entendido melhor o funcionamento deste sistema.     Américo Silva > Valquíria: Bom dia. Só para ajudar, a informação que me deram é que para obter a devolução de 20 euros é preciso um NIF, um número de telefone individual, pagar com cartão de crédito pessoal, e meter mais de 20 euros de combustível, não é um desconto por litro. Mas posso estar errado.

 

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