sexta-feira, 17 de abril de 2020

Mas há sempre os “se”



Como o “se cá nevasse fazia-se cá ski”, ou, como ouvia nos meus tempos juvenis de malandrice anedótica: “Se tutti cornuti a Roma avevano un lampione sulli corni, ah! Madonna mia! Che grande illuminazione!” Há sempre um se. E os “ses”, por vezes, são aviltantes de uma mentalidade sem tréguas na imbecilidade, e é o caso das comemorações do 25 de abril, propostas por certos grupos, que desfazem qualquer boa vontade de aceitação dos dislates. Ou há moralidade ou comem todos, e, em confinamento, não se justificam ajuntamentos, que qualquer comemoração pressupõe, e menos um 25 de abril de cravo ao peito, quando gente há que anda a dar a vida, num esgotamento, para salvar vidas, de uma doença contagiosa… Não, somos definitivamente “small”, e essa pequenez não tem grandeza de espécie alguma, que mereça contemplações, como ouvimos nos discursos adocicados de Marcelo Rebelo de Sousa. Será que o governo vai nisso, manietado pelos que lhe fornecem apoio? Mas era a altura de Rui Rio, que diz que o apoia, contrariar essa constante de infantilidade arrogante e provocatória que não há corona vírus que desfaça. Não, Dr. Salles, desta vez não concordo consigo. Festejar o 25 de abril em tempo de quarentena, quando tantos se sacrificam e tantos morrem no mundo inteiro, é qualquer coisa de grosseiro e de definitivamente obsceno, que não merece senão desprezo. Pequenos somos e sempre seremos, e essa pequenez não é bonita, na sua basófia tosca, essa sim, repugnante.
CLAUSURA – 15 – Is small beautiful?
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO 16.04.20
A minha mãe dizia que se estivesse uns tempos sem ler - entenda-se um livro de substância e não «de cordel» - se sentia embrutecer. E, livro sim–livro não, procurava alternar entre português e francês com o Paris Match à mistura. O inglês reservava-o para o National Geographic Magazine.
A inteligência humana e o seu contrário têm tudo a ver com a funcionalidade cerebral e, dizem os entendidos, com a densidade da malha neuronal e com a qualidade dos impulsos eléctricos trocados entre as sinapses. É claro que as endorfinas andam pelo meio disto tudo.
Da conjugação dos dois parágrafos anteriores, dá para perceber que a «máquina» tem que ser ginasticada e que deve haver diferenças substanciais entre o cérebro de um adulto analfabeto e o de um professor universitário. No meio destes polos, a massa humana comum. E é nesta média que se poderão medir as influências do ambiente social, da qualidade da comunicação, dos hábitos culturais e da sua ausência, do tipo de alimentação e bebidas, sei lá mais quê… Hábitos de sobriedade criarão um ambiente cerebral necessariamente diferente do que acontece com hábitos de alcoolémia.
Neste tipo de circunstâncias, poderá dizer-se que um povo é mais ou menos inteligente que outro? Creio que já não pois, embora os condicionalismos inerentes ao isolamento geográfico e de desenvolvimento cultural condicionem o desempenho cerebral, a globalização tem promovido a uniformização dos parâmetros civilizacionais e, daí, que já não possamos dizer que os chineses urbanizados são mais inteligentes que os urbanizados suecos ou australianos.
Tudo isto para dizer que todos temos direito à vida e que ninguém tem o direito de se sobrepor aos outros. O colonialismo já lá vai com todas as virtudes e vícios que teve.
Eis por que, no novo mundo pós viral, deveremos apostar na solidariedade internacional, sim, mas sem gigantismos avassaladores dos de menor dimensão. Até porque, mais do que a famosa expressão small is beautifull, devemos admitir que small may also be usefull.
(continua)
Abril de 2020
Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIO:
Anónimo, 16., 04.2020: Bom, muito.

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