quinta-feira, 2 de abril de 2020

Será?



Outros o disseram, ou parecido, ingénuos a respeito da dimensão mortífera do tal vírus, que até lhes apeteceu arrostá-lo, Johnson, Trump, Bolsonaro e foram por ele derrotados. É, de facto, uma medida drástica, esta dos governos, de porem de quarentena a maioria, arruinando com isso a economia, mas ignorando, nas medidas de auxílio, os trabalhadores independentes que cita. São sentimentos apreciáveis, esses que ressaltam na ironia do título do artigo, que dão a JMT um estatuto de humanidade, privilégio, esse, essencialmente da esquerda sensível aos desfavorecidos. Mas deveríamos ser gratos aos governos que tomam tais decisões e tentam remediar, dentro das possibilidades actuais, uma tal monstruosidade terráquea, invisível a olho nu. Afinal, não são só esses que JMT cita, como “invisíveis da pandemia” os mais sacrificados. Outros se sacrificam, e se expõem, bem visíveis e heróicos, sem quarentena burguesa, que lhes acuda.

Todavia, burguês ou não, esse privilégio só seria possível nestes nossos tempos em que a massificação tende a generalizar-se, por via também das tecnologias sofisticadas que possibilitam as comunicações a distância e a informação vasta, de pandemónio, sim, ou de desolação, mas também de seara de beleza e ensinamento vário, suavizante, a que devemos ser agradecidos.


OPINIÃO CORONAVÍRUS
A quarentena é um privilégio burguês
É muito possível que no meio das nossas excelentes intenções humanitárias estejamos a destruir a vida à parte mais vulnerável da população, para a qual ficar em casa é um luxo a que não se pode dar.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 31 de Março de 2020
Pergunto: quantas pessoas que estão a ler este texto vão ter a sua conta bancária reduzida a zeros no final de Abril? Não me refiro a uma conta mais vazia do que é hábito ou na dificuldade de manter o estilo de vida. Refiro-me a um saldo negativo e à ausência de poupanças ou de familiares a quem recorrer. Quantas pessoas que lêem estas palavras estarão tão depauperadas que lhes faltará dinheiro para pagar a conta do supermercado? A minha resposta, sendo intuitiva, parece-me óbvia: não serão muitas. As pessoas mais profundamente necessitadas não vêm aqui. Não lêem o PÚBLICO. Não frequentam diariamente as redes sociais. Não pertencem à classe média, onde são fabricados os consensos, se decidem as eleições e se constrói a chamada “opinião pública”.
As pessoas de que falo têm dificuldade em fazer-se ouvir publicamente e até privadamente. Não pertencem aos nossos círculos de amizade, a não ser através de esporádicos contactos comerciais ou de frágeis relações laborais, porque vão lá a casa passar a ferro e limpar o chão, o que não é a mesma coisa. Nisso, os comunistas têm absoluta razão: a grande divisão social continua a ser, ontem como hoje, a divisão de classe. Os invisíveis da pandemia são o trabalhador de construção civil que sai de casa todos os dias de madrugada mas que agora tem o estaleiro fechado; a empregada doméstica que não tem qualquer contrato de trabalho com o patrão e que está neste momento dependente da sua boa-vontade; o biscateiro que vive de pequenas empreitadas que deixaram de existir; o feirante que deixou de ter feiras; os milhares de imigrantes ilegais sem qualquer protecção social; os numerosos trabalhadores informais espalhados pelo país.
Os invisíveis da nossa sociedade são, em conjunto com os idosos, aqueles que mais nos deveriam preocupar nesta hora – mas será que eles estão no topo das nossas preocupações? Sem ordenado fixo, sem reforma, sem subsídio de desemprego à disposição, e, ainda por cima, com uma enorme desvantagem em relação às classes baixas do século XIX: hoje são minoritários (felizmente para a sociedade; infelizmente para eles) e o seu poder de reivindicação está brutalmente limitado. As medidas económicas colocadas à disposição de todos os portugueses podem até permitir-lhes manter casa, água, gás e luz ao longo dos próximos meses, mas não os irão ajudar na hora de as suas contas baterem no vermelho.
