quinta-feira, 17 de março de 2022

Inesperadamente

Um descritivo entusiasticamente sanguíneo – no vocabulário, não no espectáculo das pegas, autêntica “dança com touros”. Do Dr. Salles. Descrição poderosa, de sábia energia a que “A Tourada” do Fernando Tordo e do Ary dos Santos, transcrita no fim, apõe a faceta irónica dos antigos desfazedores pátrios, nestes tempos de outra “música”, mais espectacularmente potente, de uma maldade de “espírito feral” perfeitamente destruidora, que, por oposição, talvez, inspirou o texto de homenagem aos nossos forcados, lutadores corajosos, mas com bailado. Diferentes dos ucranianos, que enfrentam o “touro” com seriedade patriótica, de sofrimento imposto. Sem bailado.

O PESO DO ALMIRANTADO: HEMOLIVRE

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO. 16.03.22

«Sem sangue», eis o significado quase óbvio para «hemolivre», palavra que ainda não consta dos dicionários e que não é sinónimo de «exangue».

Então, para desgosto do remanescente espírito feral que por aí possa vogar, imaginemos o espectáculo tauromáquico à portuguesa (sem a morte do toiro) totalmente hemolivre. Exacto, a lide tauromáquica sem «bandarillas».

Do fim para o início, o espectáculo «à portuguesa» tem como objectivo a pega de caras pelos forcados. Para que a pega seja possível, é fundamental que o toiro invista bem direito (sem derrotes laterais) e com a cabeça baixa. Isto consegue-se com o trabalho do capote e com a lide a cavalo.

Então, deverá o toiro começar por ser «desenrolado» numa lide tão bilateral quanto necessário também para lhe endireitar a investida. Nesta lide poderão ter que ser utilizados 3 ou 4 cavalos. Depois de o toiro estar «desenrolado» e direito, segue-se a lide com capote para lhe baixar a cabeça e para afinar algum detalhe na rectitude da investida. Conclui-se com a pega de caras e com os aplausos entusiásticos do público por uma lide harmónica e «hemolivre».

A lide de cada toiro será assim mais demorada pelo que o curro de cada corrida não terá mais do que quatro toiros.

E assim se assegura a preservação da tauromaquia portuguesa, a de génese aristocrática.

Quanto à corrida espanhola, de origem popular, os matadores tinham que ir aos campos pela calada da noite, lidar e matar toiros para terem almoço e jantar para as respectivas famílias. Como as hienas.

Entretanto, quanto a nós, dancemos com toiros!

Março de 2022

Henrique Salles da Fonseca

Tags: avulsos

 COMENTÁRIOS:

Maria Eugênia 16.03.2022 19:20: Gostei! Por ser uma ideia muito pertinente e por se ser um tema diferente, precisamos de desputinar um pouco para carregar baterias.

Antonio Fonseca, 17.03.2022 13:12: Uma ideia genial, Doutor Henrique. Possa ela inspirar os homens para um futuro de "homomaquia", onde os adversários debatiam-se no espaço cibernético e dirimiam a contenda 'hemolivre". Evitava-se a obscenidade do que se está a testemunhar na Ucrânia.

DO YOUTUBE:

A Tourada

Não importa sol ou sombra
Camarotes ou barreiras
Toureamos ombro a ombro as feras
Ninguém nos leva ao engano
Toureamos mano a mano
Só nos podem causar dano esperas

Entram guizos, chocas e capotes
E mantilhas pretas
Entram espadas, chifres e derrotes
E alguns poetas
Entram bravos, cravos e dichotes
Porque tudo mais são tretas

Entram vacas depois dos forcados
Que não pegam nada
Soam bravos e olés dos nabos
Que não pagam nada
E só ficam os peões de brega
Cuja profissão não pega

Com bandarilhas de esperança
Afugentamos a fera
Estamos na praça da primavera
Nós vamos pegar o mundo
Pelos cornos da desgraça
E fazermos da tristeza graça

Entram velhas, doidas e turistas
Entram excursões
Entram benefícios e cronistas
Entram aldrabões
Entram marialvas e coristas
Entram galifões de crista

Entram cavaleiros à garupa
Do seu heroísmo
Entra aquela música maluca
Do passodoblismo
Entra a aficcionada e a caduca
Mais o snobismo e cismo

Entram empresários moralistas
Entram frustrações
Entram antiquários e fadistas
E contradições
E entra muito dólar, muita gente
Que dá lucro aos milhões

E diz o inteligente que acabaram as canções
Lalalala lala lala lala... lalala lala...
Lalalala lala lala lala... lalala lala...
Lalalala lala lala lala... lalala lala... la la...
Lalalala lala lala lala... lalala lala...
Lalalala lala lala lala... lalala lala...
Lalalala lala lala lala... lalala lala... la la...

Fonte: Musixmatch

Compositores: Ary Dos Santos / Fernando Tordo, 1972

Festival da Canção, 1973


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