Argentina e Uruguai
com
o consumo de mate, a Somália com o de khat. E as tristezas e tragédias do seu –
esperemos que não duradouro – interregno de consumo. António Rodrigues explica.
CORONAVÍRUS:
Mate e khat, vítimas secundárias da covid-19
O risco de infecção do coronavírus
levou à imposição de restrições na bebida mais popular de Argentina e Uruguai.
Cancelamentos de voos deixa somalis sem poder mascar a sua planta estimulante.
Um mercado de khat fechado na Somália
YAHYA ARHAB/EPA
A
pandemia de coronavírus está a afectar a bebida mais popular de Argentina e
Uruguai e o consumo de khat na Somália. Por razões diferentes, ambas decorrentes das
imposições de saúde pública para controlar a expansão da covid-19, tanto os
consumidores de mate – que os brasileiros conhecem como chimarrão –, como os de
khat estão a ver os seus hábitos afectados.
Para os somalis, a questão é mais
drástica, porque o cancelamento das ligações aéreas entre a Somália e o Quénia
e a Etiópia, países produtores da planta estimulante, usada há séculos no corno
de África, deixou os consumidores do país sem o seu estimulante habitual. A
planta precisa de ser consumida fresca para ter o efeito desejado, sem os
aviões para trazer o produto até Mogadíscio assim que é colhido, desaparece o
mercado.
Para
Halima Ali Mohamud, uma mãe viúva de cinco filhos, a falta de khat é mais do que uma dor de cabeça é
o desespero de quem passou a vida a vender a planta e dela depende para a sobrevivência
da sua família. “Vender khat é o único trabalho que tenho desde que era
jovem”, contou à Al Jazeera. “Não tenho outra profissão. É um negócio
lucrativo. Com o khat, posso alimentar a minha família, a minha renda, assim
como as propinas da escola.”
Mastigar o khat tem o mesmo efeito
que beber café pela manhã e na África Oriental é prática mais antiga que o
café. Mais de dez milhões de pessoas consomem a planta diariamente. Na Somália,
é também uma planta de convívio entre os homens, que se juntam em grupos para
mastigar e conversar. Uma prática que também deixou de ser recomendada em
tempos de distância social para evitar a transmissão do coronavírus.
E essa distância social que está a
afectar o consumo de mate em dois países onde é omnipresente no quotidiano:
Argentina e Uruguai. A infusão
de erva-mate está ligada à conversa, ao convívio e mesmo que se tome sozinho,
ao pequeno-almoço e ao lanche (é estimulante e transmite uma sensação de
saciedade), costuma ser partilhada – um prepara (ceba) e vai passando à volta
–, o que se tornou perigoso nesta altura, tendo em conta que todos partilham o
mesmo tubo de metal (bombilla) para beber.
“Não
deixo de tomar mate porque, simplesmente, não consigo, mas o espírito
congregador, de proximidade, de cumplicidade, de reunião, perdi-o”, dizia à AFP o uruguaio Leonel García.
Como
refere a secretária de Saúde da província de Santa Fé, Sonia
Martorano: “Detectámos
que houve muitos que foram infectados pelo coronavírus por partilhar o mate.
Quer dizer que o mate agora é pessoal. Temos de nos cuidar por esse lado.”
Há notícia da morte de uma mulher de 63 anos em Chaco, no Norte da Argentina,
que tomou mate com aquela que é considerada a paciente zero nessa província.
A
colheita de erva-mate está prestes a começar e a actividade não vai parar, mas
os governos estão a tomar todas as medidas para garantir que as medidas de
emergência em vigor na Argentina e Uruguai são cumpridas. “A actividade da
erva-mate está habilitada para realizar as tarefas correspondentes à colheita, secagem
e moagem, mas esta dá-se num contexto particular de emergência sanitária. Por
isso, decidiu-se reforçar os controlos de transporte do pessoal e de
cumprimento das normas sanitárias”,
referiu Martin Ibarguren, o sub-secretário de Planeamento do Ministério da
Agricultura da província de Missiones, onde se produz, junto com o norte da
província de Corrientes, a erva-mate da Argentina, o maior exportador
mundial.
O Quénia exporta
habitualmente 50 toneladas de khat diárias para a Somália (país com
clima demasiado quente e seco para uma planta que precisa de grandes
quantidades de água), como
contou ao New York Times Kimathi Munjuri, presidente da maior associação
queniana de comércio de khat. Vendido a 4,60 euros o quilo, dá 230
mil euros por dia de receitas perdidas, ou quase sete milhões de euros por mês.
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