A verdade é que a “nudez forte da verdade” comandada por um vírus pegajoso é superior,
neste caso, ao “manto diáfano” da
inteligência crítica de um cronista que, contudo, não desarma, feroz conhecedor
das humanas perversões.
Pobres e agradecidos: muito obrigado, dr. Costa /premium
Embora o comportamento do dr. Costa
D.C. (Depois do Covid) permaneça igualzinho ao do dr. Costa A.C., o
komentariado descobriu um pretexto para elevar a glorificação a níveis de ridículo
desconhecidos
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 04 abr
2020
Em
vinte anos de ofício, nunca me importei de ser insultado. Por curiosidade
antropológica, limito-me a reparar no tipo de insultos, que em geral hesitam
entre chamar-me nomes feios e jurar espancar-me, além de outras pedagogias
democráticas. Nos últimos dias, reparei numa linha insultuosa diferente:
dezenas de criaturas decidiram que não sou patriota. Na verdade, jamais fui.
Mas, por algum motivo, jamais alguém usara essa característica para ofender a
minha estrangeirada pessoa. Agora passaram a usar. Vários cidadãos
aconselharam-me a sair do país (é o “Brasil, ame-o ou deixe-o”, em voga durante
a ditadura militar), dois ou três apelidaram-me de Miguel de Vasconcelos e um
sugeriu mesmo que eu fosse julgado por traição. O que motivou tamanha
insurgência nacionalista?
Pelos
vistos, o facto de eu ter escrito umas opiniões menos abonatórias acerca das
sumidades que conduzem a guerra (o termo não é meu) contra o vírus. Quem não
está com as sumidades está a favor do vírus. Ainda que o prof. Marcelo tenha trocado as lides
domésticas por “intervenções” diárias de uma vacuidade desgastante, não se deve
criticar o senhor presidente. Ainda que a senhora da DGS e a “tutela” da Saúde
sejam exemplos raros de desorientação, dissimulação e inépcia, não se pode
criticar as estarolas em causa. Ainda que o dr. Costa actual não se distinga do
dr. Costa de sempre, um habilidoso para consumo do Terceiro Mundo, não há
qualquer hipótese de criticar o dr. Costa sem despertar a fúria de uma multidão
raivosa.
Claro
que parte da multidão é constituída por avençados do PS, arregimentados para
denunciar os hereges que divergem da doutrina oficial. Porém, também me
vi insultado por sujeitos recente e genuinamente convertidos aos méritos das
“autoridades”. Não admira: o português não aprecia destoar. E se a
exaltação dos “media” em volta do prof. Marcelo tem sido discreta, quer porque
não haja grande interesse em promovê-lo, quer porque a actuação de Sua
Excelência embaraça até os maiores bajuladores, os “media” não se poupam a
transformar as donzelas da Saúde em heroínas sem sono e o dr. Costa num
estadista.
O
caso das donzelas, “guerreiras”
que estão há mês e meio para acertar numa conta, num esclarecimento ou numa
decisão, é apenas o “branqueamento” do desnorte. O caso do dr. Costa
é fascinante. Embora o comportamento do dr. Costa D.C. (Depois do
Covid) se mantenha igualzinho ao do dr. Costa A.C., o “komentariado”
descobriu aqui um pretexto para elevar a glorificação do primeiro-ministro a
níveis de ridículo desconhecidos. Quando o dr. Costa mente sobre a
capacidade de um SNS em ruínas, o “komentariado” ignora. Quando o dr. Costa
solta uma bazófia sobre os europeus que produzem e poupam e não partilham, o
“komentariado” rebenta de entusiasmo, a louvar a “dignidade” de um mendigo
grosseirão. Os fiéis mais zelosos, com a coluna vertebral em frangalhos,
asseguram que o dr. Costa “está a trabalhar para a História” (pela minha
saudinha) e comparam-no a Churchill.
Num
momento particularmente grotesco, Churchill, perdão, o dr. Costa visitou a
“casa” da “Cristina”. A ralé é fechada em apartamentos, o dr. Costa ciranda à
vontade, quer para inaugurar “hospitais” equipados com imitações do Ikea, quer
para participar em programas de variedades. Mediante guinchos, a apresentadora,
um portento com unhas roxas e a convicção de que o Brasil possui “biliões de
pessoas”, cumpriu o prometido: uma sessão de propaganda. E o dr. Costa não
desperdiçou a oportunidade. Disse que “não se pode pôr em causa a seriedade
técnica da DGS” (não se pode, ouviram?). Disse que “devemos fazer o que diz
a DGS” (que diz o que o governo manda). Disse que “as informações são dadas com
rigor” (nem comento). Disse que é preciso “manter a pressão na mola” (a
mola!). E disse não saber se continuaremos “assim um, dois ou três meses”
(ou trinta, que a partir do primeiro já faliu tudo). Feliz, a apresentadora
proclamou: “Não há governo e povo – há uma união geral!”.
