sábado, 25 de abril de 2020

Eles estão a cuidar do rebanho



Mas eles são livres de não pôr a máscara e até de se beijarem, entre si, pelo menos lá no PE, lugar nobre, como eu vi o nosso PM fazer, com o afecto humilde de quem anda a mendigar favores para os repartir connosco, os do rebanho, ao que dizem, mas nunca se sabe, pois costumam ser desviados, esses favores, está-nos na massa do sangue, como se vê por alturas dos incêndios e do uso dos dinheiros oferecidos, pelas gentes solidárias… E não são só esses casos, meros peanuts, temos exemplos de sobra. O mundo vai mudar? Não o nosso, o da “batota”, como afirma MJA na sua clara crónica. O nosso mundo começa cá dentro da nossa porta. E daí não sai, pois “assim se fazem as coisas”, já o dizia Pero Marques, carregando Inês Pereira às costas, “e mais duas loisas”. É o nosso “fardo”.
E os outros? /premium
O que interessa é o que faz disto uma questão grave: a quebra do compromisso exigido ao país pelo Presidente por parte da segunda mais alta figura do Estado. Tem um nome: batota. Mas não tem perdão.
MARIA JOÃO AVILLEZ     OBSERVADOR, 21 abr 2020
1Aqui há umas semanas, ouvi numa televisão o Bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto — um homem de fé forte e um ser amável e afável – prevenir os portugueses da ausência de comemorações do 13 de Maio deste ano, em Fátima. Falava-nos ele a propósito da Páscoa na sua diocese explicando os moldes em que iria ser celebrada e de caminho referiu-se à próxima peregrinação de Maio para, por assim dizer, claramente a desconvocar. O modo como se expressou e as palavras que usou permitiram-me deduzir que, por de trás do seu claríssimo aviso, estava já, como dizer?, uma negociação/imposição política. Quando se ouve o próprio “dona da casa” a desaconselhar o povo a que desista de rumar ao recinto da Capela da Aparições, contrariando uma peregrinação emotivamente muito procurada – ou mesmo desesperadamente procurada — o “recado” do Bispo foi taxativo: a Igreja deve fazer como os outros, obedecer, seguindo o que as autoridades políticas e sanitárias exigiam ao resto do país. Distância, ausência. Fecho: do emprego, da escola, da universidade, do comércio, do ginásio, do estádio, do palco, do lazer. Logo, do culto em igrejas e capelas, também. E assim se fez, era o que estava combinado. E não houve Páscoa. Era o que estava combinado. Igual para todos. Não sei entretanto o que de então para cá — desde a imposição do confinamento — terá pensado a hierarquia da Igreja e as centenas de sacerdotes espalhados pelo país quando se olhavam a oficiar — e acompanhar! — funerais desertos de familiares mais próximos. Eu sei o que penso e não esqueço sobre um dos maiores actos de abuso de poder a que me foi dado assistir na minha vida (que vai longa).
2No novo isolamento agora reeditado pelo Presidente da República, sob o argumento, o pretexto, a desculpa — é difícil definir — que estando o parlamento aberto “se” devia comemorar o 25 de Abril, e que a efeméride, 46 anos depois, exigia celebração indispensável, o inimaginável entrou em cena. Imprudente — e indecente — entrada em cena, poucas vezes alguma coisa terá tão nitidamente dividido assim o país. O terceto das hipóteses — desculpa, pretexto ou argumentoobviamente não colhe. De tão frágil chega a embaraçar: com quem estamos a lidar politicamente? Primeiro, não é sério invocar o funcionamento do Parlamento, nunca esteve em causa o fecho da Assembleia nem a ideia teria defesa nem defensores: e porque fecharia? Pelo contrário, o país tem de saber que a Democracia não sofre interrupção para “seguir dentro de momentos” e os portugueses saber que o momento reclama justamente o normal funcionamento das suas instituições. Segundo, nem a democracia está ameaçada – santo Deus! — nem é tão jovem que reclame cuidados especiais ou festejos de aniversário. (O que surgiu à luz foi como está carecida de timoneiros habilitados.)
