Assistimos a idêntico espectáculo do
povo impecavelmente sofredor aquando dos funerais do ilustre progenitor de Kim Jong-Un - Kim Jong-il, presidente da Coreia do Norte, falecido
em 2011, leio na Internet, que não refere o seu funeral, mas eu lembro-me. Todos
choravam e se arrepelavam, mas na linha, como eu nunca vira, devem ter copiado
do hábito russo, assim como a autoridade de regime ameaçador, vulgarizada em
efeitos de desenho geométrico, em filas impecáveis e convincentes dessa sinceridade
amedrontada.
Mas gostei de saber que o Sr. Embaixador
Luís Soares de Oliveira foi o
primeiro diplomata português a ter contactos políticos com a diplomacia
soviética. Pese embora o retorno assustador de uma autoridade menos alinhada, mas
igualmente esmagadora.
OS RUSSOS, NÓS E ELES
Luis Soares de Oliveira, 11 h ·
Lembro-me
de ter visto na televisão inglesa do tempo imagens do povo russo a assistir ao
funeral de Estaline em Março de 1953. Choravam convulsivamente. Alguns batiam
no peito e angustiados interrogavam-se, (segundo o tradutor): «o que vai ser de
nós?» Atribuí este fenómeno ao hábito da oficialidade soviética de preferir a
propaganda à comunicação. O povo desconheceria a verdadeira índole do falecido.
Só muito mais tarde viria eu a perceber que não era esta a explicação.
Mal
sabia eu ao tempo que estava destinado a ser o primeiro diplomata português
a ter contacto com congéneres soviéticos.
Isto
aconteceu em 1960, era eu o secretário da Missão de Portugal junto das
Nações Unidas onde com frequência ficava encarregado de negócios, pois que
o chefe da missão, embaixador Vasco Garin acumulava este cargo com o de
embaixador em Ottawa onde preferia passar o seu tempo. Como era próprio dos
profissionais da sua geração, Garin detestava a diplomacia multilateral.
Lá
pelos idos de sessenta, os soviéticos entenderam que precisavam urgentemente
de comunicar ao mundo - e a nós, portugueses - que já dispunham de um míssil -
o R-7 - capaz de alcançar Lisboa e outras capitais até aí julgadas seguras.
Para os países com quem não tinham relações diplomáticas optaram pela
comunicação entre missões junto da ONU. Coube-me pois a mim, nos começos da
minha carreira, receber tão sinistra mensagem. Daí deduzi que para os russos o
medo é argumento, senão mesmo o argumento.
(continua)
COMENTÁRIOS
Ricardo Montez: É precisamente essa diferença cultural que não é levada em conta pelos ocidentais! No caso de responsáveis dos distintos executivos revela-se uma lacuna grave, senão fatal!
Isabel
Themudo Gallego: Obrigada,
Luís! Aguardo a continuação com muito interesse. Sem dúvida que o medo é,
para os russos, um valioso instrumento de manipulação psicológica no antro
daquela assustadora propaganda castradora das massas. Poucos como eles
conseguem fazer contorcionismo de palavras e virarem-nos do avesso, tornando a
mentira em verdade. Neles o Poder das palavras não é negligenciado.
Eloisa
Vicente de Campos: O
povo russo, creio eu, é um povo traumatizado. O próprio PUTIN tem uma infância
marcada por tragédias. A violência está arraigada em seu DNA.
Ribeiro
Valente: Luís Soares de Oliveira, como
gosto de te ler, um verdadeiro privilégio. Se me permites, partilho o que escrevi neste apontamento,
para o meu prémio barretina...…
Joaquim
Morais: O Senhor Embaixador está, com
certeza, certo que é o medo que move as suas políticas. Talvez nem tanto em
Portugal, mas é também o medo que é usado na estratégia política. Posso estar
errado, mas nas últimas eleições legislativas, uma semana antes Costa e Rio estavam a par. Tudo se alterou graças ao medo
do Chega. Costa e a sua equipa foram eficazes nesta estratégia!
Teresa
Mónica: Senhor
Embaixador - vi há algum tempo este documentário acerca das manifestações de
pesar no império soviético pela morte de Estaline. É impressionante. . https://www.filmin.pt/filme/state-funeral
Luis Soares
de Oliveira:Tem o mesmo nome mas são
sentimentos diferentes. O russo é mais antigo e tem muito de medo físico
paralisante. O mesmo que o Pombal quis infligir com o atroz castigo dos
Távoras. Os russos respeitam (diria mesmo adoram) o líder que é capaz de
infligir tal medo tanto a russos como a estrangeiros.
