sexta-feira, 10 de abril de 2020

As questões económicas



Há muito que esse desastre de esmorecimento da produção nacional sucedeu. Aquando da entrada – imprescindível – na CEE, embora com imposições agrícolas que liquidaram a a nossa agricultura. Lembro-me de que a fruta, por exemplo, tinha de ser medida a régua e a compasso, para poderem penetrar nas bancas dos supermercados… e os campos foram abandonados... por falta de régua... Ainda hoje o estão, embora os milhos tenham preenchido os espaços dos demais produtos… que, de resto, já poucos se dão ao trabalho de cultivar, de forma rentável, como se vê, por exemplo, na França, em programas exemplificativos de trabalho e esforço, acompanhado de mecanismos necessários para a rendibilidade…
Mais um texto de alerta, resultante de clausura, ao que parece, e que devia ser lido com atenção… Carlos Traguelho apresenta achegas úteis à tese de Salles da Fonseca.

HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 09.04.20
Quando, há anos, ouvi o então Ministro do Trabalho (curiosamente, o mesmo que actualmente ocupa o dito cargo) dizer que tínhamos que voltar à produção de bens transaccionáveis, não acreditei que aquela declaração produzisse a mais pequena alteração nos procedimentos até ali em curso. Lastimo ter que dizer o mesmo das declarações que ontem ou anteontem o Primeiro Ministro proferiu de que «temos que voltar a produzir o que nos habituámos a mandar vir da China». Eu bem queria que assim fosse mas não vejo como os políticos conseguirão dar conteúdo às suas virtuosas declarações. Claro está que Vieira da Silva já então se quedou pelas pias declarações e agora vai acontecer o mesmo em relação ao que disse o Dr. Costa.
E porquê? Porque vivemos numa economia dita liberal em que é suposto o Governo não dar ordens do género «Agora Você vai deixar de mandar vir isso lá de fora e vai passar a fabricar cá»; como também não é suposto o Banco de Portugal dizer ao banco A, B ou C que não pode fazer esta ou aquela operação sobre o estrangeiro inviabilizando importações. Pois se nem sequer se pode definir plafonds de crédito à bancaNum Estado democrático com políticas de inspiração liberal, as Autoridades apenas podem emitir políticas genéricas, supervisionar e, no máximo, actuar a posteriori: quem de direito legisla que se circula pela direita, o Governo produz os regulamentos inerentes, a Polícia vigia e, nas prevaricações, pune-se o infractor. É assim em praticamente todas as circunstâncias da actual governação no primeiro mundo.
Mas quando uma política não existe, nada se legisla sobre ela. É o caso da transparência dos mercados e da garantia da racionalidade dos preços, temas sobre os quais raros serão os políticos portugueses que alguma vez ouviram falar. E se ouviram, não perceberam ou fingiram não ter sequer ouvido.
E o que resulta desta ausência de políticas e da surdez dos nossos políticos?
Pois bem, resulta que a maior parte dos produtos de consumo corrente têm preços definidos por dois ou três Chefes de Compras das empresas proprietárias de grandes superfícies (não sei se combinados ou não entre si) esmifrando ao máximo a produção interna e deixando-a «pendurada» se ela não acompanha os preços da Bolsa de Chicago ou das ordens de Xi Jin Ping no que respeita à quinquilharia e demais produtos chineses. E ai dos bancos que não lhes abram os créditos inerentes! Arrasam a agricultura, as indústrias alimentares e os bancos mas esse é o lado para que dormem melhor. O negócio deles é fazerem boas compras (leia-se, aos preços que entendem mais lhes convir) e não zelar pelos interesses de quem os serve como fornecedores de bens ou de divisas. Quanto ao interesse nacional, que se lixe!
Solução?
Uma, principalmente: criação em Portugal de uma Bolsa de Mercadorias para a carne e para os cereais (necessariamente com operações sobre futuros) e se o legislador não souber por onde começar e não souber estudar por livros estrangeiros, peça ajuda à Bolsa de São Paulo que ensina tudo em português.
Mas é claro que o lobby do comércio não vai querer nada disto e vai ser necessária muita perseverança para conseguir defender os interesses da produção nacional.
A alternativa é mais uma Grande Falência Nacional – ao que já vamos estando habituados, aliás.
Recado ao Dr. Costa: - Ministros e quejandos mandam menos na economia portuguesa do que os Chefes de Compras das grandes superfícies.
E assim vou passando a clausura…   (continua)
Abril de 2020
Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS
Henrique Salles da Fonseca 09.04.2020: José António Pessanha gosta disto
Anónimo 09.04.2020: Numa tarde de 5ª Feira Santa, passada em confinamento, qualquer comentário só poderá ser triste. Há um aspecto que não tiveste em linha de conta, no que se refere aos produtos que importamos, mas que existem ou são produzidos em Portugal, eventualmente em quantidade inferior à procura, mas com possibilidade de expansão. Os tais a que te referes, chamando de consumo corrente e cuja aquisição (externa ou interna) está, como lembras, nas mãos de 2 ou 3 Chefes de Compras de empresas de grandes superfícies. Nesses casos o que nós, consumidores, poderemos fazer? Talvez um movimento cívico de promoção de consumo de produtos made in Portugal. Duvido que, por regras de EU, os Órgãos do Estado o possam promover, mas os cidadãos, sim. Lembro-me que, em momento de austeridade, havia essa postura, senão generalizada, pelo menos em grande parte. Recordo-me que nas prateleiras de fruta do Super Cor, perante as maçãs de Alcobaça ou as do Chile, preferia sempre as primeiras, embora de menor calibre e, quiçá, de gosto menos apurado. Talvez também seja altura de se equacionar a sério, eventualmente em parceria com entidades estrangeiras, que detenham know-how, ou capital, ou mercado, o ressurgimento de certa indústria que, nos anos 80, foi desmantelada, por razões várias. Aquele tinha que observar, porém, determinados critérios, mormente o de competitividade externa. O desejo do actual 1º Ministro, por exemplo, de fazer comboios em Portugal só é exequível com o renascimento da indústria metalomecânica pesada. Que saudades da Sorefame, da Equimetal, da Construtora Moderna e da Mague, só para falar das principais e às quais estive profissionalmente ligado directa ou indirectamente. Talvez este desejo, formulado na tarde de uma Quinta Feira Santa, venha a ser concretizado a prazo relativamente curto. Abraço amigo e Feliz Páscoa. Carlos Traguelho


Nenhum comentário: