quarta-feira, 1 de abril de 2020

Eppur si muove



Creio que tem razão, Santana Castilho, nas suas críticas a um ministro da Educação hábil em impor programas de trabalho, mas, pelo que sei pela Paula, trabalho não falta aos professores, na tentativa de cumprir, primeiro junto dos alunos, a distância, junto dos colegas, depois, nas reuniões de avaliação. Não, não lhes tem faltado trabalho, à Paula e aos seus colegas, nesta experiência inesperada que os alunos não irão mais esquecer, e que talvez os sensibilize para um futuro comportamento mais responsável na escola. Uma visão optimista é o que me apraz ter, de partilha da minha simpatia com todos esses – alunos e professores - que se esforçam por cumprir, apesar da estranheza por uma situação de paragem no bulício antigo. E o ministro, apanhado na surpresa do cataclismo, fez o que pôde, talvez. E poderá, se for consciencioso, aceitar as sugestões de outras experiências, como a de Santana Castilho, por muito que estas impliquem despesas entravadoras da acção proposta por aquele – o obstáculo de sempre, afinal, nas políticas de sempre.
OPINIÃO CORONAVÍRUS
Tocata para um ministro à distância
Saia do marasmo, ministro Tiago, e faça, pelo menos, isto. Se precisar de ajuda, diga. Vou trabalhar consigo, pro bono.
SANTANA CASTILHO
PÚBLICO, 1 de Abril de 2020
Vêm aí longas semanas de ensino a distância. Importa pois analisar a que distância está o Ministério da Educação (ME) da realidade.
Incapaz de produzir orientação séria, o ministro começou por proclamar que “os professores não estão de férias”. A maioria das escolas e demasiados professores, apostados em mostrar que não estavam de férias, tomaram iniciativas cujo volume, diversidade e fragmentação conferiram ao sistema a incoerência característica do “salve-se quem puder”. Em vez de desenhar um quadro de intervenção pedagógica e definir os recursos digitais para o executar, o ME arrebanhou tudo o que mexia na internet e despejou sobre as escolas, para ajudar à balbúrdia. Quando surgiram os primeiros reparos para a falta de computadores e de banda larga ao alcance de muitos alunos, o ministro Tiago chamou carteiros, escuteiros e professores reformados. Receei que se seguisse a requisição civil dos pombos-correios. Mas seguiu-se um roteiro, ora banal, ora prolixo, que transfere para as escolas e para os professores as responsabilidades centrais.
Agora, é preciso aproveitar estas estranhas férias da Páscoa para pensar com serenidade. O sistema não tem recursos para o funcionamento do ensino a distância na escala que é requerida. O ME não pode contar com os seus equipamentos obsoletos, sem capacidade de memória, nem com a sua internet, que ora é lenta, ora sucumbe, ora não existe. Só o salvam os equipamentos dos pais e dos professores, que pagarão as contas de energia e de internet. Os problemas logísticos que o ensino a distância coloca vão aprofundar as desigualdades sociais entre os alunos. Muitos (50 mil só no ensino básico) não dispõem de um computador nem de internet em casa. Muitos encarregados de educação não têm as condições e formação necessária para acompanhar os filhos nas tarefas escolares.
Saia do marasmo, ministro Tiago, e faça, pelo menos, isto:
– Defina já como se processa e como se avalia o trabalho do 3.º período, oficializando o que todos sabem oficiosamente.
– Desista do ensino online para crianças do 1.º e 2.º ciclos, que não têm preparação para tal. Para estas e para todas as que não têm computador nem internet, recorra à televisão. Siga o exemplo da sua colega de Espanha, que reuniu recursos de 14 editoras e nove portais educativos e partiu para emissões de cinco horas diárias de TV educativa. Reserve o online para o 3.º ciclo e secundário, com identificação das plataformas digitais mais eficazes e a sua disponibilização gratuita.
Fixe horários nacionais para o ensino a distância. Este tempo de crise tem sido invasivo da privacidade dos alunos, das famílias e dos professores, com um enorme excesso de solicitações e exigências. Se há paradigma já evidente é o da servidão digital. Sem horário de actividades, tanta diligência e desrespeito pela privacidade alheia transformarão pais, professores e alunos em simples plataformas humanas à deriva, no meio das plataformas digitais.
– Anule imediatamente as provas de aferição, marcadas para Maio, e os exames finais do 9.º ano. As primeiras porque, de duvidoso sentido desde o início, são agora redobradamente inúteis. Os segundos porque, sendo praticamente irrelevantes para a progressão dos alunos, ocupariam recursos e tempo necessários para iniciativas prioritárias, em tempo de crise.
– Mande redefinir os conteúdos programáticos dos exames nacionais do ensino secundário (as provas devem ser limitadas ao que foi leccionado presencialmente) e mande reformular, em conformidade, os respectivos enunciados. Claro que isto o obriga a adiar o calendário dos exames e a coordenar com o seu colega do superior a acomodação destas mudanças no processo de acesso ao ensino superior.
Incumba um pequeno grupo de pessoas sensatas (tem de procurar fora do seu circulo) de desenhar, desde já, um plano de regresso à actividade presencial, que preveja cuidados de vigilância e resguardo para uma eventual segunda onda da covid-19 (reduzir o número de alunos por turma, para aumentar o seu distanciamento em sala; redefinir normas de utilização de espaços comuns, designadamente recreios, e generalizar artefactos de higienização das pessoas e dos objectos). Aquando da reentrada, devem estar previstos apoios pedagógicos suplementares para quem deles necessite.
Se precisar de ajuda, diga. Vou trabalhar consigo, pro bono.
Professor do ensino superior



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