Convém que todos tenhamos boa consciência disto: esta quarentena é um privilégio burguês. A maior parte da sociedade chegou a um estado de desenvolvimento tal que, para proteger a saúde pública, pode decidir enclausurar-se durante várias semanas e suportar o afundamento da economia. Contudo, não é, de todo, claro que para muitas centenas de milhares de portugueses essa seja uma opção viável. A fragilidade desse conjunto de pessoas deveria ser uma prioridade nacional, sobretudo numa altura em que nós estamos virados – com boas razões – para o nosso próprio umbigo. É possível que os invisíveis necessitem do chamado “helicopter money” atirado directamente para as suas contas pessoais; é possível que as suas situações necessitem de muito maior visibilidade por parte da comunicação social (que tem de começar a visitar mais regularmente os bairros sociais); e, sobretudo, é muito possível que no meio das nossas excelentes intenções humanitárias estejamos a destruir a vida à parte mais vulnerável da população, para a qual ficar em casa é um luxo a que não se pode dar.
Jornalista
COMENTÁRIOS:
ricardo111 EXPERIENTE : O João Miguel Tavares claramente vive uma vida muito protegida se ele pensa que a maioria da classe média em Portugal tem poupanças significativas. Ó João, se a vida da autoproclamada classe média cá fosse assim tanto um paraíso de rosas, como é que na maioria dos casos têm marido e mulher de trabalhar os dois 10h/dia só para se manterem à tona quando antigamente um único ordenado fabril dava para uma família inteira? Na realidade quase não há classe média cá, já que o neoliberalismo praticamente destruiu os rendimentos do trabalho: somos quase todos classe trabalhadora mas há muitos que por trabalharem em escritórios pensam que são melhores que os que trabalham em fábricas, mesmo quando as suas carteiras não reflectem essa "superioridade".
Tiago Vasconcelos EXPERIENTE: Antigamente um ordenado dava para uma família inteira também porque as pessoas viviam mais de acordo com as suas possibilidades. Agora as pessoas consideram "essenciais" coisas como ter TV por cabo.
OldVic1 MODERADOR: ... e algumas defendem o direito a viver onde querem e não onde podem, desde que outros paguem a diferença.
ana amaro.886896 INICIANTE: Óptima análise. É caricato constatar como o microcosmo burguês-marxista, que aqui se manifesta e nesta publicação se abriga, não tem a mínima noção do que é a vida real para 99% dos portugueses ou qualquer contacto, por distante que seja, com a realidade do país. Na verdade, nada espanta que assim seja. Considerando que 99.9% de tais almas não só se alimentam do erário público pelas mais diversas vias como têm 'emprego' assegurado para a vida. E não só estarão no fim disto na exacta mesma circunstância em que se encontravam à partida, como ainda têm a desfaçatez de aceitar um aumento no ordenado a partir de amanhã. Enfim, a vergonha de sempre, num país sob absoluto sequestro corporativo e da corrupção, que o impedem de crescer e se tornar num local civilizado e habitável. 31.03.2020
Conde do Cruzeiro MODERADOR: "Na verdade, nada espanta que assim seja. Considerando que 99.9% de tais almas não só se alimentam do erário público pelas mais diversas vias como têm 'emprego' assegurado para a vida. " Dona Ana, era melhor fazer a prova dos nove à sua conta ela está errada e estragou o seu panfleto.
31.03.2020 23:20
ricardo111 EXPERIENTE: No universo imaginário onde vivem os coitados que acham que tudo o resto é marxismo, a matemática é - tal como eles - "especial" e segundo ela 99.99% das pessoas alimentarem-se do erário público é um número absolutamente correcto e nada inventado.
