A mim parece
muito inteligentemente concebido, com clareza e racionalidade, próprias de uma personagem
bem lúcida do nosso tablado político, mas provocou só reacções virulentas entre
os seus comentadores, o que me espantou. A sua férula justiceira pareceu-me
mais preocupada em elucidar (com ironia, é certo), do que em castigar, no
desejo sério de construir um mundo mais verdadeiro, não entregue às peias do
obscurantismo e da inveja. Não conseguiu.
OPINIÃO CORONAVÍRUS: O vírus e o regresso
dos pavlovianos de serviço
É vê-los por aí a atacar a
globalização capitalista, a destruição dos perfeitos equilíbrios naturais ou a
perniciosa opção pela desvalorização das fronteiras civilizacionais, étnicas ou
nacionais.
1.Como grande parte dos portugueses divido estes dias de
reclusão forçada entre a descoberta do teletrabalho, no meu caso materializado
na realidade das aulas à distância, e inesperados encontros com leituras
improváveis. Um misto de acaso e necessidade, fruto de uma inevitável
indagação sobre a repercussão histórica das epidemias, conduziu-me à leitura de
uma curiosa obra de um autor não menos singular. A obra intitula-se O Concílio do Amor e é da
autoria de Oskar Panizza.
Panizza, que viveu entre 1853 e 1921, foi um médico
psiquiatra e um homem de letras alemão que teve uma vida bastante rocambolesca,
que terminou, aliás, num hospício de loucos em Bayreuth. Viajou pela
Europa, produziu uma obra poética e escreveu o texto dramatúrgico acima
referido. O Concílio do Amor valeu-lhe um ano de prisão e uma ampla marginalização
social para toda a vida. Até o grande Thomas Mann foi pequeno para com ele.
N’O Concílio
do Amor a acção decorre no ano de 1495 e
desenrola-se entre o Céu, o Inferno e a corte do Papa Alexandre VI, um membro
da família Bórgia. O tema da
obra é a propagação da sífilis,
doença hedionda, também conhecida à época como o “mal francês” ou o “mal de
Nápoles”. O enredo
consiste no seguinte: Deus, a Virgem Maria e Jesus Cristo, informados do
carácter licencioso e obsceno que prevalecia na vida terrena e adquiria
desenfreadas manifestações em Nápoles e na cúria romana, decidiram recorrer ao
auxílio do Diabo com a intenção de promover o castigo e a redenção dos seres
humanos. Este, recorrendo à sua ardilosa imaginação, criou uma nova doença
de natureza epidémica, a sífilis, destinada a ser propagada através da figura
de uma mulher, a bela e pecaminosa Salomé. O Papa, os cardeais da cúria,
as altas figuras da Igreja, foram os primeiros a sofrer os efeitos desta
contaminação. A doença era terrível. Quem dela padecia passava por
vários estados, num processo de degradação física e psíquica que acabava por
conduzir à morte. Ao longo de tão tétrico padecimento, que durava anos, os
seres humanos iam mudando de atitude em relação à vida, ao mundo, aos outros e
a si próprios. Seria
esse o penoso e o mórbido caminho da redenção.
Panizza foi
tratado como um celerado e violentamente atacado pelas autoridades civis e
eclesiásticas do seu tempo. Estes ataques tiveram mais que ver com a forma
burlesca e iconoclasta como ele se referiu a aspectos sensíveis do mundo
católico do que com a ideia de que a sífilis representava um castigo imposto
por Deus aos homens. Aliás, o génio
de Panizza consiste em ele ter associado essas duas dimensões – a
representação do burlesco e a noção de uma causalidade de origem divina na
manifestação de uma doença com características epidémicas que afligia e
aterrorizava a humanidade naquela época.
Agora os tempos são outros e um hipotético
Panizza contemporâneo teria de alterar o cenário e os protagonistas do seu
enredo sem que, contudo, se visse obrigado a prescindir da substância da sua
obra dramatúrgica. Basta
observar a forma como alguns sectores ideológicos e políticos têm reagido à pandemia que presentemente nos
aflige. Perante
um acontecimento que pela sua magnitude questiona radicalmente a Humanidade há
quem, em lugar de optar pela reflexão dubitativa, recorra à mais simples das
reacções: a do reflexo condicionado. Para estes pavlovianos tudo tem sempre uma
explicação simples, obediente a uma causalidade sistémica predeterminada. Um vírus,
a queda de um meteorito, uma erupção vulcânica - ou até a inesperada chegada de
extraterrestres - mais não serão do que a consequência de uma imensa falha
humana, que tanto pode ser identificada com o capitalismo como com produtivismo
anti-ecológico ou com o cosmopolitismo
antinacionalista.
Estamos perante a versão contemporânea dos velhos castigos divinos. Esses castigos procuravam introduzir uma certa
racionalidade no Universo, já que buscavam encontrar uma explicação justa para
o mal. Essa explicação remetia inevitavelmente para uma noção muito
presente na nossa cultura judaico-cristã: a noção de culpa. É a essa noção que recorrem agora os nossos
pavlovianos de serviço. É vê-los por aí a atacar a globalização capitalista,
a destruição dos perfeitos equilíbrios naturais ou a perniciosa opção pela
desvalorização das fronteiras civilizacionais, étnicas ou nacionais. Os
extremistas acabam sempre por se encontrar.
