De quem já não tem mais tema de conversa – que somos
todos.
OPINIÃO CORONAVÍRUS
O outro (terrível) vírus do coronavírus
Os testes iniciais da Europa e da
América foram positivos ao vírus da inconsciência, da irresponsabilidade, da
estupidez e da cegueira que ataca o coração da democracia.
VICENTE JORGE SILVA
PÚBLICO, 29 de Março de 2020
Ninguém
sabe ao certo como e quando terminará a pandemia da covid-19.
Mas muito menos se sabe sobre o mundo emergente desta crise sanitária que, com
excepção da Antárctida, atinge já todos os continentes. Apenas
sabemos que será, quase de certeza, um mundo muito diferente daquele que
conhecemos – e receia-se que bastante pior, se não tivermos aprendido com as
múltiplas lições desta experiência assustadora. Mais concretamente: corremos o
risco de ser contaminados por um outro vírus terrível, mais terrível ainda do
que este coronavírus.
A
lição que hoje parece mais relevante à escala global tem a ver com a forma como o país onde a pandemia começou, a
China, passou de responsável pela ocultação prolongada do vírus – e, logo,
pelos efeitos da sua expansão vertiginosa através do mundo – ao estatuto de providencial agente da solidariedade
internacional, nomeadamente em relação ao primeiro país europeu
atingido em cheio pela covid-19: a Itália. O mesmo país, note-se, a que a União
Europeia não foi capaz de prestar ajuda nas tão dramáticas horas iniciais do
surto epidémico, num gesto revelador do que depois iria passar-se em relação aos “eurobonds". Este
instrumento financeiro considerado indispensável por um grupo de países, entre os quais Portugal, para enfrentar as
tremendas repercussões económicas e sociais da crise, seria inicialmente
rejeitado pelos habituais vigilantes da ortodoxia eurocrática, definitivamente
incapazes de apreender a dimensão única da tempestade que estamos a atravessar.
Entretanto,
à imagem da desunião europeia, os estados desunidos da América expuseram-se
também ao vírus importado inicialmente da China. E a forma alarve e xenófoba como Trump começou por
referir-se ao “vírus chinês” acabou por favorecer o alvo da provocação.
Não só porque a retórica anti-chinesa era contraproducente – e foi, de resto,
criticada por aliados de Trump – mas porque lhe faltava o essencial: a
informação e a pedagogia necessárias para denunciar o regime autocrático chinês
como responsável original pela ocultação prolongada da epidemia e a reacção
tardia à sua expansão. Em vez
disso, a China pôde reaparecer em pose virtuosa, controlando aparentemente a
situação interna e predispondo-se a ajudar outros países infectados, enquanto
os Estados Unidos não só persistiam na sua postura de costas voltadas para o
resto do mundo como, além disso, mostravam uma dramática incapacidade de gerir a calamidade sanitária nacional – incapacidade
devida notoriamente à cegueira e falta de liderança de Trump, em ruptura com grande parte dos governadores estatais. Não por
acaso, situação idêntica iria reproduzir-se, de forma ainda mais grotesca, no
Brasil, com o cafajeste Bolsonaro também em
guerra com os governadores dos Estados, enquanto aparecia em público
envergando a máscara de protecção quase em simultâneo com os seus anúncios
cépticos de suspensão da emergência.
Se tantas democracias parecem mostrar-se aflitas,
desesperadas e caóticas perante o desafio da covid-19, a tentação pode ser forte
para legitimar a maior resiliência dos Estados autoritários perante uma crise
desta natureza (ou outras que venham a seguir-se), nomeadamente o mais poderoso
deles todos – e onde, afinal, tudo começou. Ora isto será tanto mais verdadeiro
quanto mais se manifestarem as fragilidades e renúncias do espaço democrático –
desde os Estados Unidos à União Europeia – na ocupação do vazio que ameaça
instalar-se.
António Costa foi justamente elogiado por ter considerado
“repugnante” a forma como o ministro das Finanças holandês pretendeu
culpabilizar a Espanha “por não ter margem orçamental para lidar com a crise
provocada pelo novo coronavírus”. Infelizmente, essa atitude não é apenas
repugnante, mas suicidária. É consequência de um vírus que ameaça ser
bem mais letal do que a
covid-19 que infectou Boris Johnson e, eventualmente, o seu
“Brexit”. É o vírus da inconsciência, da irresponsabilidade, da estupidez e da
cegueira que ataca o coração da democracia. Os testes iniciais da Europa e da
América foram positivos.
Jornalista
COMENTÁRIOS:
Tiago Vasconcelos INICIANTE: A Suécia tem uma política "bolsonarista" de
gestão da pandemia. Mas a nossa imprensa altamente parcial, oculta isso. 30.03.2020
Joao2 MODERADOR: Porque não vai passar umas férias à Suécia? Aproveitava
para tomar um banho de corona… hum? 30.03.2020
Jacob van der Sluis INICIANTE: Há neste momento muitos papagaios. 29.03.2020
Joao2 MODERADOR: Holandês, Belga ou Alemão? Venha o diabo e escolha.
Antes papagaio do que cara do car...
Estou
cem por cento de acordo com tudo que escreveu o VJS. Eu também não tenho
qualquer vergonha de insultar Bolsonaro, e considero cafajeste um termo
demasiado moderado para o classificar. Fique o indignado autor do comentário
abaixo a saber que Bolsonaro só não é visto como uma vergonha pela parte
ignorante da população que o elegeu. Aqui é considerado uma anedota e um caso
psiquiátrico que seria hilariante se não fosse perigoso. Quanto a Trump, reflecte
a falta de princípios ou de cultura de 50% do povo americano que o elegeu.
Tenho pena dos restantes 50%. E sim, o vírus é chinês, não do povo chinês, mas
sim do governo chinês, que não soube proibir os mercados de animais exóticos
quando estes foram a fonte de uma outra doença grave há poucos anos.
Sobre
o "sinistro" das finanças holandês e seus seguidores, lamentável a
sua atitude. Ao que parece, não desarmam e até já dizem que os velhos devem
morrer em casa para não sobrelotar os hospitais. Pois se a atitude da Holanda
se mantiver, e quando tudo isto passar, acho que é caso para um ajuste de
contas entre os países do sul e os países pró-holanda... 29.03.2020
Manuel Brito.205795 MODERADOR: Uma súmula brilhante, que não considero pessimista mas
antes muito equilibrada e realista. 29.03.2020
Tiago Vasconcelos INICIANTE: Curioso
como os nossos jornactivistas gostam tanto de falar do Reino Unido, dos EUA e
do Brasil. Já a Suécia, que mantém até hoje as lojas, restaurantes, bares,
infantários e fronteiras abertas, nem sequer é mencionada. O silêncio
jornactivista é
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