quinta-feira, 30 de abril de 2020

EDUCAÇÃO, a quantas andas?



Parece um texto válido, este de Gonçalo Leite Velho sobre a retoma do ensino normal, em presença e com a necessária postura, de responsabilidade e desejo de saber real. Mas lembro o que se passou no 25 de Abril de há 46 anos, com passagens administrativas e correspondências de bacharelatos a licenciaturas, e as desordens posteriores em toda a sorte de ensinos, de indisciplina generalizada, - (que os governos da liberdade, centrados, entre outros ditames, em canções do tipo da tal gaivota com que Ermelinda Duarte empestava as consciências de um Zé Povinho apto a digerir-lhe o desafio, favorecedor de ascensões ou promoções, que a viragem à esquerda atabalhoadamente facultava), - tais desordens, digo, estão prontas a retomar-se, a pretexto, hoje, de um coronavírus enleador, que vem a calhar para o mesmo tipo de criaturas oportunistas, as quais esperam a mesma condescendência de então, para as suas ambições de realização. Parece-me, pois, criterioso, o texto de Gonçalo Leite Velho, mas não creio que resulte, ainda que o governo pretenda fingir que concede uma retoma de critérios adequados, de responsabilização. O pretexto do medo dispensa o pensamento honesto – este último, aliás, também convertido em pretexto.
Sair do medo
Não temos uma rede de Ensino Superior. Temos cada vez mais feudos, receosos de perder um pequeno poder, embrião de ideias tão alucinadas como substituir todo o ensino presencial por ensino à distância
GONÇALO LEITE VELHO , Presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup)
OBSERVADOR, 29 abr 2020
O regresso às aulas, tal como o regresso à vida, depende da nossa capacidade de vencer o medo. Ora, dificilmente se vence o medo sem esperança.
É certo que a melancolia deste confinamento atingiu o ponto. Ruckert-Lieder, com o discurso da chanceler Merkel a defender o fim do princípio da esperança – tão desolador como os célebres versos de Holderlin, sobre uma terra sem sulcos de arado.
Opto por citar outra alemã, Hannah Arendt, recordando que: “as pessoas estão dotadas da capacidade de começar e por isso podem realizar o inesperado e infinitamente improvável. A capacidade de actuar é a possibilidade de realizar “milagres””.
É preciso actuar e manda a precaução que tenhamos vários planos, daqueles que são sociologicamente capazes de demonstrar porque falham as curvas das previsões matemáticas.
O SNESup fez o trabalho de casa. Atempadamente, preparámos uma lista sobre o que importava acautelar, no confinamento e a seguir no desconfinamento.
O ministro Manuel Heitor fingiu ignorar essa lista. Continuou na sua senda de não reunir com a organização mais representativa de docentes e investigadores (a lista de desprezo pela liberdade e independência sindical está cada vez mais longa). Depois, emulou parte dessa lista e enviou umas ideias vagas, para as instituições ponderarem. A confusão que se seguiu e as sucessivas aparições de reitores e presidentes de politécnico a dizerem tudo e o seu contrário, lembra a nau de insensatos.
Sejamos sinceros. Não temos uma rede de Ensino Superior e Ciência. Temos cada vez mais feudos, receosos de perder um pequeno poder e embrião de ideias tão alucinadas como substituir para sempre todo o ensino presencial por ensino à distância.
Esse desconcerto reflecte-se na equidade, dado que vamos ter diplomados com níveis de formação profundamente desequilibrados (uns efectivamente com parte prática, outros nada disso), aumentando uma desconfiança óbvia e nunca validada à partida (a avaliação da qualidade foi suspensa totalmente e sine die?). Não podemos deixar de estar preocupados com os alunos, nomeadamente os que estão em situações frágeis e que não terão a formação que deveriam ter.
A chave para sair do medo é a confiança. Não é algo que se conquista com um polícia em cada varanda. Conquista-se sim com a capacidade de nos sentirmos seguros perante um problema de saúde pública no nosso local de trabalho, como nos sentimos em casa, ou noutros espaços.
Daí as medidas de higiene propostas pelo SNESup, incluindo materiais e adaptação dos espaços lectivos, bem como a reorganização do tempo de trabalho e a dimensão das turmas, entre muitas outras, num regresso faseado.
Sairemos do medo quando nos sentirmos confiantes. Sem mais, nem menos. E é por isso que é tão importante o trabalho de comunidade, articulado, dialogante, representativo.
É nisso que estamos concentrados. Infelizmente, faltam os interlocutores. A razão é simples e reside num outro medo: o medo de perder o poder. Esse medo reflecte em sim uma impotência e a materialização dessa impotência é o cadeado sobre as instituições. Fica um país triste, isolado, descoordenado e com muito medo. Incapaz de restabelecer a confiança, a começar pelas instituições de ensino superior e ciência. Não pode ser. Não podemos continuar presos nisto.

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