Mas eles são livres de não pôr a máscara
e até de se beijarem, entre si, pelo menos lá no PE, lugar nobre, como eu vi o nosso PM fazer, com o afecto humilde de quem
anda a mendigar favores para os repartir connosco, os do rebanho, ao que dizem,
mas nunca se sabe, pois costumam ser desviados, esses favores, está-nos na
massa do sangue, como se vê por alturas dos incêndios e do uso dos dinheiros
oferecidos, pelas gentes solidárias… E não são só esses casos, meros peanuts, temos exemplos de sobra. O mundo vai mudar? Não o nosso, o da “batota”, como afirma MJA na sua clara crónica. O nosso mundo começa cá dentro da nossa
porta. E daí não sai, pois “assim se fazem as coisas”,
já o dizia Pero Marques, carregando Inês Pereira às costas, “e mais duas loisas”. É o nosso “fardo”.
E os outros? /premium
O que interessa é o que faz disto uma
questão grave: a quebra do compromisso exigido ao país pelo Presidente por
parte da segunda mais alta figura do Estado. Tem um nome: batota. Mas não tem
perdão.
MARIA JOÃO AVILLEZ OBSERVADOR,
21 abr 2020
1Aqui
há umas semanas, ouvi numa televisão o Bispo de Leiria-Fátima, D.
António Marto — um homem
de fé forte e um ser amável e afável – prevenir os portugueses da ausência
de comemorações do 13 de Maio deste ano, em Fátima. Falava-nos ele a propósito
da Páscoa na sua diocese explicando os moldes em que iria ser celebrada e de
caminho referiu-se à próxima peregrinação de Maio para, por assim dizer,
claramente a desconvocar. O modo como se expressou e as palavras que usou
permitiram-me deduzir que, por de trás do seu claríssimo aviso, estava já,
como dizer?, uma negociação/imposição política. Quando se ouve o próprio
“dona da casa” a desaconselhar o povo a que desista de rumar ao recinto da
Capela da Aparições, contrariando uma peregrinação emotivamente muito procurada
– ou mesmo desesperadamente procurada — o “recado” do Bispo foi taxativo: a
Igreja deve fazer como os outros, obedecer, seguindo o que as autoridades
políticas e sanitárias exigiam ao resto do país. Distância,
ausência. Fecho: do emprego, da escola, da universidade, do
comércio, do ginásio, do estádio, do palco, do lazer. Logo, do culto em
igrejas e capelas, também. E assim se fez, era o que estava combinado. E não
houve Páscoa. Era o que estava combinado. Igual para todos. Não sei entretanto
o que de então para cá — desde a imposição do confinamento — terá pensado a
hierarquia da Igreja e as centenas de sacerdotes espalhados pelo país quando se
olhavam a oficiar — e acompanhar! — funerais desertos de familiares mais
próximos. Eu sei o que penso e não esqueço sobre um dos maiores
actos de abuso de poder a que me foi dado assistir na minha vida (que vai
longa).
2No
novo isolamento agora reeditado pelo Presidente da República, sob o argumento,
o pretexto, a desculpa — é difícil definir — que estando o parlamento aberto
“se” devia comemorar o 25 de Abril, e que a efeméride, 46 anos depois, exigia
celebração indispensável, o inimaginável entrou em cena. Imprudente
— e indecente — entrada em cena, poucas vezes alguma coisa terá tão nitidamente
dividido assim o país. O terceto
das hipóteses — desculpa, pretexto ou argumento – obviamente não colhe. De tão frágil chega
a embaraçar: com quem estamos a lidar politicamente? Primeiro, não é
sério invocar o funcionamento do Parlamento, nunca esteve em causa o fecho da
Assembleia nem a ideia teria defesa nem defensores: e porque fecharia? Pelo
contrário, o país tem de saber que a Democracia não sofre interrupção para
“seguir dentro de momentos” e os portugueses saber que o momento reclama
justamente o normal funcionamento das suas instituições. Segundo, nem
a democracia está ameaçada – santo Deus! — nem é tão jovem que reclame cuidados
especiais ou festejos de aniversário. (O que surgiu à luz foi como está
carecida de timoneiros habilitados.)