Está-se assim, diante de uma batota. Uma fractura gravíssima no cumprimento das regras superiormente impostas (com penalizações policiais para prevaricadores). Dito de outro modo: politicamente não se hesitou em separar portugueses, autorizando e promovendo a uns o que se proíbe à maioria dos outros. Exercício muito pouco sério. E nem é preciso lembrar que os médicos, enfermeiros ou demais pessoal da Saúde não vêem os filhos há semanas ou relembrar a gelada crueldade da proibição de funerais com familiares (ou simplesmente pensar nos milhares que contavam ir a Fátima rezar e chorar e já não vão). Pensemos agora apenas no que significa a prepotência e a indecência desta comemoração. Chega isso, porque isso é imenso. E inesquecível.
3Não vou perder tempo com aquela coisa de sermos todos contra o 25 de Abril ou que o exilio doméstico obrigatório onde estamos é afinal um confinamento de fascistas. Também não me interessará dissertar sobre a pobreza retórica de Ferro Rodrigues num debate indecoroso há dias no Parlamento ao qual ele preside, fazendo de André Ventura o homem com quem subitamente a imensa maioria do país, saudosa de normalidade, se identificou naquele preciso momento. Nada disso interessa nada nem a ninguém. O que interessa é o que faz disto uma questão grave: a quebra de um compromisso exigido ao país pelo Presidente da República por parte da segunda mais importante figura do Estado português. Um acto, repito, de ostensiva e clamorosa batota idealizado, produzido e interpretado pelo Presidente do Assembleia & amigos.
Pequena curiosidade com importância: que acharão estes idosos, gastos e cediços donos do 25 de Abril já sem absolutamente nada para dizer ou trazer ao país, que os jovens de vinte, trinta anos pensam deles, neste 25 de Abril envenenado?
4O Presidente Rebelo de Sousa além de pródigo nas suas contemporizações com o que levante o menor problema, não terá alcançado que se tivesse falado sozinho diante de um hemiciclo vazio ou quase, teria tido a atenção inteira e intacta dos portugueses, num enquadramento televisivo poderoso. Assim falará numa sala contaminada pelo vírus da desobediência e da discórdia. (e pode dizer-se pior?). À hora a que escrevo não são de excluir remedeios e emendas para disfarçar este desastre ou moedas de troca para aquietar ânimos. Tanto faz: o mal está feito.
PS. Só o conheci no Equador. Ainda antes da série ir para o ar, alguém da produção, muito feliz e muito orgulhoso com o resultado, tinha-me mandado uma cassete com alguns episódios. Ao primeiro, fixei-me – até hoje — em Felipe Duarte que conhecia mal. Inesquecível primeira impressão, lembro-me como se fosse hoje. Da série à entrevista foi um passo: fi-la aqui no Observador, em Junho de 2014 e foi excelente. Ele foi excelente. A partir daí tentei não o perder de vista. Felipe Duarte era um homem decente que praticava com larga abundância uma exigência quase feroz nas suas escolhas profissionais: só “fazia” o que entendia. Podiam pagar-lhe a triplicar, prometer-lhe o sucesso e oferecer-lhe a glória, não cedia. A sua assinatura na carreira que teve e que tanto prometia ainda, era essa mesma: only the best. Lembro-me hoje de mim solitariamente sentada na penumbra de matinées de cinema que projectavam filmes seus, lembro-me de o ter visitado no “set” de “Belmonte” nos estúdios da Global, onde filmava uma novela da TVI com o papel de irmão mais velho de cinco rapazes, protagonistas invulgares de uma saga familiar que ficou inesquecível sobretudo porque ele lá estava; lembro-me de conversas em terraços sobre este ou aquele projecto. E lembro-me de por vezes, lhe telefonar por razão nenhuma, saber por onde andava e a fazer o quê, que era a minha forma de matar saudades – tinha-se naturalmente saudades dele – ouvindo de novo a sua voz. E depois havia sim, a sua parte de mistério. Inatingível mistério que afinal talvez o definisse melhor que qualquer outra coisa. Mas se fiquei sem o mistério, ficou-me, ficou-nos, uma delicadeza ímpar, a sua reserva doce, um talento incólume que nunca nada maculava. Ah, e aquele olhar tão dele. Que coisa tão, tão desamparadamente injusta esta partida.