Janus INICIANTE: Uma versão portuguesa do Bolsonaro! Vamos lá abrir feiras, obras, igrejas, etc. que isto é um resfriadinho! O SNS, um privilégio burguês, trata do assunto! O que lemos, vemos e ouvimos sobre o vírus em todo o mundo é tudo um exagero! Mas em que planeta é que esta alminha vive? Um privilégio burguês é opinar sobre o que se desconhece sem se levantar da cadeira, é não tomar decisões e não fazer nada, a não ser exercer uma actividade ociosa e inútil. Compreendo a angústia do opinador quando acorda de manhã sem saber o que vai escrever, mas escreva alguma coisa positiva de vez em quando! Se não consegue, entre em quarenta! Os portugueses agradecem! Já basta estarmos deprimidos e fechados em casa! Todos viveríamos bem melhor sem este privilégio burguês! 31.03.2020
Sandra Rodrigues INICIANTE: Provavelmente queria dizer «O confinamento é luxo de mandrião». O artigo sugere que aqueles em confinamento estão em delicioso ócio. Pois, parece-me que os tais «burgueses» para poderem pagar as suas contas ao fim do mês também laboram. Cada um faz o que lhe compete...como as abelhas! 31.03.2020
vitor libanio unipessoal INICIANTE: Sendo um bom artigo, não passa de um pequeno beliscão no assunto; o que dizer de um presidente, que declara estado de emergência, sem existir um plano nacional? O que dizer de um governo, que somente anuncia o que seria necessário e sua obrigação fazer? O que dizer de uma oposição que nada diz, a não ser ruido? O que dizer de uma comunicação social (desculpem o lapso) que somente intoxica quem “assiste”? O que dizer a todos aqueles, que estão em casa, em que condições? O que dizer a isto que chamam de comunidade europeia? 31.03.2020
Artur Barrio INICIANTE Excelente artigo, João Miguel Tavares. 31.03.2020
Jose MODERADOR: Se o novo coronavírus só contagiasse pobres nem se falaria dele. No momento em que surgir medicação eficaz para a covid-19 deixará de falar-se disso, os ricos voltarão às suas empresas continuando a fazer pobres nos seus postos de trabalho. O medicamento terá o preço à medida do rico, será distribuído informalmente e a pandemia virará anedota. Se tudo acontecer rápido. Se for lento então chegaremos à situação de ter os bolsos cheios de notas e não comprarão o que não existirá à venda. Talvez o mercado negro floresça e uma nova burguesia nele se instale. Em Portugal ha cerca de 2 milhões de portugueses que não tem conta bancária. Não será com piedosas expiações que se fará a igualdade através do medo do vírus. Na hora da ruptura a fome falará mais alto que o medo. A luta voltará às ruas. 31.03.2020
Silva Silva INICIANTE: A verdade é que os mais ricos em Portugal estão muito caladinhos fechados em casa em vez de dar a mão e ajudar... Mas quando a bolsa desce ou aparece um buraquinho são os primeiros a estender a mão. 31.03.2020
Jose Saraiva INICIANTE: Toda a gente tão cheia de certezas. Pois, é verdade: para muita gente ficar em casa, não ir trabalhar, é um suicídio. E para muita gente, irem todos trabalhar, continuar como se nada fosse, é uma sentença de morte. JMT está disposto a pagar esse preço, desde que seja pago por outros? Se não, então peçam apoio para as pessoas, e não para as empresas a eito, muitas das quais recolheram chorudos proveitos anos a fio, sempre a protestar contra o Estado, e agora choram baba e ranho por ele. 31.03.2020
MARIA MARTINS PEREIRA INICIANTE: Muito gente está a trabalhar e a arriscar a vida e ganha 635 eur, logo quem está em casa de quarentena não sei se é burguês ou não. 31.03.2020
