terça-feira, 7 de abril de 2020

Costumes em países distantes que a covid-19 deu a conhecer



Argentina e Uruguai com o consumo de mate,  a Somália com o de khat. E as tristezas e tragédias do seu – esperemos que não duradouro – interregno de consumo. António Rodrigues explica.
CORONAVÍRUS: Mate e khat, vítimas secundárias da covid-19
O risco de infecção do coronavírus levou à imposição de restrições na bebida mais popular de Argentina e Uruguai. Cancelamentos de voos deixa somalis sem poder mascar a sua planta estimulante.
ANTÓNIO RODRIGUES        PÚBLICO, 3 de Abril de 2020o
Um mercado de khat fechado na Somália YAHYA ARHAB/EPA
A pandemia de coronavírus está a afectar a bebida mais popular de Argentina e Uruguai e o consumo de khat na Somália. Por razões diferentes, ambas decorrentes das imposições de saúde pública para controlar a expansão da covid-19, tanto os consumidores de mate – que os brasileiros conhecem como chimarrão –, como os de khat estão a ver os seus hábitos afectados.
Para os somalis, a questão é mais drástica, porque o cancelamento das ligações aéreas entre a Somália e o Quénia e a Etiópia, países produtores da planta estimulante, usada há séculos no corno de África, deixou os consumidores do país sem o seu estimulante habitual. A planta precisa de ser consumida fresca para ter o efeito desejado, sem os aviões para trazer o produto até Mogadíscio assim que é colhido, desaparece o mercado.
Para Halima Ali Mohamud, uma mãe viúva de cinco filhos, a falta de khat é mais do que uma dor de cabeça é o desespero de quem passou a vida a vender a planta e dela depende para a sobrevivência da sua família.Vender khat é o único trabalho que tenho desde que era jovem”, contou à Al Jazeera. “Não tenho outra profissão. É um negócio lucrativo. Com o khat, posso alimentar a minha família, a minha renda, assim como as propinas da escola.
Mastigar o khat tem o mesmo efeito que beber café pela manhã e na África Oriental é prática mais antiga que o café. Mais de dez milhões de pessoas consomem a planta diariamente. Na Somália, é também uma planta de convívio entre os homens, que se juntam em grupos para mastigar e conversar. Uma prática que também deixou de ser recomendada em tempos de distância social para evitar a transmissão do coronavírus.
E essa distância social que está a afectar o consumo de mate em dois países onde é omnipresente no quotidiano: Argentina e Uruguai. A infusão de erva-mate está ligada à conversa, ao convívio e mesmo que se tome sozinho, ao pequeno-almoço e ao lanche (é estimulante e transmite uma sensação de saciedade), costuma ser partilhada – um prepara (ceba) e vai passando à volta –, o que se tornou perigoso nesta altura, tendo em conta que todos partilham o mesmo tubo de metal (bombilla) para beber.
“Não deixo de tomar mate porque, simplesmente, não consigo, mas o espírito congregador, de proximidade, de cumplicidade, de reunião, perdi-o”, dizia à AFP o uruguaio Leonel García.
Como refere a secretária de Saúde da província de Santa Fé, Sonia Martorano: “Detectámos que houve muitos que foram infectados pelo coronavírus por partilhar o mate. Quer dizer que o mate agora é pessoal. Temos de nos cuidar por esse lado.” Há notícia da morte de uma mulher de 63 anos em Chaco, no Norte da Argentina, que tomou mate com aquela que é considerada a paciente zero nessa província.
A colheita de erva-mate está prestes a começar e a actividade não vai parar, mas os governos estão a tomar todas as medidas para garantir que as medidas de emergência em vigor na Argentina e Uruguai são cumpridas. “A actividade da erva-mate está habilitada para realizar as tarefas correspondentes à colheita, secagem e moagem, mas esta dá-se num contexto particular de emergência sanitária. Por isso, decidiu-se reforçar os controlos de transporte do pessoal e de cumprimento das normas sanitárias”, referiu Martin Ibarguren, o sub-secretário de Planeamento do Ministério da Agricultura da província de Missiones, onde se produz, junto com o norte da província de Corrientes, a erva-mate da Argentina, o maior exportador mundial.
O Quénia exporta habitualmente 50 toneladas de khat diárias para a Somália (país com clima demasiado quente e seco para uma planta que precisa de grandes quantidades de água), como contou ao New York Times Kimathi Munjuri, presidente da maior associação queniana de comércio de khat. Vendido a 4,60 euros o quilo, dá 230 mil euros por dia de receitas perdidas, ou quase sete milhões de euros por mês.

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