COMENTÁRIOS
Antonio Lobo: Parabéns Maria João Avilez    Rodrigo BIVAR: Quando fala em pobreza retórica de Ferro Rodrigues lembro-me logo da sua célebre intervenção: "Estou-me cagando..."
António Coimbra: Brilhante e tão verdadeiro este seu artigo, parabéns! somos governados por desfaçatez e muita falta de vergonha, infelizmente...
Carolina Nunes: E assim se afasta cada vez mais o povo dos políticos que eles dizem representar mas há muito deixaram de fazer. Típico de regimes podres, pode haver pandemias, estados de emergência ou recessões brutais, mas as festarolas do regime onde se pavoneiam os donos disto tudo nunca faltam.
Henrique Neves: Um texto extraordinário de uma boa pessoa, entre outras coisas, uma jornalista fantástica
Joao Mar: Se tivéssemos um presidente a sério e não um populista invertebrado viciado em protagonismo mediático e na sua própria imagem, talvez tivesse havido um pouco de bom senso e organizariam uma celebração virtual pela internet ou algo assim. Exigir isolamento dos Portugueses por leis do estado de emergência e depois organizar festarolas destas é a maraca dum regime que legisla em causa própria.
Maria Nunes: Muito bem MJA. Esse compromisso entre o PR e as pessoas está quebrado. Mas, a conclusão a que eu chego, é que a classe política está completamente alheada dos sentimentos do povo. Como é possível que pessoas que tinham tantos ideais na juventude, no tempo da outra senhora, estejam agora a proceder deste modo? Não valorizam os sacrifícios que a população tem feito? Ou pensam que não têm que cumprir as  normas impostas pela pandemia, como qualquer outro português? Que arrogância e falta de vergonha. 
Sergio Coelho Excepcional!!! Nada a fazer, eles (estas três figuretas são, imagine-se as três principais figuretas de estado PR, PM e Ferrote....) são moralmente superiores, inquestionáveis, inimputáveis e com tiques autoritários que idolatram os camaradas de Cuba, Venezuela e Coreia do Norte! São enfim os donos disto tudo.... Mas os tugas, masoquistas, adoram-nos e elegem-nos.
Jorge Tavares O processo revolucionário iniciado em 25/Abril/1974 e concluído a 25/Novembro/1975 trouxe-nos liberdade e partidocracia. No tempo actual, a luta é por uma verdadeira democracia. O voto livre de nada serve, se esse voto não decide as coisas importantes. O 25/Abril só nos deu foi um voto em listas cuja ordem já foi decidida... pelos próprios políticos! Nós não elegemos ninguém: é a ordem das listas que decide quem vai para deputado. Isso dá a um punhado de oligarcas partidários a possibilidade de se perpetuarem no parlamento, mandato após mandato, duma maneira que não tem qualquer relação com as preferências do eleitorado. Realmente, o legado do 25/Abril tem sido um ito bom para os parasitas dos principais partidos. Hoje, o sistema político confunde-se com o sistema partidário, que é profundamente oligárquico. Quase meio século depois, o povo continua sem o direito de eleger. Os deputados não nos representam, como tem sido nítido e cada petição, em cada lei, em cada "decisão" da comissão de "ética". Os deputados só representam quem os nomeou para um "lugar elegível" da lista. Agora, os partidos do regime estão a matar a democracia portuguesa. Já chegámos ao ponto, em que os deputados na prática não existem: não têm qualquer liberdade de voto. Já houve casos, em que escrevem declarações em como votaram contra as suas próprias convicções. Ainda pior, já estão a transformar a máquina fiscal numa nova polícia política. Goza da inversão do ónus da prova, estende a sua acção a cada vez mais sectores, incluindo a cobrança em prol de entidades externas ao fisco (incluindo privadas), recolhe uma enorme quantidade de informação que não é de natureza fiscal, é usada para intimidar cidadãos (como no caso do abate de árvores), etc, etc. Este monstro inverte completamente os lugares: enquanto que nas democracias os cidadãos escrutinam os políticos, na partidocracia portuguesa os políticos escrutinam os cidadãos. Por isso, TEMOS DE LUTAR PELO DIREITO DE SERMOS NÓS, OS CIDADÃOS, A ESCOLHER OS DEPUTADOS. TEMOS DE LUTAR PELO DIREITO DE NOS CANDIDATAMOS AOS LUGARES DE DEPUTADO - NA QUALIDADE DE CIDADÃOS, POR DIREITO PRÓPRIO. A Todos Um Bom 25 de Abril.
