Sem vergonha na cara. Alberto Gonçalves analisa, naturalmente envergonhado.
25 de Abril sempre, liberdade nunca mais!
A sobranceria é evidente; a
humilhação, absoluta. E o pior nem é celebrar “Abril” durante o “confinamento”,
em que os cidadãos sofrem uma existência limitada. O pior é a maioria agradecer
o enxovalho.
ALBERTO GONÇALVES,
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 25 abr
2020
Eu não sei o que é o 25 de Abril. Variado nas intenções e nos
interesses, nas oportunidades e nos oportunismos, nos aproveitamentos e nas
dissimulações, o 25 de Abril de 1974 é um acontecimento polissémico ou, para
evitar palavras feias, propício a equívocos.
Se não entrarmos em pormenores, o dia inicial até pode ter sido inteiro e
limpo. Os dias, as semanas e os meses posteriores foram fragmentados e
sujinhos. Simplificando um bocado, há os que abominam a data porque gostavam
do regime anterior. Há os que gostavam que a data tivesse significado a
instauração do regime minimamente civilizado que apenas começaria em Novembro
do ano seguinte. E há os que gostam da data por força de uma ilusão
retroactiva, ligada ao PREC e à arrogância dos simples. Os primeiros, que apreciam genuinamente o
salazarismo, não contam para esta história. Os segundos têm da História uma
visão cautelosa e agridoce. Os terceiros, designados a mandar nisto através
do PS ou mantidos em cavernas cheias de sombras marxistas, apoderaram-se do 25
de Abril. Pela parte que me toca, que façam bom proveito. Mas não esperem que
uma pessoa adulta leve essa pessegada a sério.
Eu
não levo o 25 de Abril a sério. É impossível levar a sério muitos dos
que dizem celebrar o 25 de Abril para celebrar a liberdade. Todos os
socialistas querem celebrar a liberdade? Os comunistas, seja de que seita
forem, querem celebrar a liberdade? Os partidários de uma cultura da divisão,
do conflito e do ódio querem celebrar a liberdade? Os que defendem, ou toleram,
regimes totalitários, fuzilamentos pedagógicos, prisões por dissidência,
censura, saneamentos e atraso de vida generalizado querem celebrar a liberdade? A liberdade é a maior inimiga dessa gente. Na boca de boa parte dos entusiastas de “Abril”, a
liberdade deve ser entendida no sentido irónico, à semelhança das designações
oficiais de certos países: se possuem “democrático” ou “popular” no nome, é
garantido que aí não há democracia nenhuma e o povo é esmagado sem cerimónias.
Em “Abril”, as únicas cerimónias são as festas dessa gente.
Eu não festejo o 25 de Abril. Não
festejo liberdades celebradas por inimigos da liberdade, ou por criaturas
que no mínimo exibem um conceito peculiar de liberdade. Não quero pertencer a
um clube que aceite o dr. Ferro como membro. E o dr. Costa. E as carmelitas do
BE. E Manuel Alegre. E Jerónimo de Sousa. E frei Januário. E frei Anacleto
Louçã. E até frei Marcelo, que se curvou a Fidel para cumprir, cito, um sonho
de infância. Pelo amor de Deus: se alguém com o currículo do dr. Fernando
Rosas venera “Abril”, ou “Abril” está estragado ou o dr. Rosas está enganado. Milhares de fãs do 25 de Abril não podem estar
enganados, logo é plausível que o 25 de Abril seja realmente deles, e não se
recomende.
Eu não recomendo o 25 de Abril. Respeito
os propósitos – traídos – de alguns dos protagonistas do golpe de Estado
(revolução é uma coisa diferente). Porém, verifico que não são esses propósitos
que a maioria dos devotos de “Abril” respeita. Pelas portas que “Abril”
abriu entraram inúmeros candidatos a déspotas, empenhados em trocar uma
ditadura má por uma ditadura péssima. E peritos em apontar o dedo aos que
duvidavam dos méritos da troca. Se não acendemos velinhas a “Abril”, somos
(venham de lá esses lábios trémulos) “fascistas” – como se recusar a peste
bubónica significasse estimar o escorbuto. Eles sabem que não
somos. Eles sabem que fascistas,
de facção vermelha e com a carga folclórica e medonha do termo às costas, são
eles próprios. Porém, definir assim os hereges evita que os hereges os definam
primeiro. “Abril” é uma igreja, com os seus santinhos, os seus pastores
inflamados, os seus fanáticos, as suas rezas.
Eu não rezo pelo 25 de Abril. Se
soubesse, rezaria para nos livrarmos do monumento à infantilidade que as
respectivas comemorações simbolizavam. E à prepotência que, em
2020, passaram a simbolizar. Os acólitos
da data andaram décadas a benzer relíquias sem que, fora do culto, alguém lhes
prestasse atenção. Este ano descobriram a maneira de a eucaristia
dar nas vistas: fechar a ralé em casa a pretexto de um vírus enquanto os
acólitos passeiam descaradamente pelo “edifício grande” de São Bento. Nas ruas, a polícia vigia os movimentos dissidentes.
Como em Meca, altifalantes convocam os crentes a cantar a “Grândola” nas
janelas. O Bloco de Esquerda publica um folheto que determina as regras da
cantoria. Autarquias promovem concertos sortidos, decerto reservados aos fiéis.
A CGTP organiza manifestações no 1º de Maio, durante novo, e ilegal, recolher
obrigatório. A sobranceria é evidente; a humilhação, absoluta. E o pior nem é
celebrar “Abril” durante o “confinamento” do covid, em que os cidadãos sofrem
uma existência limitada e parcial.
O pior é a maioria dos cidadãos agradecer o enxovalho. O pior é os que celebram
serem os que teimam em reformar o mundo por causa do vírus, os que anseiam pela
“nova normalidade”, os que, enfim, detestavam o que havia até agora. O pior é
“Abril” consagrar-se sobre as ruínas da sociedade moderadamente confortável e
vagamente tolerável que tínhamos ainda há pouco. O pior é o “Abril” que eles
sonharam, feito de opressão e pobreza, prometer estender-se aos meses e anos
seguintes. “Abril” sempre, para nossa desgraça.
P.S.
(abrenúncio): hoje, às 15, cumprirei o dever de súbdito e lá estarei na
varanda.
Grândola, mas temos pena
De tamanha falsidade
Nós presos na quarentena
A cantar a “liberdade”
De tamanha falsidade
Nós presos na quarentena
A cantar a “liberdade”
Eles andam à vontade
Nós presos na quarentena
De tamanha falsidade
Grândola, nós temos pena
Nós presos na quarentena
De tamanha falsidade
Grândola, nós temos pena
Em cada janela um chibo
Privado de dignidade
Grândola, mas temos pena
De tamanha falsidade
Privado de dignidade
Grândola, mas temos pena
De tamanha falsidade
De tamanha falsidade
Grândola, nós temos pena
Eles na legalidade
Nós presos na quarentena
Grândola, nós temos pena
Eles na legalidade
Nós presos na quarentena
À sombra da segurança
Tão avessa à liberdade
Uma ditadura avança
Com total impunidade
Tão avessa à liberdade
Uma ditadura avança
Com total impunidade
Com total impunidade
Uma ditadura avança
Até vir a austeridade
Acabar com a festança
Uma ditadura avança
Até vir a austeridade
Acabar com a festança
(repetir até cair para o lado – ou até receber, por
parte das autoridades competentes, ordens para fazer uma pausa)
25 DE ABRIL PAÍS
COMENTÁRIOS
COMENTÁRIOS
Carlos Quartel: O regime
estava num beco, jurássicos como Tomaz e Casal Ribeiro travaram a primavera
marcelista e o 25A foi um alívio para o povo. Inicialmente uma rebelião
corporativa, o apoio popular fez dele uma revolução. Que tenha sido capturado
pelo PC, estalinista de quatro costados, foi um incidente previsível. O PC era
a única organização com máquina a trabalhar, povoou todos centros de poder com
os seus funcionários, e só o 25Nov75 resolveu a questão. Continua a existir,
tem gente que vota neles e tem a boca cheia de liberdade. Da liberdade de
Saramago no DN, das nacionalizações e roubos vários (herdades assaltadas e
donos em pânico) da unicidade sindical e de outras pérolas de liberdade. Pena
que o povo não saiba isto, sabem mais sobre os calos do Cristiano, e é aí que
está o problema, é aí que sempre esteve o problema : na ignorância e na néscia
apatia dos portugueses. Há que viver com isso ......
Adelino Lopes: Costumo
identificar-me de direita. Defendo a liberdade e sou democrata. Ao ponto de
tolerar que existam não democratas na sociedade. É como defender a vida, apesar
dos vírus e das bactérias que nos matam. Agora, gostava que o meu sistema
imunitário fosse semelhante ao do AG, apesar de me reservar a poder discordar.
De facto, neste caso, AG não só consegue detectar/identificar os “vírus” da
liberdade, como ainda consegue expô-los ao ridículo. Que a mão que escreve nunca
lhe doa.
JB Dias: Subscrevo,
dando nota de igualmente não conseguir compreender os que não só agradecem como
inclusive clamam por ainda mais enxovalho. Os dirigentes do regime não vieram
de fora e muito menos são extra-terrestres ... são meramente o reflexo dos que
os elegeram e que assim os merecem. Para mal dos demais
Maria L Gingeira: Magnífico
Jorge Casquilho: Brilhante!
Muito obrigado pelos momentos de prazer que me tem proporcionado ao ler as suas
crónicas. Coragem!
Ping PongYang: Abençoada
insónia... ontem Boneca de Luxo, hoje A Condessa Descalça... Ava
Gardner, Audrey Hepburn, o imortal Bogart... Por aqui, o também imortal (à sua
maneira) Doutor Gonçalves às voltas com o seu ódio a Portugal e aos Portugueses,
alardeando a sua incomparável série de despedimentos por justa causa...C'est la
vie!
Paulo Silva: Parabéns AG. Alguém
que diga o rei vai nu!... Caro AG, mas como é que pode pedir a um ‘paladino da
liberdade’ que não fique ébrio de felicidade com a derrota do inimigo estendido
no chão, e a obtenção da sua preciosa liberdadezinha? Não pode. E os donos
desta festa não gostam de celebrar sozinhos… Mas atenção, sempre à distancia
sanitária da sua superioridade moral. 46 longos anos de enganos e logros a
rumar ao socialismo, (o que nasce torto jamais se endireita), mas que tenham ao
menos um pingo de vergonha nas (más)caras… A celebração da Liberdade e da
Democracia sem Novembro vai coxa!
Lourenço de Almeida: Muito bem!
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