Creio que tem razão, Santana Castilho, nas suas críticas a um ministro da
Educação hábil em impor programas de trabalho, mas, pelo que sei pela Paula,
trabalho não falta aos professores, na tentativa de cumprir, primeiro junto dos
alunos, a distância, junto dos colegas, depois, nas reuniões de avaliação. Não,
não lhes tem faltado trabalho, à Paula e aos seus colegas, nesta experiência
inesperada que os alunos não irão mais esquecer, e que talvez os sensibilize
para um futuro comportamento mais responsável na escola. Uma visão optimista é
o que me apraz ter, de partilha da minha simpatia com todos esses – alunos e
professores - que se esforçam por cumprir, apesar da estranheza por uma
situação de paragem no bulício antigo. E o ministro, apanhado na surpresa do
cataclismo, fez o que pôde, talvez. E poderá, se for consciencioso, aceitar as
sugestões de outras experiências, como a de Santana Castilho, por muito que estas impliquem despesas entravadoras
da acção proposta por aquele – o obstáculo de sempre, afinal, nas políticas de
sempre.
OPINIÃO CORONAVÍRUS
Tocata para um ministro à distância
Saia do marasmo, ministro Tiago, e
faça, pelo menos, isto. Se precisar de ajuda, diga. Vou trabalhar consigo, pro
bono.
SANTANA CASTILHO
PÚBLICO, 1 de Abril de 2020
Vêm
aí longas semanas de ensino a distância. Importa pois analisar a que distância
está o Ministério da Educação (ME) da realidade.
Incapaz
de produzir orientação séria, o ministro começou por proclamar que “os
professores não estão de férias”. A maioria das escolas e demasiados
professores, apostados em mostrar que não estavam de férias, tomaram
iniciativas cujo volume, diversidade e fragmentação conferiram ao sistema a
incoerência característica do “salve-se quem puder”. Em vez de
desenhar um quadro de intervenção pedagógica e definir os recursos digitais
para o executar, o ME arrebanhou tudo o que mexia na internet e despejou sobre
as escolas, para ajudar à balbúrdia. Quando surgiram os primeiros reparos para a falta de computadores e de banda larga
ao alcance de muitos alunos, o ministro Tiago chamou carteiros, escuteiros e
professores reformados. Receei que se seguisse a requisição civil dos
pombos-correios. Mas seguiu-se um roteiro, ora banal, ora prolixo, que transfere para as escolas e para os professores as
responsabilidades centrais.
Agora,
é preciso aproveitar estas estranhas férias da Páscoa para pensar com
serenidade. O sistema não tem recursos para o funcionamento do ensino a
distância na escala que é requerida. O ME não pode contar com os seus
equipamentos obsoletos, sem capacidade de memória, nem com a sua internet, que
ora é lenta, ora sucumbe, ora não existe. Só
o salvam os equipamentos dos pais e dos professores, que pagarão as contas de
energia e de internet. Os problemas logísticos que o ensino a distância coloca vão aprofundar as desigualdades sociais entre os
alunos. Muitos (50 mil só no ensino básico) não dispõem de um
computador nem de internet em casa. Muitos
encarregados de educação não têm as condições e formação necessária para acompanhar
os filhos nas tarefas escolares.
Saia
do marasmo, ministro Tiago, e faça, pelo menos, isto:
– Defina já como se processa e como se avalia o trabalho do
3.º período, oficializando o que todos sabem oficiosamente.
–
Desista do ensino online para crianças do 1.º e 2.º ciclos, que
não têm preparação para tal. Para estas e para todas as que não têm computador
nem internet, recorra à televisão. Siga o exemplo da sua colega de Espanha, que
reuniu recursos de 14 editoras e nove portais educativos e partiu para emissões
de cinco horas diárias de TV educativa. Reserve o online para o 3.º ciclo e
secundário, com identificação das plataformas digitais mais eficazes e a sua
disponibilização gratuita.
– Fixe
horários nacionais para o ensino a distância. Este tempo de crise tem sido
invasivo da privacidade dos alunos, das famílias e dos professores, com um
enorme excesso de solicitações e exigências. Se há paradigma já evidente é o da
servidão digital. Sem horário de actividades, tanta diligência e desrespeito
pela privacidade alheia transformarão pais, professores e alunos em simples
plataformas humanas à deriva, no meio das plataformas digitais.
–
Anule imediatamente as provas de aferição, marcadas para Maio, e os exames
finais do 9.º ano. As primeiras porque, de duvidoso sentido desde o início, são
agora redobradamente inúteis. Os segundos porque, sendo praticamente
irrelevantes para a progressão dos alunos, ocupariam recursos e tempo
necessários para iniciativas prioritárias, em tempo de crise.
–
Mande redefinir os conteúdos programáticos dos exames nacionais do ensino
secundário (as provas devem ser limitadas ao que foi leccionado
presencialmente) e mande reformular, em conformidade, os respectivos enunciados.
Claro que isto o obriga a adiar o calendário dos exames e a coordenar com o
seu colega do superior a acomodação destas mudanças no processo de acesso ao
ensino superior.
– Incumba
um pequeno grupo de pessoas sensatas (tem de procurar fora do
seu circulo) de desenhar, desde já, um plano de
regresso à actividade presencial, que preveja cuidados de vigilância e
resguardo para uma eventual segunda onda da covid-19 (reduzir o número de alunos por turma,
para aumentar o seu distanciamento em sala; redefinir normas de utilização de
espaços comuns, designadamente recreios, e generalizar artefactos de
higienização das pessoas e dos objectos). Aquando da reentrada, devem estar
previstos apoios pedagógicos suplementares para quem deles necessite.
Se
precisar de ajuda, diga. Vou trabalhar consigo, pro bono.
Professor do ensino superior
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