asvenancio INICIANTE: Importantíssima chamada de atenção, de alerta: ainda para mais, quando se pode deixar de pagar salários sem ter de despedir ninguém: o nosso governo, e muitos outros, estão a tratar esta crise como outras anteriores e, por isso, estão a aplicar a mesma medicação, agora em doses mais fortes... mas esta crise do covid é diferente, não se trata de "mais do mesmo" mas antes de algo completamente novo que requer, obviamente, nova medicação. Para além dos planos de acção na área da saúde, os nossos governantes deveriam estar, há muito, a preparar um plano de acção nacional que tenha, como objectivo único, GARANTIR, que ninguém em Portugal vai passar FOME em consequência desta dramática e devastadora crise. Parabéns e obrigado João Tavares por mais este seu artigo. 31.03.2020
Carlos Cunha INICIANTE: notícia do Público de hoje, em reforço da crónica do JMT: "Rei da Tailândia faz quarentena com 20 mulheres em hotel alemão. A actual pandemia de coronavírus dita o isolamento social, mas o rei Maha Vajiralongkorn – Rama X – faz a quarentena de outra forma, com o seu harém de 20 mulheres, num hotel na Baviera, numa excepção à lei local do estado de emergência da região alemã. A estância de luxo, o Grand Hotel Sonnenbichl, em Garmisch-Partenkirchen, foi reservada na totalidade pelo monarca, com “permissão especial” do distrito para o acomodar e à sua comitiva – que inclui as 20 concubinas e múltiplos empregados, não sendo claro se as quatro esposas de Rama X estarão incluídas. 31.03.2020
James Jakub INICIANTE: Nós os assinantes do PUBLICO e que podem (ou Não) estar em quarentena temos que pedir perdão ao Grande Tavares por sermos um burgueses cheios de dinheiro que estamos a aproveitar a pandemia para ficar em casa. Burgueses, covardes e preguiçosos. Nenhum de nós tem a capacidade de entender os problemas económicos que terão de ser resolvidos. Somos cúmplices desses médicos e cientistas que nos querem destruir e controlar. Mas ouçam pobres e miseráveis, vocês não estão nem estarão sós na vossa luta pela sobrevivência, o Grande Tavares está atento e a liderar a guerra de resistência. 31.03.2020
Manuel Dias MODERADOR: Fale por si. Não me lembro de lhe passar procuração para falar em nome de todos. 31.03.2020
Novo Humbo MODERADOR: Não percebeu nada, este outro JJ... 31.03.2020
James Jakub INICIANTE: Manuel, é claro que falo por mim! Você poderia não se lembrar de passar uma procuração para falar em seu nome, agora você passar uma procuração para falar em nome de todos!!! Kkkk Quem você acha que é? Relembro-lhe que o meu comentário é uma resposta ao texto do João Miguel Tavares, nem sequer é um ataque à pessoa, é ao texto! Ele com certeza sabe que sempre que escreve irá ter quem concorde e que discorde. E com certeza ele que se diverte com isso porque senão deixaria de ser polémico e escreveria de outra forma. Escreva. concorde, discorde mas sem procurações, ficaria muito burocrático! 31.03.2020
vitor libanio unipessoal INICIANTE Sendo um bom artigo, não passa de um pequeno beliscão no assunto; o que dizer de um presidente, que declara estado de emergência, sem existir um plano nacional ? O que dizer de um governo, que somente anuncia o que seria necessário e sua obrigação fazer? O que dizer de uma oposição que nada diz, a não ser ruido? O que dizer de uma comunicação social (desculpem o lapso) que somente intoxica quem “assiste”? O que dizer a todos aqueles, que estão em casa, em que condições? O que dizer a isto que chamam de comunidade europeia? 31.03.2020
Célia Rosa Almeida INICIANTE: Parece-me que "privilégio burguês " pretende ser um insulto(zinho) . Nestas condições em que vivemos insultos é o que menos precisamos. Vamos todos ficar mais pobres isso é certo. Muitos até falidos. Mas com certeza muitos estaremos mortos, burgueses ou não. 31.03.2020
Liberal Duro de Desactivar e Muito EXPERIENTE: Muitos, na sua opinião. A gripe tradicional mata 4.000 portugueses por ano. Ano sim, ano sim. 31.03.2020


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