De José Milhazes e da sua
crónica, os camaradas defensores do putinismo, que se revêem nos crimes actuais
de Putin, aliás, numa de continuidade admirativa, que o poder é sempre motivo
de submissão e loas. Por isso, apenas transcrevo o comentário sensato deCarlos Magalhães: «Mais uma excelente análise de José Milhazes,
uma voz essencial na nossa sociedade! Já comprei 2 dos seus livros. Parabéns!»
Ganha a guerra, mas pode perder o poder
O povo ucraniano está a dar-nos uma lição. Não deu ouvidos a alguns dos nossos militares na reserva e analistas políticos que, nas tvs, consideravam que dessa forma se “evitaria” destruição e morte.
JOSÉ MILHAZES, Colunista do Observador.
Jornalista e investigador
OBSERVADOR, 03 mar
2022, 00:364
A
decisão desastrosa de Vladimir Putin e dos seus generais de invadir e anexar a
Ucrânia poderá vir a ser o princípio do fim do putinismo e, infelizmente, ele
poderá levar para o precipício ou para o caixão não apenas a Rússia, mas também
a humanidade.
Numa entrevista que concedi ao jornal Público a 19 de
Fevereiro de 2017, eu afirmei que “Putin pode vir a ser o coveiro do seu
próprio país”. Nessa altura, os “idiotas úteis” (1) do partido da carrinha
(PCP) e de outras organizações políticas afins, bem como alguns conhecidos
analistas da nossa praça, zombaram de mim, considerando que eu estava a
tomar o sonho pela realidade.
No
entanto, hoje reafirmo esta minha declaração ainda com maior convicção, embora,
à primeira vista, o ditador pareça estar no auge do seu poderio militar. Ele
exige tudo: a rendição total do povo ucraniano, a sua humilhação, a negação da
sua existência como Estado soberano.
É
verdade que, exteriormente, a oposição à guerra no interior da Rússia não
parece capaz de criar sequer brechas no muro militarista do Kremlin, mas, na
realidade, a pouco e pouco, aumentam as vozes daqueles que consideram que Vladimir
Putin está a fazer o impensável: matar o povo irmão ucraniano, a isolar
completamente a Rússia no campo internacional, a transformá-la num país pária.
Mas,
por cada dia que passa e as tropas russas não atingem os seus objetivos, são cada
vez mais aqueles que, não obstante a tremenda repressão e censura, ousam
afirmar que não apoiam a guerra.
As
ruas das grandes cidades russas são patrulhadas por “cosmonautas” (assim é
conhecida a polícia de choque na Rússia devido ao capacete), mas milhares de
pessoas saíram para as ruas a fim de protestar. Se a polícia detém durante as
manifestações cerca de seis mil pessoas, é porque o número de indignados é bem
maior.
Em
1969, quando as tropas soviéticas invadiram a Checoslováquia, na Praça Vermelha
de Moscovo, seis pessoas manifestaram-se contra mais um acto de
“internacionalismo proletário” (será que isto não faz lembrar a “operação
especial para levar a paz à Ucrânia” realizada atualmente pelo ditador russo?).
Assim nasceu o movimento dissidente na URSS que muito contribuiu para
desmascarar o comunismo soviético. Hoje, já são alguns milhares, principalmente
jovens que não querem morrer e ver cadáveres de soldados russos abandonados a
alimentar corvos e cães vadios.
O
povo ucraniano está a dar-nos uma lição. Talvez só ele acreditasse que sozinho
podia resistir à bárbara invasão putinista, mas o facto é que não depôs as
armas e se rendeu. Não deu ouvidos a alguns dos nossos militares na reserva e
analistas políticos que, nas televisões, consideravam que dessa forma se
“evitaria” destruição e morte. Felizmente, ao contrário de generais como Carlos
Branco, que sinceramente não compreendo como fez carreira na NATO, que vem
falar de “neonazis ucranianos” e justificar uma invasão, temos outros generais
e oficiais que nos transmitem outra mensagem.
Porém,
continuo a defender que é Putin e não o povo russo, nem a Rússia, que manda
invadir e matar os irmãos ucranianos. Os meus amigos russos, na sua maioria,
choram por aquilo que está a acontecer, amaldiçoam o paranoico que oprime o
país. Podem ainda não ser um reflexo da correlação de forças na
sociedade russa, mas o número aumenta. Por isso, não vamos castigar os cidadãos
da Rússia indiscriminadamente.
Além
disso, o mundo terá de encontrar uma solução para Vladimir Putin recuar sem
recorrer às piores e mais letais armas. Não deve ser completamente encurralado,
pois, ao contrário de Hitler, o actual ditador russo tem armas nucleares.
Putin
já garantiu o seu lugar na história, não como reformador e modernizador, mas ao
lado de Nero, Hitler, Mussolini, Lenine e Estaline.
(1)
Segundo Vladimir Lenine, idiotas úteis “são as camadas da Europa Ocidental e da
América incapazes de compreender as coisas na situação atual… Essas camadas
devem ser consideradas surdos-mudos e devemos agir com eles partindo dessa situação”.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO
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