segunda-feira, 7 de março de 2022

Os preparativos russos

 

Para a escalada final. E o colaboracionismo desatento do Ocidente, egoísta ou cínico, jogando no interesse próprio. Uma boa síntese de Alexandre Homem Cristo, e a reaccções de alguns dentre a centena de comentadores, no cansaço da armadilha em que foi apanhado o mundo inteiro.

Os cúmplices de Putin

Extrema-esquerda e extrema-direita? Sim, mas convém também incluir os líderes europeus que ignoraram os riscos de uma dependência económica e energética com uma autocracia com ambições imperialistas.

ALEXANDRE HOMEM CRISTO

OBSERVADOR, 03 mar 2022, 00:20116

Em 2008, a Rússia iniciou um conflito com a Geórgia, para o controlo das regiões da Ossétia do Sul e Abecásia. Em 2014, Putin anexou a Crimeia ao território da Federação Russa, apropriando-se da região ucraniana como se esta lhe pertencesse. No mesmo ano, apoiando forças separatistas, Moscovo conseguiu que as regiões de Donetsk e Lugansk se declarassem independentes da Ucrânia, sob protecção militar de Putin. Desde 2019, a Rússia tem emitido milhares de passaportes russos para as populações dessas regiões, enraizando a sua influência e justificando a sua acção militar com a protecção desses cidadãos russos. Entretanto, enquanto a ambição expansionista do regime russo era evidente, tornara-se indisfarçável a natureza corrupta do Kremlin, ligando militares, serviços secretos, oligarcas e empresas-públicas a fluxos de milhões de dólares. Houve quem denunciasse, mas Putin não enfrentou limites à impiedosa perseguição política dos seus oponentes, tanto a nível interno como externo. Em 2006, Alexander Litvinenko, que fugira para Londres para expor a corrupção de Putin, foi envenenado mortalmente em solo britânico com uma substância radioactiva, por dois antigos membros do KGB próximos de Putin. Em 2020, Alexei Navalny, empresário que usou o seu acesso a informação de empresas-públicas russas para documentar essa corrupção, foi vítima de atentado por envenenamento, tendo sobrevivido — actualmente, está preso.

A estratégia de Putin não assentou apenas em acções sobre territórios fronteiriços e repressão política. Durante todos estes anos, Putin nunca perdeu de vista que a afirmação geopolítica do Kremlin dependeria do enfraquecimento da UE. Por isso, abraçou a China como seu parceiro privilegiado. Investiu em espionagem para monitorizar instituições e empresas europeias. Abriu os cofres ao financiamento de movimentos e partidos eurocépticos (à esquerda e à direita), percebendo que quanto mais estes crescessem mais destabilizadas ficariam as potências europeias. Tentou interferir em campanhas eleitorais de outros países, ampliando a propaganda anti-UE e colocando pelotões de hackers a disseminar desinformação pró-Moscovo. E, assim, entre as elites políticas, económicas e culturais, Putin criou aliados no coração do Ocidente que, por adesão ideológica ou oportunismo, se tornaram defensores de uma relação especial com a Rússia.

Com altos e baixos nas tensões diplomáticas, nada disto realmente impressionou os líderes políticos ocidentais, que preservaram a sua relação com a Rússia ou, em alguns casos, até a aprofundaram. Em 2017, quando se sentou na cadeira de poder do Élysée, Emmanuel Macron foi rápido a convidar Putin para encontros em Versailles e, meses depois, na sua residência de Verão. O objectivo era redesenhar a relação com Moscovo, manter um diálogo aberto e ultrapassar uma NATO “em morte cerebral”, para desenvolver interesses estratégicos franceses: em 2018, Macron assumia que França ambicionava ser o país com mais investimentos na Rússia. Enquanto isso, na Alemanha, a tolerância para com o regime de Putin foi ainda maior, sustentada na dependência do gás natural e nas lucrativas trocas comerciais, que incluíram uma polémica venda de equipamento militar para simulações de combate e treinos das tropas russas. Sem coincidência, Schröder, antigo chanceler alemão que assinou a autorização para a construção do gaseoduto Nord Stream 1, está hoje na administração da Gazprom — a empresa estatal russa para o gás. Os exemplos internacionais multiplicam-se e traduzem-se nos dados das exportações russas: em 2019, 64% do gás natural foi para a UE, assim como 50% do crude e de produtos petrolíferos. Esta interdependência foi, até agora, uma arma de Putin contra o Ocidente.

