quinta-feira, 23 de abril de 2020

As moscas não mudaram de todo



Bastou um coronavírus para o demonstrar. Helena Ramos historia. Magistralmente. Recebeu muitos apoios, mas também as chufas dos que continuam a estrebuchar, como moscas que são, em velhos slogans raquíticos que ao menos deveriam respeitar, pelo silêncio, os sacrificados da não-quarentena.
O fim do tempo que disseram nosso /premium
As celebrações do 25 de Abril de 2020 são a cerimónia da brigada do reumático do regime instituído em 1974. Agora, tal como há 46 anos, o país está bloqueado e a situação é a normalidade.
HELENA RAMOS Colunista do Observador
OBSERVADOR 19 abr 2020
Aqui estamos em 2020 de volta à casa da partida: o regime nascido em 1974 está a passar à História. O impacto da epidemia acabou a expor quase obscenamente uma classe política de tal forma alienada e anquilosada que já nem vê como é ofensivo ir celebrar a liberdade e a igualdade numa cerimónia em que os participantes fazem tudo aquilo que foi proibido aos demais portugueses.
Eles, os donos do que dizem ser o nosso tempo, nem percebem como reproduzem, passo por passo, os tiques do regime cujo final querem celebrar: depois de anos, décadas, quase meio século a troçarem da cerimónia da brigada a que chamaram do reumático (a 14 de Março de 1974, oficiais-generais dos três ramos das Forças Armadas mostraram o seu apoio a Marcelo Caetano numa cerimónia em que sobressaíram as ausências de Spínola e Costa Gomes) também eles estão transformados numa brigada do reumático e reivindicam a sua cerimónia como se ela fosse um amuleto.
Sem soluções para o futuro, agarrados à vacuidade das palavras tantas vezes ditas e cansadas pelo confronto com uma realidade que se tornou escarninha, precisam de celebrar a data fundadora do regime já não como uma vitória sobre o passado, ou de exaltação do presente mas sim como um exorcismo face a um futuro que temem e para o qual não têm propostas. O combate aos fascismos futuros cumpre agora o papel retórico de anos de evocações e recriações dos fascismos passados: iludir o momento em que alguém faça o balanço entre o prometido a 25 de Abril de 1974 e o concretizado nos anos seguintes.
(A propósito das declarações de Ferro Rodrigues sobre a celebração do 25 de Abril na AR– “A Assembleia da República não saiu do terreno da vida política democrática com a pandemia, o estado de emergência ou a pressão de saudosistas, anti-parlamentares ou seguidores de fake news“– alguém consegue na muito longa carreira do actual presidente da Assembleia da República descobrir um pensamento, uma frase ou uma ideia que se elevem um pouco acima do constrangedor?)
Mas o Covid expôs mais. Expôs na DGS uma administração pública cada vez mais servil perante o poder político e menos apta para servir o povo. Expôs uma comunicação social mais interessada em provar as suas teses sobre o mundo do que em informar: assim os mesmos jornais portugueses que detalham com afinco o falhanço da administração norte-americana no combate ao Covid-19 não conseguem produzir uma notícia que seja sobre um país aqui bem próximo onde uma catástrofe está a acontecer perante a indiferença geral: a Bélgica. A Bélgica tem uma população semelhante à portuguesa, fez muitos menos testes, tem duas vezes mais casos e o número de mortos é quase sete vezes superior ao português. Como é isto possível? E como é possível que não seja destacado?
A pandemia expôs também uma fractura que não tem parado de crescer na sociedade portuguesa: as desigualdades crescentes entre o país do partido-Estado, de que falava Medina Carreira, (esse país não só se adaptou muito bem às medidas de confinamento como não lhe parece inviável vivermos em quarentena enquanto existir um caso de Covid-19) e o outro país, o do sector privado, muito particularmente esse sector privado que o estatismo-socialista detesta: os micro e pequenos empresários que ficaram privados de rendimento e agora ficam também fora dos planos de apoio anunciados pelo Governo.