Teresa
Mónica: Bem, o terror é um recurso
utilizado por europeus ocidentais, como se viu na Revolução Francesa. Sim,
Pombal utilizou o Estado para abater os seus inimigos mas ainda numa sociedade
muito do ancien regime. O terror pode ter muitos cambiantes. Pode ser diferente
do usado por czares ou Estaline. Isso já não sei.…
Ricardo
Montez: Luis Soares de Oliveira, Precisamente!
É essa análise, esse conhecimento clássico que eu gostava, já que não posso
exigir, que os políticos ocidentais comportassem! Há que conhecer os povos e
seu percurso! Há que tentar antecipar! Não vislumbro nos actuais decisores do
Ocidente a capacidade de lidar com Xi ou com Putin! A situação é deveras
preocupante!Maria João Gouveia:
Sr
Embaixador, tem razão em relação ao estabelecimento do poder através do medo.
Sinto que isso não é só eslavo (apesar de já ser incutido ao longo de
gerações), mas está implícito em todas as ditaduras. E também acontece, diz a
minha experiência, com o povo cigano. A sua unidade, o apresentarem-se sempre
coesos e em grupo é o que lhes dá a força toda. Tenho essa informação de um
autarca de Estoi (Algarve) sobre o acordo para a organização de uma feira.
Falar com todos não resultou mas, ao falar individual com cada família nuclear,
conseguiu tudo o que queria... eles jogam e manipulam pelo medo que provocam.
Não sei se concorda comigo.
O
povo da Ásia, tanto eslavos como orientais são disciplinados e com vidas
tradicionalmente difíceis. Tive a experiência com alunos de Leste que, sem
directrizes claras, ficavam perdidos e apáticos. Os valores da liberdade são
difíceis de conquistar, tal como os valores de cidadania... Não dependem só da
liderança, mas essencialmente da nossa cabeça. É uma opinião que pode ser facilmente
argumentada
Aida Franco Nogueira: Magnífico,
Senhor Embaixador!
Ricardo Montez: É precisamente essa diferença cultural que
não é levada em conta pelos ocidentais! No caso de responsáveis dos
distintos executivos revela-se uma lacuna grave, senão fatal!
Isabel Themudo Gallego: Obrigada, Luís! Aguardo a continuação com muito
interesse. Sem dúvida que o medo é, para os russos, um valioso instrumento
de manipulação psicológica no antro daquela assustadora propaganda castradora
das massas. Poucos como eles conseguem fazer contorcionismo de palavras e
virarem-nos do avesso, tornando a mentira em verdade. Neles o Poder das
palavras não é negligenciado.
Eloisa Vicente de Campos: O povo russo, creio eu, é um povo traumatizado. O
próprio PUTIN tem uma infância marcada por tragédias. A violência está
arraigada em seu DNA.
Ribeiro Valente: Luís Soares de Oliveira, como gosto de te
ler, um verdadeiro privilégio. Se me permites, partilho o que escrevi neste apontamento, para o meu prémio
barretina...…
Joaquim Morais: O Senhor Embaixador está, com
certeza, certo que é o medo que move as suas políticas. Talvez nem tanto em
Portugal, mas é também o medo que é usado na estratégia política. Posso estar
errado, mas nas últimas eleições legislativas, uma semana antes Costa e Rio estavam a par. Tudo se alterou graças ao medo
do Chega. Costa e a sua equipa foram eficazes nesta estratégia!
Teresa Mónica: Senhor Embaixador - vi há algum tempo este
documentário acerca das manifestações de pesar no império soviético pela morte
de Estaline. É impressionante . https://www.filmin.pt/filme/state-funeral
Luis Soares de Oliveira:Tem o mesmo nome mas são sentimentos diferentes. O russo é mais antigo e
tem muito de medo físico paralisante. O mesmo que o Pombal quis infligir com o
atroz castigo dos Távoras. Os russos respeitam (diria mesmo adoram) o líder que
é capaz de infligir tal medo tanto a russos como a estrangeiros.
Teresa Mónica: Bem, o terror é um recurso utilizado por europeus
ocidentais, como se viu na Revolução Francesa. Sim, Pombal utilizou o Estado
para abater os seus inimigos mas ainda numa sociedade muito do ancien regime. O
terror pode ter muitos cambiantes. Pode ser diferente do usado por czares ou
Estaline. Isso já não sei.…
Ricardo Montez: Luis Soares
de Oliveira, Precisamente! É essa análise, esse conhecimento
clássico que eu gostava, já que não posso exigir, que os políticos ocidentais
comportassem! Há que conhecer os povos e seu percurso! Há que tentar antecipar!
Não vislumbro nos actuais decisores do Ocidente a capacidade de lidar com Xi ou
com Putin! A situação é deveras preocupante!
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