Em 2022, com a invasão da Ucrânia, tudo mudou. Os laços económicos romperam, sanções mais duras aplicaram-se e a Rússia ficou isolada. A posição forte e unânime da UE pode ser moderadamente animadora, mas ficou claro que surgiu demasiado tarde e a um custo terrível para os ucranianos e o continente europeu. Quando pensamos nos cúmplices de Putin, convém por isso não olhar apenas para os partidos dos extremos — à esquerda, os que se agarram à nostalgia do projecto soviético; à direita, os que admiram o nacionalismo e agradecem os petrodólares que financiam os seus partidos. Nas contas de cumplicidades, há que incluir os líderes das principais economias europeias, que escolheram ignorar os riscos de uma interdependência económica e energética com uma autocracia corrupta e com ambições imperialistas. Quem vende a alma ao Diabo tende a esquecer-se como pode ser dolorosa a cobrança.

Tudo isto conduz a duas lições. Primeira lição: os “valores europeus” são como os unicórnios — podem ficar bonitos no papel e soar bem nos discursos, mas na prática não se vislumbram. O facto é que, durante largos anos, a UE tem tolerado as atrocidades de Putin em nome de vantagens económicas e políticas, seguindo até estratégias de dependência energética que, no plano geopolítico, fragilizaram a segurança dos cidadãos do continente. Segunda lição: entregar sectores estratégicos a regimes autocráticos implica ficar à mercê das suas estratégias de poder, que afectam preços, autonomia política e a segurança das populações. E se esta segunda lição está hoje a ser vivida na pele pelos alemães, dependentes dos russos para o gás natural e a mãos com o impacto das sanções impostas à Rússia, talvez valha a pena pensar na encruzilhada em que se meteram Portugal e Grécia, por exemplo, vendendo-se à China. Já que não aprendemos estas lições antes, pode ser que agora fiquem assimiladas.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA    EUROPA   MUNDO   UNIÃO EUROPEIA

COMENTÁRIOS:

Miguel Eanes. Os cúmplices de Putin são todos aqueles que vão ganhar com esta guerra e a europa não é de certeza.

Luís Abrantes: Cúmplices fomos todos nós que quisemos ignorar as loucuras de Putin… já para não falar dos agentes a soldo do KGB, que no sistema político português dão pelo nome de pcp e bloco de esquerda…     Julio Carreira: Artigo com nada de novo. Mais um breve historial das relações económicas entre o Ocidente e a Rússia             João Alves: Como tenho vindo a defender, o PS de António Costa, tendo em conta o seu relacionamento político, institucional e pessoal íntimo, durante seis anos, com PCP, partido que não desaprova o ataque militar da Rússia de Putin ao ocidente democrático e liberal e à NATO, por interposta Ucrânia, não tem condições nem credibilidade políticas para governar Portugal, país membro da NATO, durante a actual conjuntura internacional.             Nuno A: As 2 últimas frases são as que nos interessa discutir. Corrigir agora, para não chorar daqui a pouco.              Van Wanderer: Os cúmplices de Putin são múltiplos, e como é apanágio desses, movem-se de ambos os lados da barricada. Nesta estória sórdida não há inocentes.     Português indignado: Os sinais estavam lá todos... Fizeram de conta que não se passava nada... Agora tem de lidar com o resultado desastroso e trágico.               Dani Silva > Português indignado: Concordo. Os sinais de que o regime de Putin é totalitário e não olha a meios para atingir os seus fins estavam lá todos.