E sobretudo os tempos da pandemia mostraram-nos o que já sabíamos: não é necessário que existam censura ou polícia política para que na sociedade portuguesa se crie um pensamento único, basta que o poder seja de esquerda. Quarenta e seis anos depois do 25 de Abril aqui estamos presos naquela patética armadilha em que discordar do governo ou criticá-lo não é discordar do governo ou criticar o governo mas sim criticar o país e estar contra Portugal. Noutros tempos chamou-se a isto a situação. E agora será cidadania?
COMENTÁRIOS:
José Marques: Grande Helena! Dê-lhes forte, aos que mais beneficiaram com o seu 25 de Abril. Uma cambada de parasitas que vivem do Estado e da herança do 25 de Abril. Gente bem-falante, retórica vazia. A forma como justificam as comemorações do 25 de Abril é exactamente a mesma que serviria para não o permitir. Chupistas.
José Mendes: A revolução democrática de 25 de Abril de 1974 foi consequência de 48 anos de luta unitária e revolucionária. Essa luta instalou as condições objectivas e subjectivas que uniu os portugueses e os povos de Cabo Verde, Guiné Bissau, Angola, Moçambique e Timor Leste. O que se comemora todos os anos no dia 25 de Abril é a derrota militar do Império Colonial Fascista e a consequente libertação dos povos subjugados por esse Império. Libertaram-se em simultâneo os povos português, cabo-verdiano, guineense, angolano, moçambicano e timorense. Os presos políticos foram libertados por pressão popular, os instrumentos de perseguição, prisão, tortura e morte que suportaram o fascismo de Salazar e Caetano foram destruídos. O poder de legitimidade revolucionária instituiu o sistema de delegação de poder através do voto. Uma pessoa um voto sem discriminação de nenhum tipo. Foi assim eleita uma Assembleia Constituinte de 250 membros que inscreveu na Constituição da República Portuguesa a natureza da democracia pluralista que é o regime político português. É um dos mais modernos Regimes democráticos do mundo. Na sequência do 25 de Abril várias ditaduras na Europa e no mundo seguiram o exemplo da Constituição da República Portuguesa. É isso que se vai comemorar no próximo dia 25 de Abril de 2020. De gira ficam os tontos desorientados, perdidos e confundidos, os que misturam tudo e se confundem a si próprios. Tenhamos pena deles, coitados. 
Pena Fidelis > José Mendes: És um néscio. Nunca os povos das antigas colónias viveram tanta miséria e falta de liberdade. A independência apenas aproveitou às respectivas nomenklaturas.
Alberto Rei > José Mendes: Padre José Mendes, a missa acabou já, podes parar de dizer liturgia. Não te lembras, Padre Mendes, de uma coisa chamada guerra fria? não te lembras daquelas "ajudas" dos camaradas russos aos povos da autodeterminação e tal ? eles e os cubanos; mataram o Machel, o Neto, e o Amílcar Cabral, gente que começou a ver que a tal ajuda trazia borrasca. E os teus apaniguados do Partido Comunista, Cunhal, Otelo e afins, apressaram a coisa para lhes entregar de mão beijada aquele tesouro, que eles afincadamente trataram de secar, e os povos da autodeterminação lá continuam sem futuro. Passadas décadas e décadas, a narrativa para a miséria continuava a ser: estamos assim por causa da herança do colonialismo. Aqui, é a mesma treta, só que agora, como bem explica HM (soberba cronista), são fascismos futuros, só existem na imaginação da brigada do reumático. Não leis da história não, Padre Mendes, continua a dizer missa, e canta a Grândola.
Manuel Dias: Parabéns Helena. Todo o seu artigo é um hino à revolta de oprimidos pelas elites bem pensantes, porque se dizem de esquerda, mas têm os comportamentos de donos de tudo.


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