Deus o ouça, Dr. Salles.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 20.04.20
Enclausurado,
sem mais nada que fazer a não ser pensar, penso. E continuo a pensar no globalismo
(que é a globalização com estruturas
plurinacionais) que poderá (deverá) definir o novo mundo que por aí vem
depois de amainada, controlada e extirpada a actual pandemia.
Submetida
a República Popular da China a embargo comercial total pelo resto do mundo e
substituída a ONU por instituição equivalente onde não exista o direito de
veto, penso hoje na União Europeia. Não me atenho muito ao que diz a
imprensa sobre a desunião europeia e vejo-a numa perspectiva de conjugação de
interesses complementares e não necessariamente de confrontos.
Eis o que vejo:
Um
conjunto de países que quer ganhar mercados para os seus produtos (bens e serviços transaccionáveis) e que deseja um
mercado único tão vasto quanto a imaginação permita (aquele grupo a que
habitualmente chamamos os países do norte);
Um
grupo de países que procura protecção política (aquele grupo a que habitualmente chamamos o leste
europeu);
Um
grupo de países que quer apoio financeiro ao desenvolvimento (aquele grupo a que habitualmente chamamos do sul).
Interesses
complementares e não conflituantes: os do norte a ganharem dinheiro com o
que exportam para os do sul, dinheiro que emprestam aos do sul para o tal
desenvolvimento; os do leste a verem tudo e a apanharem umas migalhas e a
obterem a protecção contra o imperialismo russo.
Os
problemas surgem com os desvirtuamentos e com os percalços. O primeiro
desvirtuamento vem com as nem sempre virtuosas aplicações dos dinheiros dos
países do norte destinados ao desenvolvimento dos do sul – investimentos amiúde
sem retorno, desequilíbrio perene das contas públicas e inerentes
endividamentos galopantes; os países do norte a estrangularem a
hipotética capacidade produtiva dos do sul para que os respectivos mercados se
lhes mantenham abertos (o engodo do investimento externo que compra empresas
concorrentes para as fechar); os
países do sul a falirem e os do norte sem saberem onde está o alguidar para porem as barbas de molho…
Todas
estas realidades, umas mais «especiais» que outras, atravessadas
por percalços como a pandemia, podem
ser adamadas pelo debate político e pela convivência intercultural – missão
muito importante para o Parlamento Europeu servir - pois a divisão da UE só
conseguiria fazer com que os do norte perdessem a «quintarola» no sul e os do
sul perdessem a caixinha das esmolas do norte. Aos do
leste também não lhes vejo razão para saírem não só por falta de alternativa
que os preserve da garra temida como lhes vejo também a possibilidade de
substituírem a sucata que eram as suas estruturas industriais e sequente
esperança de também eles ganharem mercados bons pagadores. Apesar de não existir uma estrutura militar europeia
que lhes dê alguma protecção - caminho que aponto à Europa em paralelo (em não
em substituição) com as Forças Armadas nacionais de cada Estado-membro da UE,
algo como uma NATO europeia.
Tudo
isto, regado por uma moeda forte aceite em todo o mundo (fala a minha
experiência de viajante frequente) demonstrando que as
políticas cambiais das desvalorizações discretas ou deslizantes são uma falácia
encobridora de problemas no âmbito da competitividade das economias.
Ou seja, não vejo razão para que a UE se desintegre. O não conseguir produzir políticas comuns para
além da pró-francesa da agricultura (que precisa de uns puxões de orelhas,
nomeadamente no que toca aos cereais), não rouba espaço de manobra aos
Estados-membros caso voltassem a isolar-se. Não há, pois, perdas, há apenas
falta de ganhos.
Então,
por que saíram os ingleses? Exactamente porque o são, ingleses. Creio que lhes
passa pela cabeça a retoma de um esplendor imperial que não estavam a conseguir
com aquilo que lhes parecia a «diluição europeia», o temor de deixarem de ser
tão ingleses e passarem a ser mais europeus. Não vejo – pelo menos, por enquanto – que esse
sentimento de putativa utilidade se espelhe noutros Estados-membro da actual
UE. Mas eu não estou a contar com populistas que apareçam no cenário europeu.
Entretanto,
quarentenemo-nos…
(continua)
Abril de 2020 Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Francisco G. de Amorim, 20.04.2020: Bonito
futuro esse... se... Os ingleses sempre foram falsos, apesar de muito hábeis em
política externa, mas falsos. O congelamento de negócios com a China será
possível, depois que todas as marcas de roupas, carros, perfumes, medicamentes
e etc foram para lá produzir barato? O mundo continua, e continuará a ter olhos
de tio Patinhas, onde, em vez de pupilas, tem cifrões
Anónimo, 20.04.2020: Caro Dr.
Salles da Fonseca, O problema das contas que tão bem faz é que o dinheiro
emprestado pelos Bancos do Norte, ricos, aos pelintras do Sul, tem de ser
pontualmente pago. É uma teimosia lá desses Bancos. E, se não for assim, os
Bancos do Norte deixam de ser ricos e passam a ser ainda mais pelintras do que
os pelintras dos seus devedores inadimplentes (há anos que espreito uma
oportunidade para usar esta erudita palavra; foi hoje, Zás!). Uma chatice
para as economias ricas do Norte que, com Bancos pelintras, começarão a
experimentar os incómodos que não atrapalham as economias pelintras do Sul. Com
o clima terrível do Norte, por lá, se não for o trabalho, pouco mais haverá
para fazer, que a meteorologia não é para grandes lazeres. Talvez beber
pela medida grande, mas até isso satura, a partir de dado ponto. Razão tinham
os tios Pierre e Karl: o dinheiro é que lixa isto tudo. Que venham de
volta, pois, os tempos da extorsão (aos outros), da dádiva (para mim) e da
partilha (não contem comigo). Cuide-se - que viver está perigoso. Abraço APM
Henrique Salles da Fonseca 20.04.2020: Prezado Dr. Salles da Fonseca, Como sempre uma visão
muito abrangente e periférica de tudo o que está a acontecer. E virão mais
"investimentos externos".... para encerrar fábricas e indústrias .....e
o " DINHEIRO " é o culpado.! Boas reflexões nesta quarentena. Saúde e
boa disposição. Um abraço Manuel Henriques
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