Está-se assim, diante de uma batota. Uma
fractura gravíssima no cumprimento das regras superiormente impostas (com
penalizações policiais para prevaricadores).
Dito de outro modo: politicamente não se hesitou em separar
portugueses, autorizando e promovendo a uns o que se proíbe à maioria dos
outros. Exercício muito pouco sério. E
nem é preciso lembrar que os médicos, enfermeiros ou demais pessoal da Saúde
não vêem os filhos há semanas ou relembrar a gelada crueldade da proibição de
funerais com familiares (ou simplesmente pensar nos milhares que contavam ir a
Fátima rezar e chorar e já não vão). Pensemos agora apenas no
que significa a prepotência e a indecência desta comemoração. Chega isso,
porque isso é imenso. E inesquecível.
3Não
vou perder tempo com aquela coisa de sermos todos contra o 25 de Abril ou que o
exilio doméstico obrigatório onde estamos é afinal um confinamento de fascistas. Também não me interessará dissertar sobre a
pobreza retórica de Ferro Rodrigues num debate indecoroso há dias no Parlamento
ao qual ele preside, fazendo de André Ventura o homem com quem subitamente a
imensa maioria do país, saudosa de normalidade, se identificou naquele preciso
momento. Nada disso interessa nada nem a ninguém. O que
interessa é o que faz disto uma questão grave: a quebra de um compromisso
exigido ao país pelo Presidente da
República por parte da segunda mais importante figura do Estado
português. Um acto, repito, de ostensiva e clamorosa batota idealizado,
produzido e interpretado pelo Presidente do Assembleia & amigos.
Pequena curiosidade com
importância: que acharão estes idosos, gastos e
cediços donos do 25 de Abril já sem absolutamente nada para dizer ou trazer ao
país, que os jovens de vinte, trinta anos pensam deles, neste 25 de Abril
envenenado?
4O
Presidente Rebelo de Sousa além de pródigo nas suas contemporizações com o que
levante o menor problema, não terá alcançado que se
tivesse falado sozinho diante de um hemiciclo vazio ou quase, teria tido a
atenção inteira e intacta dos portugueses, num enquadramento televisivo
poderoso. Assim
falará numa sala contaminada pelo vírus da desobediência e da discórdia. (e
pode dizer-se pior?). À hora a
que escrevo não são de excluir remedeios e emendas para disfarçar este desastre
ou moedas de troca para aquietar ânimos. Tanto faz: o mal está feito.
PS. Só
o conheci no Equador. Ainda antes da série ir para o ar, alguém da
produção, muito feliz e muito orgulhoso com o resultado, tinha-me mandado uma
cassete com alguns episódios. Ao primeiro, fixei-me – até hoje — em Felipe Duarte
que conhecia mal. Inesquecível primeira impressão, lembro-me como se fosse
hoje. Da série à entrevista foi um passo: fi-la aqui no Observador, em Junho de
2014 e foi excelente. Ele foi excelente. A partir daí tentei não o perder de
vista. Felipe Duarte era um homem decente que praticava com larga
abundância uma exigência quase feroz nas suas escolhas profissionais: só
“fazia” o que entendia. Podiam pagar-lhe a triplicar, prometer-lhe o sucesso e
oferecer-lhe a glória, não cedia. A sua assinatura na carreira que teve e que
tanto prometia ainda, era essa mesma: only the best. Lembro-me hoje de
mim solitariamente sentada na penumbra de matinées de cinema que projectavam
filmes seus, lembro-me de o ter visitado no “set” de “Belmonte” nos estúdios da
Global, onde filmava uma novela da TVI com o papel de irmão mais velho de cinco
rapazes, protagonistas invulgares de uma saga familiar que ficou inesquecível
sobretudo porque ele lá estava; lembro-me de conversas em terraços sobre este
ou aquele projecto. E lembro-me de por vezes, lhe telefonar por razão nenhuma,
saber por onde andava e a fazer o quê, que era a minha forma de matar saudades
– tinha-se naturalmente saudades dele – ouvindo de novo a sua voz. E
depois havia sim, a sua parte de mistério. Inatingível mistério que afinal
talvez o definisse melhor que qualquer outra coisa. Mas se fiquei sem o
mistério, ficou-me, ficou-nos, uma delicadeza ímpar, a sua reserva
doce, um talento incólume que nunca nada maculava. Ah, e aquele olhar tão dele.
