De um homem
impotente contra as atribulações que vivemos hoje. Como todos estamos:
impotentes. Mesmo os que diariamente se arriscam, em favor dos mais, soldados
na frente da batalha, mas contra um inimigo assustador porque invisível.
Uma elegia
bem moderna, esta de António
Barreto. Porque tendo
a estrutura repetitiva da poesia e as lamentações específicas da sua espécie,
não deixa de ser uma análise objectivamente explícita de um fenómeno de
espantoso efeito numa situação de desconhecido fim.
OPINIÃO CORONAVÍRUS
O valor do humano
Parece história, mas história não é. É hoje. Vivemos
uma crise no presente e no futuro, sem saber ou suspeitar do desenlace.
Queremos saber tudo, já, mas nem sequer sabemos se estaremos cá para contar.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 5 de Abril de 2020
À pergunta “de que tem mais saudades?”, respondeu “do amor”. Ou então, “da minha liberdade”! Ou ainda, “dos meus amigos”.
Estes são os tempos em que a mulher
não pode abraçar o marido que vai morrer. A família não está autorizada a enterrar o avô.
O homem que vai trabalhar não se pode despedir da mulher. Os filhos não podem
visitar a mãe. O namorado está interdito de beijar a namorada. A mãe não pode
acariciar o filho. Os amigos não jantam juntos. Os irmãos estão proibidos de se
encontrar. Os fiéis não rezam aos seus deuses. Os
cristãos não estão juntos pela Páscoa. Os muçulmanos não vão à mesquita. Os judeus
não frequentam a sinagoga.
Estes são os dias em que os
trabalhadores estão condenados à paragem forçada. As máquinas imóveis nas
fábricas. Os aviões ficam alinhados na pista. Os carros eléctricos andam
vazios. O mercado não tem clientes, nem vendedores. Os comércios não têm
produtos para os quais, de qualquer maneira, não há compradores. Os cinemas não
exibem filmes. O restaurante não serve refeições. O quiosque não vende jornais.
Os hotéis não recebem turistas. A excursão foi adiada. As salas de museus
encontram-se vazias. As redacções dos jornais estão fechadas.
Vivemos
um presente em que os velhos não jogam a sueca no jardim. Os fãs não assistem
ao desafio de futebol. O bando não vai à noite beber copos e ouvir música. As
velhotas não fazem tricot à beira da porta, na má-língua. Os professores não ensinam diante dos seus alunos.
Os estudantes não ouvem aulas. As filarmónicas não tocam. Os coros não cantam.
As equipas não jogam. O médico não dorme em casa. A enfermeira não janta com a
família. Os velhos, nos lares, fogem uns dos outros.
Este é o terror. Que tentamos esconder. Com
a televisão e as séries. Com os computadores e os telemóveis. A arranjar
estantes. A arrumar roupa. A ler e reler livros. A escrever. A organizar
correspondência. A idealizar power points e
trabalhos de computador. A arranjar as fotografias de família. A reparar
máquinas. A coser roupa. A limpar a casa. A dormir. A descansar. É o terror que
queremos disfarçar com tarefas e projectos adiados.
É este desastre que tentamos
perceber. Ou explicar. Mas
apenas conseguimos encontrar o valor humano da nossa vida. O valor do presente. Para todos nós, para quase todos nós, o terror é
história. O que vivemos e nos preparamos para viver não tem termos de comparação.
Nem é a peste ou a cólera. Nem a varíola ou o sarampo. Ou a tuberculose e a
sida. Não que essas sejam ou tenham sido mais brandas, talvez não tenham sido.
Mas foram em tempo mais largo e espaço menor. Foram mais lentas. As notícias e
os vírus demoravam anos a espalhar-se. E também não é a gripe espanhola nem a asiática, que,
para todos nós, são história e nunca pensámos que poderiam ser actualidade. Nem
ocorreu que poderiam voltar a ser verdade. Mataram vidas,
milhares ou milhões. Mas não ameaçavam a vida.
É
terror, não é guerra,
não há inimigo a abater, não há adversário a estudar e a derrubar. Não é crise
económica, com indicadores, subsídios, indemnizações, esmolas, assistência e
direitos sociais. Não é crise com manipuladores dos preços e especuladores das
finanças. Não é conflito internacional com exércitos, provocações, inimigos e
batalhas. Não é nada do que conhecemos. As chamadas grandes guerras mundiais, a primeira e a
segunda, são história. As gripes e as pestes são história. As crises do
petróleo, a descolonização, as invasões e as guerras civis na antiga
Jugoslávia, no Próximo Oriente e na Ásia do Sudeste já são história, foram
reais e terríveis, mas não são comparáveis ao que temos aí!
