«Melhor fora se não tivéssemos entrado
nela, - na União Europeia - CEE, de seu
nome primeiro.» - é o que pensam alguns. Agora, que nos servimos à grande e à “portuguesa”
dos euros que nos ajudaram a criar espaços e tecnologias de maior envergadura,
e sem os quais a sociedade portuguesa continuaria arrimada à canga dos seus
prestáveis animais e talvez utensílios primitivos, em virtude dos danos
económicos e políticos trazidos por uma revolução destruidora do capital
acumulado nos governos anteriores, de ditadura e tacanhez económica mas mais
honrada e modesta do que a do liberalismo que se lhe seguiu, de importação
ideológica (e pecuniária de empréstimo), mas decididamente eficaz na
modernização, conquanto de retrocesso intelectual - mau grado as aparências da
multiplicidade de “cursos superiores” e da explosão “educativa” (de pouca
consistência, todavia, que o clima de indisciplina generalizada facultou) –
agora, pois, que um “coronavírus” nos arruína de vez (como aos demais países,
pelo mundo), voltamos a exigir o auxílio da U
E, desta vez ainda mais renitente e
altiva, dando azo a teorias sobre o desfazer da dita União, de falsa democracia
e generosidade, afinal, por parte dos países de maior velocidade e equilíbrio
financeiro.
Paulo Tunhas pranteia
mesmo, com saudosismo, os seus tempos de privilegiado viageiro por museus e arte,
lamentando que não mais isso seja possível, com o espectro da destruição
possível dessa União. Mas, entre os seus comentadores, há os que, como Agostinho da Silva, citado por
readbeat algorithms, nada quisera
com a União, palrando
despudoradamente sobre o “Portugal
dos pequeninos” (que o fomos sempre todos nós), avesso a uma
modernização dignificadora - «Não querermos para nada essa porcaria de ser europeu». Ainda há quem assim pense, hoje. Mas parece-me isso ingratidão.
Ai de nós, de
resto, se a União for ao ar - o que talvez aconteça, manta de trapos a desfazer-se…
A Europa de ontem /premium
Como não perceber os governos alemães,
holandeses, austríacos e finlandeses, são directamente responsáveis, em virtude
da democracia, convém lembrá-lo, perante a vontade dos seus eleitores?
OBSERVADOR, 02 abr. 2020, 07:52
É
claro que o próximo verdadeiro problema vai ser a terrível miséria que por aí
grassará quando a pandemia começar a desaparecer. Trabalhadores e empresários,
e com eles a sociedade inteira, têm os mais negros dias pela frente e os tempos
da troika parecerão retrospectivamente uma brincadeira de menino de coro. A única reserva que esta consideração merece vem do
optimismo implícito em pensar-se num futuro independente deste presente, porque
ninguém sabe quanto ele vai durar e se não está destinado a repetir-se
ciclicamente. De qualquer maneira, os
sinais estão um pouco por todo o lado e não enganam. Nos países com maior
tradição de dinamismo económico, por maior que seja a destruição, haverá sem
dúvida uma laboriosa recuperação. Nos que a não têm, como Portugal, ela é muito
mais difícil de conceber. Preparem-se para o pior, que o pior é certo.
Ou então, se tiverem a sorte e o luxo
de poder pensar noutras coisas, pensem noutras coisas. Por estes dias, é o que tenho tentado fazer.
Pus-me a ler (num caso, a reler) as obras quase completas de um historiador da
pintura francês, Daniel Arasse,
morto ainda novo em 2003 com a doença de Charcot (esclerose lateral
amiotrófica). Especialista da Renascença italiana, mas tendo escrito
também sobre outras épocas e outros autores, de Vermeer a Anselm Kiefer, a sua história da pintura ocupa-se sobretudo dos
pequenos detalhes, às vezes quase imperceptíveis, que podemos, se a nossa
atenção for chamada por eles, observar em certos quadros: a mosca
pousada sobre o joelho de um velho pintado por Georges de La Tour ou um caracol colocado num bordo de uma
Anunciação de Francesco del Cossa,
entre um sem-número de outros exemplos. Praticando maravilhosamente a arte da
descrição, uma velha disciplina da história e da crítica de arte cujo primeiro
exemplo, vezes sem conta nomeado desde a Antiguidade, é a descrição –
os gregos diziam: ekphrasis – do escudo de Aquiles na Ilíada e que a destruição
da tradição figurativa e mimética deslocou do primeiro plano para lugares mais
remotos, Arasse convida-nos a
ver a pintura de perto. E convida-nos igualmente a explorar a
singularidade de cada obra de arte: a descrição incide, quase por definição,
sobre o que é irredutivelmente singular, não há descrição – pode eventualmente
haver explicação, amputada da compreensão que a descrição idealmente fornece –
do geral.
