Se António Costa se tivesse
decidido a seguir vaidosamente as teorias enérgicas de continuar a vida “comme si de rien n’était”, como fizeram inicialmente
B. Johnson ou D. Trump, ou até Bolsonaro, dando largas a um trejeito heróico que, viu-se, não
passou de inconsciente arrogância, seria asperamente por todos criticado. É
certo que o “sangue, suor e lágrimas”
não quadra aos nossos apetites prazerosos lusitanos, no seu contexto churchilliano
de luta e heroísmo, pese embora o esforço grande dos vários intervenientes em
“liberdade” para prover às necessidades dos encarcerados, (digo, “confinados”, mais politicamente actual),
heróis sem bandeira nesta guerra sem fronteiras, em que muito se arriscam, naturalmente,
por imposições específicas dos seus ofícios, a que não podem furtar-se, já que
a imobilidade total significaria a transformação do mundo no “néant” absoluto que
ninguém deseja, é claro. Como A.
Costa, inspirado no que foi aprendendo de experiências alheias motivadoras, preferiu
defender as vidas do país que tem a obrigação de proteger, (para além da
protecção económica em que a obrigação é menos rígida, por depender de
variadíssimos factores de acesso nem sempre fácil), é atacado por esta política
de imobilismo trágico, não só presente em muitas mais zonas do mundo, mas de
imobilismo económico futuro, certamente em quase todos os países. Pelo menos nos
que forem como nós, nação que somos de escassa vitalidade económica, ao que se
diz, pouco activos porque mal pagos, ou mal pagos porque pouco activos... Maria João Avillez
naturalmente aflige-se, num país que mergulha, como outros, no desastre
financeiro, mas que, esperemo-lo, irá atamancando “tant bien que mal” essa vida, como sempre e desde sempre foi, país
aperreado de burocracias e de ambições canalizadas para os com mais jeito açambarcador...
Os dias. E as rosas /premium
Não usem o confinamento como solução, não
nos deixem à espera para ganharem o tempo que precisam para saber o que fazer.
O confinamento não pode passar de pontual bóia de salvação. Ou estratagema.
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 15 ABR
2020,
1Sim,
três vezes sim: é melhor,
mil vezes melhor, estar na UE – titubeante, péssima praticante de integração
política, incapaz de visão e decisão, desconhecedora do rasgo — do que não
estar. Do que não ser hoje, em 2020, um dos vinte e sete, pobres de nós, se
o não fôssemos. Mas caramba. Olha-se para Merkel como único porto
de abrigo, expondo assim à luz do dia que a santíssima trindade da visão, da
decisão e da vontade políticas — indispensável santíssima trindade – só a
chanceler alemã, também ela cansada, a detém. O resto é fôlego curto e embaraçante falta de
estratégia mas que dizer desta vez da incapacidade e da desunião manifestadas? O quase miserável estado da “Europa” — hoje com uma
pandemia desconhecida às costas e a breve trecho com fome – reclamaria
projecto, golpe de asa e critério pronto e comum. Nunca mais do mesmo, como ocorreu. Mal: 2020 não é o
mesmo que 2008. Pior: em três dos mais amargos momentos da vida EU,
duríssimos momentos — 2008, a crise dos refugiados e a actual pandemia – a
Europa não respondeu. Não sabe. Ainda pior: não pareça haver por lá
alguém que saiba.
2O
estado das coisas reclamaria também naturalmente outra compostura mas
seria pedir demais. O raciocínio do governante holandês — que agiu por
motivos internos porque para isso foi eleito — não abona de todo em favor dele,
quer política, quer pessoalmente. Não estou porém certa de que a melhor
resposta tenha sido atirar-lhe à cara com um “repugnante” que, além de não ter
surtido efeito, teve o condão de nos reeditar o mau ímpeto de António Costa
para explodir em (inesquecíveis) frases infelizes. Nem certa de que as
lágrimas vertidas na Holanda de desagravo pelo seu titular das Finanças, fossem
sinceras ou sequer convincentes. Um flagelo da urgência e premência desta
pandemia merece outra resposta e outro respeito que não adjectivos ácidos ou
lágrimas de crocodilo.
