quarta-feira, 2 de março de 2022

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Assistimos a idêntico espectáculo do povo impecavelmente sofredor aquando dos funerais do ilustre progenitor de Kim Jong-Un - Kim  Jong-il, presidente da Coreia do Norte, falecido em 2011, leio na Internet, que não refere o seu funeral, mas eu lembro-me. Todos choravam e se arrepelavam, mas na linha, como eu nunca vira, devem ter copiado do hábito russo, assim como a autoridade de regime ameaçador, vulgarizada em efeitos de desenho geométrico, em filas impecáveis e convincentes dessa sinceridade amedrontada.

Mas gostei de saber que o Sr. Embaixador Luís Soares de Oliveira foi o primeiro diplomata português a ter contactos políticos com a diplomacia soviética. Pese embora o retorno assustador de uma autoridade menos alinhada, mas igualmente esmagadora.

OS RUSSOS, NÓS E ELES

Luis Soares de Oliveira, 11 h  · 

Lembro-me de ter visto na televisão inglesa do tempo imagens do povo russo a assistir ao funeral de Estaline em Março de 1953. Choravam convulsivamente. Alguns batiam no peito e angustiados interrogavam-se, (segundo o tradutor): «o que vai ser de nós?» Atribuí este fenómeno ao hábito da oficialidade soviética de preferir a propaganda à comunicação. O povo desconheceria a verdadeira índole do falecido. Só muito mais tarde viria eu a perceber que não era esta a explicação.

Mal sabia eu ao tempo que estava destinado a ser o primeiro diplomata português a ter contacto com congéneres soviéticos.

Isto aconteceu em 1960, era eu o secretário da Missão de Portugal junto das Nações Unidas onde com frequência ficava encarregado de negócios, pois que o chefe da missão, embaixador Vasco Garin acumulava este cargo com o de embaixador em Ottawa onde preferia passar o seu tempo. Como era próprio dos profissionais da sua geração, Garin detestava a diplomacia multilateral.

pelos idos de sessenta, os soviéticos entenderam que precisavam urgentemente de comunicar ao mundo - e a nós, portugueses - que já dispunham de um míssil - o R-7 - capaz de alcançar Lisboa e outras capitais até aí julgadas seguras. Para os países com quem não tinham relações diplomáticas optaram pela comunicação entre missões junto da ONU. Coube-me pois a mim, nos começos da minha carreira, receber tão sinistra mensagem. Daí deduzi que para os russos o medo é argumento, senão mesmo o argumento.

(continua)

COMENTÁRIOS

Ricardo Montez: É precisamente essa diferença cultural que não é levada em conta pelos ocidentais! No caso de responsáveis dos distintos executivos revela-se uma lacuna grave, senão fatal!🤔

Isabel Themudo Gallego: Obrigada, Luís! Aguardo a continuação com muito interesse. Sem dúvida que o medo é, para os russos, um valioso instrumento de manipulação psicológica no antro daquela assustadora propaganda castradora das massas. Poucos como eles conseguem fazer contorcionismo de palavras e virarem-nos do avesso, tornando a mentira em verdade. Neles o Poder das palavras não é negligenciado

Eloisa Vicente de Campos: O povo russo, creio eu, é um povo traumatizado. O próprio PUTIN tem uma infância marcada por tragédias. A violência está arraigada em seu DNA.

Ribeiro Valente: Luís Soares de Oliveira, como gosto de te ler, um verdadeiro privilégio. Se me permites, partilho o que escrevi neste apontamento, para o meu prémio barretina...… 

Joaquim Morais: O Senhor Embaixador está, com certeza, certo que é o medo que move as suas políticas. Talvez nem tanto em Portugal, mas é também o medo que é usado na estratégia política. Posso estar errado, mas nas últimas eleições legislativas, uma semana antes Costa e Rio estavam a par. Tudo se alterou graças ao medo do Chega. Costa e a sua equipa foram eficazes nesta estratégia!

 Teresa Mónica: Senhor Embaixador - vi há algum tempo este documentário acerca das manifestações de pesar no império soviético pela morte de Estaline. É impressionante. . https://www.filmin.pt/filme/state-funeral

Luis Soares de Oliveira:Tem o mesmo nome mas são sentimentos diferentes. O russo é mais antigo e tem muito de medo físico paralisante. O mesmo que o Pombal quis infligir com o atroz castigo dos Távoras. Os russos respeitam (diria mesmo adoram) o líder que é capaz de infligir tal medo tanto a russos como a estrangeiros.