Dante Alighieri > Jorge AlmeidaO Jorge tem razão, houve de facto críticos de Putin, mas não foi a eles que me dirigi. Houve até muito boa gente que alertou para a excessiva dependência energética da Europa em relação à Rússia e ao mesmo tempo quem especulasse que o que havia afinal era uma pressão dos USA para impedir essa interligação económica da Europa com a Rússia com o objectivo de vender os seus recursos naturais à Europa. Enfim, há sempre várias perspectivas de analisar a mesma problemática. Contudo, não foi isso que coloquei em questão. O que eu queria realçar era que ninguém (ou quase) “avisou” para a possibilidade de Putin ter pretensões territoriais de tal magnitude que o levasse a tomar decisões de invadir países na sua orla fronteiriça desta magnitude e assim colocar em causa a segurança mundial com capacidade de espoletar um conflito a nível global, a chamada terceira guerra mundial. Isso, não me lembro ter sido denunciado por analista algum, mas é possível, admito, que possa ter existido. Jorge Almeida  > Dante Alighieri Houve poucos, mas houve. Assim de repente e da nossa praça lembro-me por exemplo do José Milhazes.              Paulo Silva > Jorge Almeida: Caro Jorge Almeida, permita-me a intromissão. Há sempre críticos para tudo e em todo o lado, mas neste caso a diferença de visibilidade entre esses e os complacentes com Putin foi abissal. Estou inclusive a lembrar-me do malogrado Prof. Olavo de Carvalho que alertou para o perigo dos ideólogos que estão por trás de Putin, como o Prof. Aleksandr Dugin. Esse filósofo escreveu um livro chamado “A Grande Guerra dos Continentes”, onde, segundo o Prof. Olavo, defende o varrimento do Ocidente da face da terra com uma terceira guerra mundial. No entanto apesar destas denúncias os inimigos de Olavo, que estão na CS dominada pelo politicamente correcto e pela esquerda radical, (Olavo era um pensador da direita conservadora, anti-comunista assumido), continuaram a colar soezmente o Prof. Olavo de Carvalho ao saudosista imperialista Vladimir Putin. Assim se calam os críticos...          David Pinheiro > José Santos: Putin é um menino de coro ao pé do Comité Central chinês. Calham a escolher um presidente com tendência militar e logo veremos do que a China é capaz.            Paulo Silva: Caro cronista, e quem são os cúmplices do PCP e do BE?... As lideranças europeias ainda podem justificar a sua falta de visão para com regimes pouco recomendáveis com os vários interesses dos seus Estados, (e na esperança que a economia de mercado alavancasse a democratização desses regimes). Mas qual foi o interesse em normalizar estalinistas e trotskistas em Portugal?… Podem alegar que julgavam com isso amansá-los, mas o resultado está à vista. Os partidos da dita direita tradicional em Portugal foram alvo das campanhas mais ignóbeis a seguir ao 25 do A, que os apontavam de reaccionários para baixo, com repercussões permanentes na sua identidade futura, como está à vista de todos. Hoje procuram fazer o mesmo tipo de jogo sujo com outras formações políticas, sem qualquer pudor e com a participação de todos, mas as duas organizações da extrema-esquerda acima gozaram sempre de protecção e respeitabilidade das instituições democráticas durante décadas. Foi preciso uma guerra?!...  PS: uma ideia peregrina que ingénuos e inimigos do Ocidente gostam de propalar é a inutilidade da NATO após a extinção do Pacto de Varsóvia. Uma dupla falácia.       Nuno de Sousa: Depois do incumprimento dos acordos de Minsk por parte da Ucrânia (secundada pela Nato, certamente) era de esperar uma reacção da Rússia. Fingir que esta reacção é "ambições imperialistas" é convidar à alucinação. Apontar este facto nos dias que correm é ser de extrema-qualquer-coisa e cúmplice de Putin. Continuem a apelar à irrealidade, inevitavelmente a realidade não se vai deixar ignorar. Uma população europeia ensandecida por dois anos de delírio sob pretexto sanitário está pronta para a psicose que será o seu fim. Continuem a brincar aos "Ocidentes".             Paulo Silva > Nuno de Sousa: Memorando de Budapeste, o que é?… Putin, à semelhança de outros autocratas russos do passado, nunca escondeu os seus intentos em relação à Ucrânia, e considerou a queda da defunta URSS como a maior catástrofe geopolítica do séc. XX. Continue a mastigar a propaganda do imperialismo russo. Maior cego o que não quer ver.          João Pimenta Nuno de Sousa: E a anexação da Crimeia e do donbass, assim como as mordidas à geórgia, também foram por causa dos acordos de Minsk? A tal alucinação dos últimos dois anos só aconteceu na Europa? É cada um... 

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