Estes
dias passados com Arasse trouxeram-me a vontade, impossível de satisfazer por
estes tempos, de ver de perto pintura em museus. E com essa vontade, a
nostalgia de uma vida passada. Grande parte dos anos noventa do século passado
vivi em Paris, com toda a Europa relativamente próxima. O que me
permitiu ver, alguns várias vezes, os grandes museus europeus: além dos
franceses, é claro, os ingleses, alemães, holandeses, belgas, espanhóis e
sobretudo os italianos, de Milão a Nápoles. A maravilha da beleza da
pintura, a possibilidade do prazer de a ver de perto, em carne e osso, como uma
presença com a força toda da evidência, iluminando por dentro as cidades na
qual se encontra e da qual faz parte, é ainda hoje para mim uma recordação
de pura felicidade e, mesmo conhecendo alguns dos magníficos museus americanos,
uma parte maior do significado que a palavra “Europa” tem para mim.
Infelizmente – por várias razões que não se prendem todas com a natureza dos
tempos presentes -, é uma Europa de ontem, não uma Europa de hoje.
Para além da catástrofe da pandemia e
das terríveis sequelas que trará, a Europa de hoje não pode ser pensada fora
das permanentes discussões em torno da “União Europeia”. Ora, mesmo que a União Europeia tenha
indiscutíveis benefícios – e eu serei o último a negá-los -, a verdade é
que a violência exercida sobre as condições quase antropológicas da vida dos
povos – aquilo que um filósofo chamava a “insociável sociabilidade” –, traz
consigo, junto com a tendência centrípeta que a anima, uma tendência centrífuga
não menos forte, que está directamente na origem dos vários nacionalismos que
idealmente deveria contrariar. Esta consideração não me parece
excessivamente interpretativa, relevando antes da ordem do factual. Daí a
tensão permanente que se observa na Europa e que os especialistas no capítulo –
e é significativo que as questões europeias se tenham tornado objecto quase
exclusivo de especialistas – recapitulam dia após dia. Leio
regularmente, por exemplo, aquilo que Teresa de Sousa, que
conhece aquilo de que fala, escreve no Público. Tirando alguns raros momentos
de optimismo, eles mesmos problemáticos, o que ressalta o mais das vezes dos
seus artigos é uma patente angústia pelos destinos da União, como se a tal
insuportável tensão fosse estrutural e não meramente conjuntural.
O
último episódio desta tensão gira em torno dos célebres “coronabounds”. Devem
eles ser criados – algo que, segundo li, a burocracia europeia só poderia pôr
em prática daqui a três anos – ou devem eles ser recusados? É óbvio que para
um país como Portugal (e a mim pessoalmente) davam um jeito dos diabos, para
falar de uma forma delicada, tal como o davam à Espanha, à Itália e a vários
outros países. Mas como não perceber os governos alemães, holandeses,
austríacos e finlandeses, são directamente responsáveis, em virtude da
democracia, convém lembrá-lo, perante a vontade dos seus eleitores? Pôr as
coisas em termos de “egoísmo” é reduzir a tensão – e, já agora, a equivocidade – da União Europeia, que
permite a indecidibilidade entre
as duas posições, ambas possíveis e incompatíveis, a um plano
psicológico que falseia a questão.
O “repugnante” do nosso António Costa, desdobrado num “re-pug-nan-te” que
tem pelo menos o mérito de preservar todas as sílabas, um exercício ao qual ele
se poderia dedicar mais assiduamente, além de fazer pensar numa versão
actualizada do Finis patriae de
Guerra Junqueiro, agora
com os cadáveres de ministros holandeses a boiarem, cortados às postas, num
canal de Amsterdão, participa dessa mesma redução do político, com a sua
legitimidade própria, ao psicológico e moral.
Saudades da Europa de ontem,
a de antes do coronavírus e dos últimos estádios da infiltração da sua ideia
pela de União Europeia. O melhor
é, nestes tempos de reclusão, voltar às moscas e aos caracóis de
Arasse e esperar que as nossas prevenções
próprias e, sob uma forma ou outra, a solidariedade entre os europeus, diminuam
os males presentes e os males a vir, sabendo que o mau tempo está para durar e
que a Europa de ontem já não existe.