Que coisa tão, tão desamparadamente injusta esta partida.
COMENTÁRIOS
Antonio Lobo: Parabéns Maria João Avilez
Rodrigo BIVAR: Quando fala em pobreza retórica de Ferro Rodrigues lembro-me logo da sua
célebre intervenção: "Estou-me cagando..."
António Coimbra: Brilhante e tão verdadeiro este seu artigo, parabéns! somos governados por desfaçatez e muita falta de
vergonha, infelizmente...
Carolina Nunes: E assim se afasta cada vez mais o povo dos políticos que eles dizem representar
mas há muito deixaram de fazer. Típico de regimes podres, pode haver pandemias,
estados de emergência ou recessões brutais, mas as festarolas do regime onde se
pavoneiam os donos disto tudo nunca faltam.
Henrique Neves: Um texto extraordinário de uma boa pessoa, entre outras coisas, uma
jornalista fantástica
Joao Mar: Se tivéssemos um presidente a sério e não um populista invertebrado viciado
em protagonismo mediático e na sua própria imagem, talvez tivesse havido um
pouco de bom senso e organizariam uma celebração virtual pela internet ou algo
assim. Exigir isolamento dos Portugueses
por leis do estado de emergência e depois organizar festarolas destas é a
maraca dum regime que legisla em causa própria.
Maria Nunes: Muito bem MJA. Esse compromisso entre o PR e as pessoas está quebrado. Mas,
a conclusão a que eu chego, é que a classe política está completamente alheada
dos sentimentos do povo. Como é possível que pessoas que tinham tantos ideais
na juventude, no tempo da outra senhora, estejam agora a proceder deste modo?
Não valorizam os sacrifícios que a população tem feito? Ou pensam que não
têm que cumprir as normas impostas pela pandemia, como qualquer outro
português? Que arrogância e falta de vergonha.
Sergio Coelho Excepcional!!! Nada a fazer, eles (estas três figuretas são, imagine-se as
três principais figuretas de estado PR, PM e Ferrote....) são moralmente
superiores, inquestionáveis, inimputáveis e com tiques autoritários que
idolatram os camaradas de Cuba, Venezuela e Coreia do Norte! São enfim os donos disto tudo.... Mas os tugas, masoquistas, adoram-nos e
elegem-nos.
Jorge Tavares O processo revolucionário iniciado em 25/Abril/1974 e concluído a
25/Novembro/1975 trouxe-nos liberdade e partidocracia.
No tempo actual, a luta é por uma verdadeira democracia. O voto livre de
nada serve, se esse voto não decide as coisas importantes. O 25/Abril só nos
deu foi um voto em listas cuja ordem já foi decidida... pelos próprios
políticos! Nós não elegemos ninguém: é a ordem das listas que decide quem vai
para deputado. Isso dá a um punhado de oligarcas partidários a possibilidade de
se perpetuarem no parlamento, mandato após mandato, duma maneira que não tem
qualquer relação com as preferências do eleitorado. Realmente, o legado do
25/Abril tem sido um ito bom para os parasitas dos principais partidos. Hoje,
o sistema político confunde-se com o sistema partidário, que é profundamente
oligárquico. Quase meio século depois, o povo continua sem o direito de
eleger. Os deputados não nos representam, como tem sido nítido e cada
petição, em cada lei, em cada "decisão" da comissão de
"ética". Os deputados só representam quem os nomeou para um
"lugar elegível" da lista. Agora, os partidos do regime estão
a matar a democracia portuguesa. Já chegámos ao ponto, em que os deputados na
prática não existem: não têm qualquer liberdade de voto. Já houve casos,
em que escrevem declarações em como votaram contra as suas próprias convicções.
Ainda pior, já estão a transformar a máquina fiscal numa nova polícia política.