Não
é fácil conviver com a acabrunhante impressão de estarmos mal entregues.
3Intramuros
também não é fácil conviver com a mesma impressão de não estarmos bem
entregues. Podia ser pior? Podia, claro, pode sempre, é porém fraco consolo.
Mas se o “quotidiano” conhece tropeções e sofre de contradições — falta de
testes, luvas, máscaras, desinfectante; números contraditórios, informação
descoordenada – é o amanhã que agora assusta: quando é que nos tiram daqui? E
como? E para fazer o quê e onde? E com que riscos? E como ousam “avisar”
secamente e sem mais que uma considerável parte da população chamada “os
idosos” ficará trancada em casa até Dezembro?
Como
contam resolver os problemas — domésticos, financeiros, psicológicos, nervosos,
mentais – que já se somam devido à residência fixa? Seja: as “autoridades” estão aflitas, não sabem,
titubeiam, hesitam, não há certezas, as recomendações internas e externas não
coincidem. Mas — pequeno aviso ás navegações — não utilizem o confinamento como
salvífica solução, não nos deixem muito mais tempo à espera para ganharem o
tempo que precisam para saber o que fazer. O confinamento não pode passar de
etapa pontual a bóia de salvação. Ou estratagema.
O futuro exigentíssimo que nos espera nunca se compadecerá com o que –
podendo tê-lo sido — não foi previsto, nem pensado, nem evitado. Não pode haver
só vírus, mesmo havendo o vírus. Falta o resto que é o que iremos viver dentro
de semanas, ou meses. Quem atende a esse considerabilíssimo “resto”?
A
verdade é que intramuros sabe-se dos desacordos entre “eles”, adivinha-se a
incerteza, pressente-se a insegurança. Idealmente ninguém estará bem entregue e
não há adivinhos, nem mágicos. Mas se não se pode pedir demais, pode
pedir-se-lhes que ao menos abreviem o espectáculo da contradição ou da
deficiente informação. Ou que por exemplo gastem menos prosápia. O
Presidente da República sinaliza-nos incansavelmente que o melhor está a ser
feito, que “nós portugueses” somos os melhores — em quê? — e que conseguiremos
– o quê? Concordando
obviamente que ele não pode exibir pessimismo, não se lhe pedia tanto afã no
optimismo. Nem tantas certezas sem chão debaixo dos pés como as
que ouço ao Primeiro Ministro quando parece não duvidar que em cada casa do
país haja computadores. Ou que os seus habitantes disponham todos eles da
agilidade indispensável para lidar com a complexa empreitada do ensino à distância.
4Nunca a política nos desiludirá de vez afinal, tão capaz ela é de
espanto e surpresa. De há umas
quantas semanas para cá, o saber, a informação, a autoridade sobre este vírus —
as suas notícias, o seu ritmo, a sua evolução — transferiram-se dos seus fóruns
habituais para um estúdio de televisão. Dia após dia, quase como
quem não quer a coisa, os speakers oficiais foram sendo removidos para uma
espécie de limbo, substituídos pela invulgar performance de um invulgar
protagonista. Espantosa transferência, reconheça-se. Falo de Paulo Portas e do seu apontamento diário
— “Estado de Emergência” — no jornal
da noite da TVI. Falo e falo bem. Serei certamente
das pessoas mais insuspeitas para o fazer o que me confere automaticamente o
dobro da legitimidade: o novo protagonista nunca me agradou politicamente,
nunca fui do seu círculo, não era devota de O Independente. Apesar do brilho da
inteligência e do fulgor da oratória, afligiam-me tantas peles, jogos e estados
de alma. E no entanto… eis hoje um político “á part entière”, vivido, aprendido
e amadurecido, que guardou porém intacto o talento congénito: neste caso,
“ocupando” todo o espaço deixado semi-vazio pela deficiente informação oficial
sobre a Covid-19, e depois antecipando-se em conselhos e avisos e, assim,
antecipando o futuro. Paulo Portas fá-lo, executando – ao vivo, em directo e in loco –
uma prestação onde passou a ser obrigatório reter a seriedade da informação
transmitida; o trabalho de casa feito para a tornar possível; a autoridade com
que, por entre palavras, mapas e gráficos ele nos “conta” as viagens
planetárias do vírus ou disserta sobre o que aí poderá vir. E, last but not
least, uma invejável justeza de tom — que nunca exclui a severidade — no modo
como critica, avisa ou alerta, o governo, políticos, responsáveis da Saúde. Só
uma coisa me intriga: saberá Paulo Portas quanto a política lhe vai cobrar por
isto? Saberá ele onde se meteu?
