segunda-feira, 27 de abril de 2020

Novo-riquismo, snobismo, malabarismo, do novo catecismo…



Num email que recebi de João Sena contendo “Os dois últimos parágrafos do artigo de Miguel Sousa Tavares, com o títuloNinguém sabe”, saído no EXPRESSO de 25/04/20 (que tive a sorte de ler na íntegra no tablet do meu marido), sobre esta pandemia, ao que parece já em tempos prevista por Bill Gates, leio que a cientista Maria Manuel Mota acha o vírus bonzinho porque só mata velhos” o que, quanto a mim, é uma solução antecipada para os adeptos da eutanásia que esperam fazer uma triagem neste excesso populacional sobretudo nesses que estorvam a harmonia social por razões várias, em particular os da longevidade, mau grado o disfarce da referência piedosa, quase única, aos sofredores sem retorno, embora por vezes mais novos. Ao menos a cientista não esconde sentimentos e assim manifesta profundo afecto pela drástica pandemia que nos vai limpando o sebo, a nós, os confinados que pesam decididamente nas economias estatais, com as suas reformas.
Outra referência que me encheu as medidas de júbilo foi essa do politicamente correcto “idoso” substituindo “velho”, fazendo que MST se tivesse divertido na mudança dos títulos de “idosos” livros conhecidos. Como não quero deixar de participar camaradamente nessas mudanças de subtil delicadeza, lembrei-me desse outro livro de Guerra Junqueiro que o meu pai conservava escrupulosamente entre os livros que lhe talharam o pensamento, o qual poderia, mais diplomaticamente, apelidar-se de “A vetustez do Padre Eterno”.

“Os dois últimos parágrafos do artigo de Miguel Sousa Tavares, com o título “Ninguém sabe”
5. Regresso ao princí.io: ninguém sabe. Ninguém sabe como isto acaba e nem sequer se acaba bem. Sendo que há diversas formas de acabar mal e acabar bem. A solução está na mão dos investigadores e dos cientistas, de quem todos esperamos a tão ansiada vacina. Mas isso não quer dizer, ao contrário do que já vi escrito, que a crise devesse ser gerida por cientistas e não por políticos. É justamente o contrário: não há crise mais política do que esta, em todos os aspectos que comporta. E, se dúvidas eu tivesse, elas desfizeram-se ao ler aqui, na semana passada, a entrevista à cientista Maria Manuel Mota, Prémio Pessoa, Prémio Pasteur, comendadora do Infante D. Henrique, etc. Diz ela que este é “um vírus bonzinho” porque só mata velhos e portanto a solução é trancar os velhos a sete chaves, proibi-los de ver os filhos e os netos, de sair à rua, de ter vida enquanto não houver vacina. O contrário, sustenta, daquilo que defendeu Angela Merkel, para quem não se pode libertar os jovens e os adultos e prender os velhos. Entre um mundo governado por um cientista ou por um estadista, eu prefiro sem hesitar o do estadista. Porque não basta salvar a espécie humana, é preciso que, no final, ela se mantenha humana nos seus valores.
6. E, já agora, seria bom deixar de usar a horrível palavra idoso, que rima com ranhoso, sidoso, leproso, tuberculoso e outros estados a evitar. Eu sei que faz parte do novo léxico politicamente correcto que obriga a dizer recluso em lugar de preso, toxicodependente em lugar de viciado em drogas ou drogado, invisual em lugar de cego, arguido em lugar de réu, e que, no limite, levava a ex-Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a exigir ser tratada por “senhora Presidenta”, ou levou o partido espanhol de extrema-esquerda Unidos Podemos a mudar o nome para Unidas Podemos. Mas nem por isso deixa de ser ridículo, apenas o é mais: alguém diz “o meu idoso” em vez de “o meu velho”, quando se quer referir carinhosamente ao pai? Já imaginaram o que faríamos à literatura se aplicássemos a ditadura do idoso a alguns casos célebres: “O Velho Que Lia Romances de Amor”, de Luis Sepúlveda, de que aqui falei a semana passada, passaria a “O idoso que lia romances de amor”; “O Velho e o Mar”, de Hemingway", passaria a “O idoso e o mar”; “Os Velhos Marinheiros”, de Jorge Amado, seriam “Os idosos marinheiros”, e até o nosso ‘velho do Restelo’ acabaria transformado no ‘idoso do Restelo’. Isto, para não rematar dizendo que “idosos são os trapos”. Tenham lá mais respeito pelos velhos!
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