COMENTÁRIOS
Manuel Cabral: Caro Paulo, muito bem escrito como de costume e muito 'interessante' pela
deriva pictórica que partilhamos. Em contrapartida, como aliás já tinha
reparado antes, acho que não coloca bem a questão europeia e o lugar de
Portugal na UE. Provavelmente, os 'coronabonds' acabarão por ir para a frente
mas, com o governo que temos, não aproveitaremos de certeza a oportunidade de
nos 'emendar' não só económica mas tb politicamente, acho eu!
victor guerra: A Europa de ontem, é de hoje e será de sempre
José Paulo C Castro: Não é só a Europa. O mundo de ontem já não existe. A globalização foi um
factor na transmissão da pandemia. E isso vai estar presente na mente de todos. Os ganhos da globalização podem esfumar-se
perante estes 'cisnes negros'. A resiliência fica no modelo das cidades-estado,
da economia local e sustentável a nível local. Nem sequer com o das nações,
noção cultural que tem de se submeter a critérios locais de proximidade para
resistir. Há nações que coincidem com cidades-Estado, outras não pela sua
dimensão. É preciso definir de vez quais os
critérios de colaboração e união entre países e aqueles que têm de ser mantidos
a nível local. Acabaram as utopias internacionalistas. Resistirá quem conta com
o que tem e produz por si.
Pérolas a porcos: Ao mesmo tempo que esse haverá outro. É
que a pandemia não irá desaparecer se continuarmos a aceitar migrantes, e sem
fronteiras internas. Como não se sabe de
onde vêm as pessoas nem por onde andaram, seria necessário não apenas testar
toda a gente, mas pô-los todos de quarentena. Isso
não é exequível à escala das fronteiras externas, nem dentro do próprio espaço
Schengen. E quem é que aceita meter-se num
avião mais de duas horas com outros 200 passageiros de várias nacionalidades,
vindos de vários destinos, sem ter a certeza de que nenhum deles está
infectado?... E a seguir haverá outro
problema: a criminalidade e a segurança.
josé maria > Pérolas a porcos: Os colarinhos brancos que vão
divertir-se nas estâncias de ski austríacas, esses, ficam imunes ao vírus
josé maria: Aqui está uma prova de como o Observador cumpre a sua palavra quando
assevera que todos os conteúdos sobre a covid 19 seriam abertos ao público...
Ana Brito: Nunca precisámos da União Europeia para nos sentirmos europeus, estávamos
unidos por uma cultura comum, a mesma civilização.
O que aconteceu às nossas raízes, ao nosso orgulho sob o domínio
centralista da UE? Estamos pobres, duvidamos de nós, temos vergonha de defender
a nossa identidade, como se tivéssemos menos direitos do que os outros,
enfim... ...trocamos segurança económica
por valores e agora desvanecem os dois. Um
futuro incerto que nos traz muitas preocupações porque pensamos em nós, nos que
nos são próximos, nos nossos vizinhos, compatriotas e depois nos espanhóis,
franceses ...tudo por esta ordem, a UE não existe, é instrumental, o que existe
são os seculares países europeus e o seu enorme património civilizacional.
Havemos de sobreviver.
readbeat algorithms > Ana Brito: “Porque o dinheiro que vinha
da Europa era só para fazer os portugueses europeus. Não querermos para nada
essa porcaria de ser europeu. Queremos é repetir aos europeus que não vão ter
outro remédio senão submeter-se ao que é a cultura portuguesa e fabricar um
mundo que não tenha pressões económicas, e que as crianças estejam livres, e
que não haja prisões para ninguém. O português diz «é preciso ser soldado
enquanto há guerra». Mas quando a guerra acaba desmobiliza as tropas e cada um
dance como lhe apeteça, inteiramente à sua vontade, que é o que tem sucedido no
fim de todas a guerras. Vamos acabar com a guerra contra as carências? Então
vamos embora! Temos de pensar no mundo, mas é bom aplicar-se também a pensar em
Portugal. Vamos a ver se todos os portugueses têm fruta... a de comer, a fruta
de saber e a fruta de ter saúde. Com o tal ideal de que todo o português coma o
que quer, quando lhe apetece e quando lhe apeteça, que tenha curiosidades que
sejam satisfeitas e que todos os médicos lutem para fechar os consultórios.
Para que realmente triunfe a saúde e não estejamos sempre ocupados com a doença
que é uma grandessíssima maçada.” Agostinho
da Silva
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