5Já há rosas. São as primeiras rosas, poderoso anúncio.
“Escrever
é uma ponte que estendo ao meu próximo através da palavra” disse um dia Lygia
Fagundes Telles. Anunciar rosas pela palavra é o irresistível carpinteirar
dessa ponte. Como o poder anunciar que ainda há camélias ou que estão cada vez
mais altas as ondas amareladas de malmequeres junto aos buxos.
A geografia amável deste território
parece de cada vez subitamente ampliada ao nosso olhar porque deixou de haver
intermediários entre nós e o que olhamos. No vazio de vida humana, o que se
olha é o que se vê, agora com luminosa nitidez: como a tão arrebatoramente
bela-perfeita? — Basílica de S. Pedro nesta Semana Santa. Uma deslumbrante
harmonia no correr dos seus altares, na cor do mármore, nos despojados
ornamentos, na vazia nave central, nos dourados e na pedras, no silêncio. Foi
também por isso que nunca como desta vez se acolheu assim a quase dilacerante
coreografia da Via Sacra ou que nos chegaram, murmurados, os rituais da Páscoa.
E foi sobretudo por isso — e eis outra “ponte que estendo através da palavra” —
que também nunca como desta vez ecoou no mundo, o verbo de Francisco. O Papa
dos tempos nunca experimentados.
Talvez de facto nada seja por acaso. Este homem é o homem deste tempo.
COMENTÁRIOS
Luis Moreira: Mas o que é que anda a ler???
Luis Moreira: Mas o que é que anda a ler???
Pose Danterrimo: Pesquise e estude qual é a grande mentira, covarde e criminosa sobre o
vírus covid-19, para que a humanidade aceite facilmente a implementação de uma
ditadura global. Os povos têm que fazer algo para se libertarem, agora!! Vá
todos os dias à janela, pelas 12h, bater panelas e gritar, durante 10 minutos,
por "LIBERDADE" …….."NÃO À DITADURA GLOBAL"
Rogerio Russo: Gostei da sua crónica, mas quando fala do Presidente da República e do
Primeiro-Ministro ocorre perguntar se não será tempo de mandar entrar outros
palhaços para entreter o auditório do circo?
Manuel Magalhães: Sim, mil vezes sim estarmos dentro da decepcionante União Europeia e isso
deve-se sobretudo ao facto de a maior parte dos nossos governos (como o actual)
ser ainda muito pior, pela sua incompetência e falta de rigor no que toca à
verdade, enfim Maria João nós os “jovens-velhos” cá vamos aguentando mais esta
grave e incomoda trapalhada...
carlos Heitor: Muito bem! Novamente os socialistas estão no seu momento de impasse, só
reagem, não agem, não há ideias. não há o golpe de asa que esperamos dos
governantes para que tomem as medidas necessárias, em tempo útil economia tem
que começar a funcionar, as pessoas tem que voltar ao trabalho, com todas as
precauções, mas já amanhã
Artur Valter carlos heitor Muito bem, ao
trabalho e já... Socialistas e não socialistas, todos ao trabalho... Novos e
velhos, todos a trabalhar... Parasitas, nunca mais...e todos a pagar os
impostos, cá em Portugal.
josé maria: Não usem o confinamento como solução Goste
ou não a MJA, o confinamento, por enquanto, é necessário e poderemos ter que
aprender a viver com o distanciamento social durante muito tempo, pelo menos
até que haja um medicamento ou vacina eficazes.
Nuno Santos Excelente artigo. Estou totalmente de acordo. Muitos parabéns a esta
excelente jornalista.
Velha do
Restelo Excelente
retrato! Obrigada!
victor guerra Já para casa!
Maria Nunes Excelente. É sempre um prazer
ler MJA.
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