Se
não há união, a ideia é que pareça haver. Se há política, a ideia é que pareça
não haver. Nas
“redes sociais” crepitam bufos, patriotas e cães de fila das “autoridades”. As
polícias obedecem e perseguem incautos. A generalidade dos “media” assume
alegremente a submissão ao dr. Costa para combater o vírus, o sr. Trump, o sr.
Bolsonaro e um ministro holandês. E os partidos em peso, com excepção de
um deputado, permitem o prolongamento e o refinamento do estado de emergência,
a trela curta numa população cujo civismo é elogiado por líderes com sarcasmo e
sem vergonha. Por regra, a população gosta de trela e adora uma boa
proibição. O dr. Costa lembrou que os portugueses “têm sido
extraordinários na sua disciplina” – por isso os trata como retardados e os
prende em casa, enquanto milhares de carros penetram a fronteira sem esboço de
cautela.
Cristina,
a apresentadora de variedades, perguntou ao dr. Costa: “Enquanto povo, como é
que vamos sair daqui?” Pobres, muito pobres. E oprimidos. O caldo de pânico
e abuso criado a propósito do coronavírus está, dia a dia, a destruir uma economia
já de si frágil. As medidas para a “salvar” vão encarregar-se de eliminar o
resto. No governo e adjacências confessam-se apetites para tabelar preços,
nacionalizar empresas, produzir internamente o que antes se comprava à China e
todo o rol de alucinações que, num ápice, reduzem uma nação sofrível à miséria
absoluta. E isto sob o aplauso de quase toda a gente, tão assustada com um
parasita microscópico que despreza a ameaça de parasitas enormes.
Não é só a vida material que não
voltará ao que era: salvo um
milagre, a liberdade que agora nos suprimem não será devolvida intacta. Os
parasitas farejam a fraqueza do hospedeiro, e o medo levou-nos a ceder tudo com
demasiada facilidade. O Estado, incapaz de enfrentar uma epidemia anunciada,
arrasou em semanas a dignidade de dez milhões de alminhas, na maioria
agradecidas pelo esforço. E furiosas com os que não agradecem.
COMENTÁRIOS:
Paulo Silva: Patrulha
ideológica, assédio moral, quarentena social, exclusão cibernética, boicotes,
cancelamento da palavra em palestras, (como já sucedeu a JNP na FCSH, qual
episódio prequiano), despedimentos… pelo andar da carruagem falta pouco. Atrás
das turbas vêm os novos tiranos…
Maria L
Gingeira Só o título já vale tudo! Tudo não, os
seus textos são um bálsamo neste tão pesado contexto que que carregamos.
Paulo Silva > josé maria A
mão visível do barbudo, prolixo autor do ‘Das Kapital’, é que nunca
conseguiu redigir a teoria da ‘menos-valia’, (aka prejuízo). Mas convertidos à
iniciativa privada já estão os socialistas. Não largam mão das tributações...
Antonio Sousa Branco: É difícil,
nesta altura, não alinhar com supostos unamimismos "patrióticos" dada a gravidade do momento. Como alguém
dizia até se "...podia suspender a democracia por 6 meses".
Ping PongYang: O Dr. Alberto
sabe perfeitamente que não lhe virá mal nenhum de comentários e que as
baboseiras que todos aqui escrevemos leva-as a Internet... Não tendo exercido
nenhuma função governativa, também não estragou por aí além. E se usa mal a
liberdade e a segurança que lhe é proporcionada é uma questão de gosto: não é
crime!
Cruzeiro O Verdadeiro: O cronista
acredita que alguém perde tempo para o espancar, esteja descansado os cidadãos
deste país neste momento têm coisas mais sérias com que se preocupar. E
acredite, ninguém se incomoda consigo só os da sua clique.
Biblioteca GDrive: És um palerma
e jamais passarás disso. Adiante.
josé maria: A mão
invisível de Adam Smith não consegue resolver os problemas económicos que
resultam da pandemia, quando muito conseguiu provocar várias e graves recessões
a nível mundial. Agora, até o Dr Gonçalves vai ter que se converter ao
intervencionismo estatal.
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