Aqui, agora, ninguém ataca ninguém. Ninguém abate ninguém, mas são
homens e mulheres abatidos. As
vítimas não são escolhidas. Os vírus não matam de preferência brancos, negros,
indianos ou índios. Não perguntam a religião nem o partido político. Não querem
saber que línguas falam as vítimas. O que não quer dizer que os países
pobres não sejam mais vulneráveis, que os Estados sem estruturas não sejam mais
frágeis e que as nações mais povoadas e menos desenvolvidas não sejam mais
fracas. E a verdade é que, por enquanto, os países mais poderosos do mundo são
os que actualmente exibem os piores indicadores. Mas não sabemos se os países
mais frágeis e mais pobres da Ásia, de África ou da América Latina não venham a
ter crises iguais ou piores.
Parece história, mas história não é. É hoje. Vivemos uma crise no presente e no futuro, sem
saber ou suspeitar do desenlace. Queremos saber tudo, já, mas nem sequer
sabemos se estaremos cá para contar. E, todavia, há tantos que sabem tudo!
Tantos que têm a certeza das máscaras, das luvas e das viseiras. Tantos que têm
a certeza do que deve ser feito nas ruas, nos comércios, nas escolas e nos
hospitais. Tantos que têm programas impecáveis para reabilitar já a economia,
evitar a crise social, distribuir dinheiro, nacionalizar, racionalizar, impedir
o desemprego e a falência.
Uns sabem o que se passa. Outros o que deve ser feito. Toda a gente
quer aproveitar a pandemia para realizar as suas fantasias. Os tolos querem
acabar com o capitalismo. Os idiotas com o socialismo. Os desavergonhados
desejam ganhar dinheiro. Os tresloucados pretendem conquistar o poder. E os
intriguistas dedicam-se a encontrar culpados. Os ressabiados procuram denunciar
os trafulhas. E os vigaristas só pensam em aproveitar. Verdade é que sabemos tão pouco!
No início deste desastre, todos
sabiam tudo, os loucos perderam a cabeça e disseram o que já esquecem. Passados
os primeiros tempos, os que tudo sabem começaram a acalmar-se. Os políticos que
cometeram erros enormes, agora corrigem. Outros deram garantias demagógicas,
agora acalmam-se. Mas muitos, cada vez mais, percebem que são os homens e as
mulheres que estão em causa. Os sentimentos e as famílias. A vida e o amor.
Afaste-se a mentira e a demagogia, festejemos a razão e aceitemos a lágrima. A
ciência e a pieguice fazem parte do humano. São humanas. A lágrima fácil e o
raciocínio frio. O oportunismo e a sensatez. A aflição e a serenidade. Todos
são humanos. Como humana é esta sensação de que a ciência avanço tanto e a vida
mantém-se tão frágil.
Mas o valor do humano não está
na suficiência nem na presunção. O real valor do humano está na generosidade e
na entrega. Na procura e na humildade. Até na fragilidade. Por isso é
preferível a incerteza do biólogo, a dúvida do virologista e a cautela do
médico à certeza do político, à sofisticação do sociólogo e à garantia do
economista.
Sociólogo
COMENTÁRIOS:
Antonio Leitao EXPERIENTE: : Qual é sinceramente a mensagem do texto? É
contraditório e confuso, sem ser poético e escorreito. Não diz nada e diz
tudo...
EuQuixote EXPERIENTE: uma mão cheia de nada trazida de lugares comuns.
Esperava melhor, mais analítico e até provocador; talvez também seja o tempo,
do brilho embaciar nas mentes dos mais brilhantes.
Manuel AR INICIANTE: Aqui está um tesourinho deprimente para aliviar as
mentes da tragédia, a necessidade pela originalidade às vezes peca pelo
despropósito.
Fowler Fowler INICIANTE: Chama-se a isto exponenciar as emoções contidas na
lista semanal do “terror”, elaborada pelo autor à frente da TV. Compreende-se.
Porém, em tudo o resto, mais que exibição de sensibilidades e lirismos, é
necessário bom senso e aprumo de todos. A situação assim o exige.
Jose MODERADOR: António Barreto voltou a ser razoável. Não pode correr
tudo mal. Uma boa mensagem para todos os actores.
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