quarta-feira, 1 de abril de 2020

Luta de gigantes



O homem é um deles, atrevido qb. A natureza, o espaço, toda a Terra, afinal são o outro gigante, poderoso como ele só, que manda vendavais e furacões, tsunamis e sismos vários, para repor a sua dignidade de constantemente ofendido pelas marcas do domínio daquele, a espreitar os outros mundos, a criar ondas que enchem, de átomos de luz e som invisíveis, os espaços em redor, a enfiar-se em tudo quanto é tentativa de perscrutação do desconhecido, e do cada vez mais infinitamente pequeno, produzindo ondas e energias de tão extraordinária subtileza. Mas o povoamento da Terra aumenta, e cada vez mais o Homem invade a Terra e a vai esgotando e ressequindo, e dominando. Será vingança este coronavírus? Na Bíblia, tais provações infringidas ao Homem eram determinadas por Jeová, para castigar os desaforos humanos. E assim nos deu Sodoma e Gomorra, e o dilúvio universal e a torre de Babel a criar a algaraviada humana. O certo é que o Apocalipse também advertiu sobre a destruição, para estes nossos tempos. Mas uma tal coisa invisível a olho nu – que o homem superior consegue, contudo, determinar, a olho armado – que está a esfacelar as pessoas com tal dimensão de perfídia sinuosa, nem ao Jeová lembraria, que tratava de castigos bem concretos, sólidos ou aquosos. Outras pestes foram de proveniência animal, é certo, pelos tempos fora, e assim se descobriram vacinas de contra-ataque, pelo gigante-Homem.
Não há dúvida de que o Homem é um criador importante. Mas sujeita-se a um castigo severo, e este da Covid-19 é um, intraduzível de ostracismo traiçoeiro. Parar para pensar – nas razões inteligentes apresentadas por Gonçalo Ramos, baseado em ilustre tese que leu, sobre a mensagem que a natureza nos envia – é coisa que poderemos fazer, parados que estamos, e desejando não o ficar de vez, velhos que somos. E que o gigante humano descubra depressa a vacina contra uma tal natureza gigantesca…
Coronavírus: “A natureza está a enviar-nos uma mensagem”
“Não pode continuar tudo como de costume”, concordam peritos e autoridades entrevistados pelo Guardian. A directora executiva do Programa das Nações Unidas para o Ambiente já alerta que o combate à pandemia “deve ter em conta a perda de habitats e biodiversidade”.
PÚBLICO, 26 de Março de 2020,
A natureza está a enviar-nos uma mensagem.” Estas são palavras de Inger Andersen, directora executiva do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), das Nações Unidas, em plena pandemia de covid-19. As palavras de alerta foram registadas pelo Guardian, que apurou a mesma projecção junto de outros peritos da área.
Inger Andersen frisou que a prioridade imediata é proteger as populações do coronavírus, mas a resposta a longo prazo, continuou, “deve levar em conta a perda de habitats e biodiversidade”.
Três quartos das doenças infecciosas que têm surgido recentemente provêm da vida selvagem. “Nunca antes se deu tanta oportunidade para tal”, assinala Andersen, num período em que já temos uma “proximidade desconfortável dos animais e das plantas que têm doenças”, dada “a erosão continuada de espaços selvagens”.
A autoridade para a conservação apontaa nossa interconexão íntima com a natureza”. “Devemos cuidar [da natureza] ou não conseguiremos tomar conta de nós mesmos”, sublinhou. Esta é uma “necessidade para futuro que se avizinha (…), à medida que nos acercamos de uma população mundial de dez mil milhões de pessoas”.
Neste âmbito ainda, Aaron Bernstein, da Escola de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos, refere ao jornal britânico que “a separação da saúde e de políticas ambientais é uma fantasia perigosa”.
Andrew Cunningham, professor na Sociedade Zoológica de Londres, vê “o emergir e a propagação da covid-19” como tendo sido “previsíveis” dados surtos recentes, também bastante fatais, como o do ébola e do SARS. Como tal, a actual pandemia de covid-19 deve ser encarada como “um sinal de alerta” para o futuro porque o comportamento humano é “quase sempre a causa” destes eventos.
“Pensei que as coisas iam mudar depois do SARS, que já era uma enorme chamada de atenção à data”, assume o académico, que ficou desiludido quando, no fim do surto, “tudo continuou como de costume”, uma mentalidade que deve ser contrariada.
Cunningham apela ao encerramento permanente dos wet markets (mercados de animais selvagens ao ar livre) em todo o mundo — crê-se ter sido num, na China, que esteve a origem da covid-19 —, já que são “o cocktail perfeito para [uma doença] surgir”. Nestes mercados existe um “contacto íntimo de muitas pessoas com os fluidos desses animais”, que, no seu transporte até lá, vivem em ambientes propícios para a propagação de patogénicos.
Por sua vez, o ex-secretário-geral da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção, John Scanlon, vê no mercado negro global de animais selvagens um bode expiatório. Os países que importam deveriam impor obrigações legais para provar que “as importações foram legalmente obtidas sob as leis do país de origem” da mercadoria. “Tal abriria oportunidades novas para comunidades locais, e ver-se-iam a biodiversidade, os ecossistemas e as comunidades prosperarem.”
COMENTÁRIOS
António Manuel da Gonçalves INICIANTE: A natureza é sábia, mais uma vez, pôs em prática uma medida de contensão da praga humana. 27.03.2020
joaoteixeira INICIANTE : Infelizmente se continuarmos neste caminho (e tudo indica que assim seja) esta pandemia será só um prelúdio do que aí vem. 26.03.2020
chagas_antonio INICIANTE: Se as acções emocionadas como as de Greta Thunberg não são suficientes, talvez uns milhões de mortes repentinas cheguem para acordar a humanidade do seu torpor viciado no consumo e no crescimento insustentável. E se for assim, a guerra está apenas a começar. Agora é o COVID, depois serão os complexos militares-industriais, as economias depredadoras, as autocracias, os nacionalismos... temos muito trabalho pela frente. 26.03.2020
Lars Arens INICIANTE: Receio que mesmo assim, quando a escolha for entre o incómodo de mudar de hábitos (incl. hábitos alimentares etc) por um lado e o incómodo de uma pandemia com recessão económica por outro , a larga maioria dos humanos vai preferir as pandemias... 26.03.2020
chagas_antonio INICIANTE; Roma e Pavia não se fizeram num só dia - e o fácil dura pouco. 26.03.2020


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