Goza da inversão do ónus da prova, estende a sua acção a cada vez mais
sectores, incluindo a cobrança em prol de entidades externas ao fisco
(incluindo privadas), recolhe uma enorme quantidade de informação que não é de
natureza fiscal, é usada para intimidar cidadãos (como no caso do abate de
árvores), etc, etc. Este monstro inverte
completamente os lugares: enquanto que nas democracias os cidadãos escrutinam
os políticos, na partidocracia portuguesa os políticos escrutinam os cidadãos. Por isso, TEMOS DE LUTAR PELO DIREITO DE
SERMOS NÓS, OS CIDADÃOS, A ESCOLHER OS DEPUTADOS. TEMOS DE LUTAR PELO DIREITO
DE NOS CANDIDATAMOS AOS LUGARES DE DEPUTADO - NA QUALIDADE DE CIDADÃOS, POR
DIREITO PRÓPRIO. A Todos Um Bom 25 de Abril.
El BartoJorge Tavares: É muito mais importante - é importante - a Memória que
Filipe Duarte nos deixa do que qualquer idiotice comemorativa de um evento, que
em si nada altera a essência do próprio evento. Será que nestas cabecinhas o evento
está em questão?! Juízo e cabeça fresca precisam-se!
Ou há moralidade ou comem todos! A lei submete a todos, em especial a
quem a faz. Carla Nunes Excelente análise dos dias que
vivemos e das suas contradições. E um Post Scriptum maravilhoso. Obrigada.
Domingas Coutinho: Gostava de acrescentar mais uma coisa: ao dizerem que o povo mais ordena
e fazerem uma coisa destas contra a vontade do povo foi a cereja no topo do
bolo depois de: serem mais deputados do que o povo quer, de receberem a reforma
com menos tempo de trabalho do que o povo normal, de receberem subvenções
vitalícias descomunais, de receberem compensações por estarem supostamente afastados
do local de residência quando em muitos casos é mentira, de uns marcarem
presenças uns pelos outros indevidamente, de receberem vouchers para se
deslocarem a convite de empresas para as quais legislam e tudo o mais que não
direi agora para não me estender mais. Só acrescento que estou a pensar
juntar-me aos 50% de abstencionistas que não se revêem nisto.
Paulo F.: A classe política é a nova nobreza, não tem nada que seguir as
determinações impostas à plebe, quem está mal que se revolte se tiver coragem.
Quando eles assim determinarem os Portugueses já podem sair da cerca, até essa
altura estão lá quietos e calados. Com um bocado de sorte já vos vão deixar ir
visitar os vossos pais, filhos ou tios, no mês de Maio. O dia não sei, mas
estou aqui ansioso à espera que chegue.
Domingas Coutinho Mas onde está a coerência desta gente quando manda ficar em casa e sem
qualquer necessidade se reúne para celebrar o 25 de Abril; quando querem
aumentos para uns quando outros não sabem quanto e SE vão receber algum
dinheiro no fim do mês?
Carlos José > Domingas Coutinho Acho que está na mesma coerência
com que se reúnem todos os dias no mesmo local para decidir sobre o rumo do
país, enquanto mais de metade deste está em casa. Vá lá malta, vamos confiar
que as regas da DGS vão ser cumpridas
MF: Brilhante! Subscrevo na íntegra. E que
bela homenagem ao Felipe Duarte!
Paulo Silva: Depois das vacas aladas, das vacas gordas, e das magras já pré-anunciadas,
eis a vaca sagrada do consulado do Dr. Costa et
alia em tempos de pandemia. O 25 do A elevado a dogma da religião deste Estado sem
nome...
Maria L Gingeira “por de trás
do seu claríssimo aviso, estava já, como dizer?, uma negociação/imposição política.” — tocou no ponto Maria João Avilez. Quantos audiências aparentemente a pretexto de mera
consulta mais não são do que um artifício de - ou eleger “mensageiros” ou de os
calar. Temos assistido a esta nova metodologia, que dá arrepios e mostra
como a tendência para manipular se acentua. Com as três Ordens, por
exemplo, a “negociação” foi moderar-lhes o tom. Na base de tudo está uma enorme
hipocrisia e o vício de não falar com clareza sobre o que diz respeito a todos
nós. Os políticos que ocupam
actualmente o poder têm-se revelado cínicos e mostram ter dos portugueses uma
ideia muito fraca, pois tratam-nos como coitados e iletrados. Na verdade
estamos perante uma classe política de medíocres deslumbrados.
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