El BartoJorge Tavares: É muito mais importante - é importante - a Memória que Filipe Duarte nos deixa do que qualquer idiotice comemorativa de um evento, que em si nada altera a essência do próprio evento.  Será que nestas cabecinhas o evento está em questão?! Juízo e cabeça fresca precisam-se! Ou há moralidade ou comem todos! A lei submete a todos, em especial a quem a faz.      Carla Nunes Excelente análise dos dias que vivemos e das suas contradições. E um Post Scriptum maravilhoso. Obrigada.
Domingas Coutinho: Gostava de acrescentar mais uma coisa: ao dizerem que o povo mais ordena e fazerem uma coisa destas contra a vontade do povo foi a cereja no topo do bolo depois de: serem mais deputados do que o povo quer, de receberem a reforma com menos tempo de trabalho do que o povo normal, de receberem subvenções vitalícias descomunais, de receberem compensações por estarem supostamente afastados do local de residência quando em muitos casos é mentira, de uns marcarem presenças uns pelos outros indevidamente, de receberem vouchers para se deslocarem a convite de empresas para as quais legislam e tudo o mais que não direi agora para não me estender mais. Só acrescento que estou a pensar juntar-me aos 50% de abstencionistas que não se revêem nisto.
Paulo F.: A classe política é a nova nobreza, não tem nada que seguir as determinações impostas à plebe, quem está mal que se revolte se tiver coragem. Quando eles assim determinarem os Portugueses já podem sair da cerca, até essa altura estão lá quietos e calados. Com um bocado de sorte já vos vão deixar ir visitar os vossos pais, filhos ou tios, no mês de Maio. O dia não sei, mas estou aqui ansioso à espera que chegue.
Domingas Coutinho Mas onde está a coerência desta gente quando manda ficar em casa e sem qualquer necessidade se reúne para celebrar o 25 de Abril; quando querem aumentos para uns quando outros não sabem quanto e SE vão receber algum dinheiro no fim do mês?
Carlos José > Domingas Coutinho Acho que está na mesma coerência com que se reúnem todos os dias no mesmo local para decidir sobre o rumo do país, enquanto mais de metade deste está em casa. Vá lá malta, vamos confiar que as regas da DGS vão ser cumpridas
MF: Brilhante! Subscrevo na íntegra. E que bela homenagem ao Felipe Duarte!
Paulo Silva: Depois das vacas aladas, das vacas gordas, e das magras já pré-anunciadas, eis a vaca sagrada do consulado do Dr. Costa et alia em tempos de pandemia. O 25 do A elevado a dogma da religião deste Estado sem nome...
Maria L Gingeira  “por de trás do seu claríssimo aviso, estava já, como dizer?, uma negociação/imposição política.”tocou no ponto Maria João Avilez. Quantos audiências aparentemente a pretexto de mera consulta mais não são do que um artifício de - ou eleger “mensageiros” ou de os calar. Temos assistido a esta nova metodologia, que dá arrepios e mostra como a tendência para manipular se acentua. Com as três Ordens, por exemplo, a “negociação” foi moderar-lhes o tom. Na base de tudo está uma enorme hipocrisia e o vício de não falar com clareza sobre o que diz respeito a todos nós. Os políticos que ocupam actualmente o poder têm-se revelado cínicos e mostram ter dos portugueses uma ideia muito fraca, pois tratam-nos como coitados e iletrados. Na verdade estamos perante uma classe política de medíocres deslumbrados.

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