Teresa Mónica: Bem, o terror é um recurso utilizado por europeus ocidentais, como se viu na Revolução Francesa. Sim, Pombal utilizou o Estado para abater os seus inimigos mas ainda numa sociedade muito do ancien regime. O terror pode ter muitos cambiantes. Pode ser diferente do usado por czares ou Estaline. Isso já não sei.… 

Ricardo Montez: Luis Soares de Oliveira, Precisamente! É essa análise, esse conhecimento clássico que eu gostava, já que não posso exigir, que os políticos ocidentais comportassem! Há que conhecer os povos e seu percurso! Há que tentar antecipar! Não vislumbro nos actuais decisores do Ocidente a capacidade de lidar com Xi ou com Putin! A situação é deveras preocupante!Maria João Gouveia:

Sr Embaixador, tem razão em relação ao estabelecimento do poder através do medo. Sinto que isso não é só eslavo (apesar de já ser incutido ao longo de gerações), mas está implícito em todas as ditaduras. E também acontece, diz a minha experiência, com o povo cigano. A sua unidade, o apresentarem-se sempre coesos e em grupo é o que lhes dá a força toda. Tenho essa informação de um autarca de Estoi (Algarve) sobre o acordo para a organização de uma feira. Falar com todos não resultou mas, ao falar individual com cada família nuclear, conseguiu tudo o que queria... eles jogam e manipulam pelo medo que provocam. Não sei se concorda comigo.

O povo da Ásia, tanto eslavos como orientais são disciplinados e com vidas tradicionalmente difíceis. Tive a experiência com alunos de Leste que, sem directrizes claras, ficavam perdidos e apáticos. Os valores da liberdade são difíceis de conquistar, tal como os valores de cidadania... Não dependem só da liderança, mas essencialmente da nossa cabeça. É uma opinião que pode ser facilmente argumentada

Aida Franco Nogueira: Magnífico, Senhor Embaixador!

 


Ricardo Montez: É precisamente essa diferença cultural que não é levada em conta pelos ocidentais! No caso de responsáveis dos distintos executivos revela-se uma lacuna grave, senão fatal!🤔

Isabel Themudo Gallego: Obrigada, Luís! Aguardo a continuação com muito interesse. Sem dúvida que o medo é, para os russos, um valioso instrumento de manipulação psicológica no antro daquela assustadora propaganda castradora das massas. Poucos como eles conseguem fazer contorcionismo de palavras e virarem-nos do avesso, tornando a mentira em verdade. Neles o Poder das palavras não é negligenciado

Eloisa Vicente de Campos: O povo russo, creio eu, é um povo traumatizado. O próprio PUTIN tem uma infância marcada por tragédias. A violência está arraigada em seu DNA.

Ribeiro Valente: Luís Soares de Oliveira, como gosto de te ler, um verdadeiro privilégio. Se me permites, partilho o que escrevi neste apontamento, para o meu prémio barretina...… 

Joaquim Morais: O Senhor Embaixador está, com certeza, certo que é o medo que move as suas políticas. Talvez nem tanto em Portugal, mas é também o medo que é usado na estratégia política. Posso estar errado, mas nas últimas eleições legislativas, uma semana antes Costa e Rio estavam a par. Tudo se alterou graças ao medo do Chega. Costa e a sua equipa foram eficazes nesta estratégia!

 Teresa Mónica: Senhor Embaixador - vi há algum tempo este documentário acerca das manifestações de pesar no império soviético pela morte de Estaline. É impressionante . https://www.filmin.pt/filme/state-funeral

Luis Soares de Oliveira:Tem o mesmo nome mas são sentimentos diferentes. O russo é mais antigo e tem muito de medo físico paralisante. O mesmo que o Pombal quis infligir com o atroz castigo dos Távoras. Os russos respeitam (diria mesmo adoram) o líder que é capaz de infligir tal medo tanto a russos como a estrangeiros.

Teresa Mónica: Bem, o terror é um recurso utilizado por europeus ocidentais, como se viu na Revolução Francesa. Sim, Pombal utilizou o Estado para abater os seus inimigos mas ainda numa sociedade muito do ancien regime. O terror pode ter muitos cambiantes. Pode ser diferente do usado por czares ou Estaline. Isso já não sei.… 

Ricardo Montez: Luis Soares de Oliveira, Precisamente! É essa análise, esse conhecimento clássico que eu gostava, já que não posso exigir, que os políticos ocidentais comportassem! Há que conhecer os povos e seu percurso! Há que tentar antecipar! Não vislumbro nos actuais decisores do Ocidente a capacidade de lidar com Xi ou com Putin! A situação é deveras preocupante!

 

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