O
que tudo isto revela é que todos quantos estão prisioneiros de uma
representação excessivamente sistémica da realidade se revelam incapazes de
pensar e de entender os acontecimentos portadores de um elevado grau de
singularidade. Estão por isso condenados à perpétua repetição de uma
ladainha que os impede de compreender o presente e de imaginar o futuro.
2.Morreu
há dias Júlio
Miranda Calha. Era um homem
inteligente e culto, um conhecedor profundo dos temas internacionais, em particular
dos relacionados com a política de segurança e defesa que dominava como quase
ninguém. Deputado desde a Assembleia Constituinte foi um dos construtores da
democracia representativa portuguesa. Foi sempre um homem livre, empenhado na
afirmação dos melhores valores da ocidentalidade. Durante anos convivi com
ele na Assembleia da República. Desses anos recordo o companheiro de lutas, o
homem intelectual e espiritualmente próximo, o amigo. Sentirei muito a ausência
da sua voz. Militante
do PS
COMENTÁRIOS:
Magritte EXPERIENTE: A admiração não é a
do pavlovianismo: é o facto de a explicação continuar a funcionar, pese embora
essa vitória estrondosa do capitalismo. Que um socialista, aliás um militante
do PS, se tenha rendido ao sistema capitalista, à sua expansão globalizante,
não admira nada. Que o PS não tenha uma única proposta alternativa ao sistema
mostra bem quem é o seu mestre e os bolsos de quem o comprou. Com apoiantes
como Assis, Ana Gomes pode pouco: uma das poucas socialistas que ainda se
incomoda com a imoralidade dos offshores. A Assis se calhar nem a especulação
ou a competição catastrófica por material de saúde admiram: é o mercado, ora
pois. 04.04.2020
Eduardo Guevara.885833 INICIANTE: Na verdade, todos
salivamos mas por coisas diferentes. Uns por dinheiro e poder, pelo perpetuar
do mecanismo que lhes permite manter a sensação de pertença a uma qualquer
"elite", moral, intelectual ou financeira. Outros salivam por
justiça. 04.04.2020 Magritte EXPERIENTE: Salivamos todos
por poder: capacidade de influenciar os outros. Uns preferem dinheiros, outros
fama ou carisma, outros acesso ao poder público, outros também justiça e moral.
Tem toda a razão. 04.04.2020
publico1234567 INICIANTE: "Salivamos
todos por poder" - Fale por si... e pelo autor, se quiser! 04.04.2020
Magritte EXPERIENTE: Nem que seja pelo
poder de dizer que não queremos nada com ele. E fazermo-nos sentir melhor
connosco próprios. 04.04.2020
viana EXPERIENTE: "O que tudo
isto revela é que todos quantos estão prisioneiros de uma representação
excessivamente sistémica da realidade se revelam incapazes de pensar e de
entender os acontecimentos portadores de um elevado grau de
singularidade." Nunca teria imaginado o Francisco Assis a elogiar a
ignorância. Pois na prática o que ele está a fazer é a desvalorizar a
capacidade de interpretar a realidade de modo amplo e sistémico,
independentemente de estar correcta! Talvez decorra da sua incapacidade de
compreender certos fenómenos. Então, perante a sua incapacidade de pensar
sistemicamente trata de denegrir quem o faz. Quer-nos cegos perante o futuro,
tacteando dum dia para o outro à procura dum caminho. Mas caminhar no escuro é
receita garantida para muitos desastres... 04.04.2020
nelsonfari EXPERIENTE: O que lhe fazia
bem, caro senhor, era ler o artigo de José Reis de há alguns dias - explica que
este mundo é um claro pretérito imperfeito e que, em vez destas
vulnerabilidades que acabaram com o seu reino, aparecerão certamente outras,
mas a vida e os humanos não são perfeitos e haverá tempo e espaço para criar
novas sínteses, após a criação de teses e antíteses. É esta a dialéctica
humana. E, caro senhor, um servidor da classe política que, obviamente, reparte
em si os "dividendos" desta louca corrida humana iniciada sob os
auspícios de Milton Friedman e concretizada por Reagan. Thatcher, Clinton, Blair,
Bush, Chirac e outros. E os peões, deputados e quejandos que obtiveram
proveitos e boas vidas. O mundo não se reconhece. O vírus é o sinal dos tempos.
Jogar xadrez com a morte? Só em Bergman. 04.04.2020 O que o torna tão extraordinário, caro senhor,
para se arrogar a chamar cão salivador de Pavlov a quem discorda de si e do seu
vencido quadro teórico de referência? Que mundo do seu tem para oferecer?
Constata-se o que fez, caro senhor, em trinta anos de actividade política:
ajudou a criar um mundo desigual. Custava-me ver a infrutífera actividade dos
deputados europeus que, às sextas-feiras, retornavam à "terra",
despejados pelos aviões, com um vazio para oferecer, vazio esse corporizado no
não holandês às vítimas do vírus em Itália e em Espanha. A Holanda só está
disponível para mostrar solidariedade com as empresas que demandam as suas
vantagens fiscais, de que é exemplo o distribuidor Pingo Doce. Afinal, quem é o
cão salivador? 04.04.2020
publico1234567
INICIANTE: Dá-lhe,
nelsonfari! Devias era facultar o link do artigo de José Reis que
explica que este mundo é um claro pretérito imperfeito.;) 04.04.2020
António Cunha MODERADOR: Muito bem,
NelsonFari! Assis quase vive de esmola do PS. Está encostado ao seu canto, com
o seu umbigo. Fala, fala, mas ninguém liga. 05.04.2020
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