sexta-feira, 19 de abril de 2019

A propósito das tais imigrações



Não, não fazia ideia do que nos contou Salles da Fonseca a respeito da participação de agentes italianos variados no tráfico de imigrantes norte africanos, o que provocou o repúdio de um dos seus nacionais que, escandalizado, se desterrou. Mas o texto é extremamente enriquecedor pelo seu carácter informativo sobre a turbulência norte africana de que nos vamos dando conta bastante distraidamente, tantos são os motivos, quer nacionais quer universais, de consternação e preocupação. Mas o texto – e os comentários - trazem à ribalta o General Haftar, pretexto para vários tipos de consultas a esta Internet magnífica, que, às vezes, contudo, nos fecha o acesso, sobretudo quando as notícias são veiculadas por jornais naturalmente exigindo paga, que não sei como fazê-la, inábil que sou nas lides mediáticas.
Mas foi um grande prazer, tal reviver da História mais próxima, inspirador da nossa pesquisa e da nossa gratidão.
 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,  19.04.19
Conheci o Bruno C. e sua mulher em 2013 quando a minha mulher e eu fizemos um cruzeiro no Danúbio. Ficámos na mesma mesa e conversámos muito durante as refeições. Em inglês, porque a mulher dele é americana e porque ele, italiano, continua com Napoleão um pouco de través.
Engenheiro naval, na casa dos 70, bem aposentado depois de larguíssima carreira no mar, está zangado com os italianos, vive em Nice e apenas vai regularmente à fronteira comprar um jornal para não «perder o pulso ao desvaire».
Lembro-me de que nos disse com plena convicção de que o tráfico de imigrantes vindos do Norte de África está plenamente controlado pelas forças navais italianas, quer dos Carabinieri quer da própria Marinha Italiana, de tal modo que não há «perdas» quando são elas as receptadoras dos traficados. Sim, tudo por certo com ligações mafiosas à mistura. E já lá vão uns anos que esta conversa aconteceu… Kadhafi morrera dois anos antes.
Confesso que não prestei então muita atenção ao tema. Mas não o esqueci.
Acho, contudo, que está na altura de o retomar porque o movimento imigratório não dá, entretanto, sinais de abrandamento e o que salta agora à vista é uma alteração fundamental no cenário líbio com o aparecimento do General Haftar a entrar em Trípoli, vindo de Tobruk.
O Governo sediado em Trípoli e reconhecido internacionalmente é conivente com a situação de descalabro no país com as suas mais de 140 tribos em zaragata permanente, com os traficantes de escravos negros à rédea solta, com os negócios do petróleo em descontrole completo.
As forças «rebeldes», controlando a metade leste da Líbia e com sede em Tobruk, são lideradas pelo general Haftar, dos tempos de Kadhafi, homem de 75 anos que está numa de pôr um ponto final à situação caótica a que o seu país chegou. E marchou sobre Trípoli sem demagogias nem promessas miríficas duma democracia que os muçulmanos sunitas não estão em condições de usar sem o medonho jugo clerical sharioso. Mais: considera que os seus opositores são radicais islâmicos que urge domar, que são divisionistas das tribos que há que controlar, que são intervenientes nos negócios do petróleo que há que integrar nos interesses do Estado Líbio, que são traficantes de escravos negros que há que aniquilar.
Trípoli tem o apoio de António Guterres e de Itália, nomeadamente da sua ENI; Tobruk tem o apoio do vizinho Egipto, de Putin e de Macron.
Creio que Macron está dentro da razão.
Abril de 2019
Henrique Salles da Fonseca
3 COMENTÁRIOS
Anónimo, 19.04.2019  08:11: Primavera árabe... sem fim! Nunca mais floresce nem chega ao tranquilo outono! Pobres magrebinos
Henrique Salles da Fonseca  19.04.2019  09:04: Pelo contrário, espero bem que o General Haftar ponha um fim na bagunça líbia e ajude o Mackresh a entrar na ordem. Os sunitas, não tendo uma hierarquia religiosa que controle a qualidade do sermão, estão completamente em «roda-livre» e dependentes de qualquer mullah que pregue o que lhe der na cabeça, sem qualquer exegese minimamente burilada. Pior: como a filosofia do Islão assenta na retaliação de Talião, o ódio alastra como peste. Quero admitir que o General Haftar vai pôr um ponto final no descalabro actual e realinhar a Líbia por uma disciplina laica compatível com a ordem internacional, a nossa.
Adriano Lima 19.04.2019, 10:07: Fiquei a saber que Trípoli e Tobruk têm os apoios respectivamente indicados. Já sabia que a Líbia está numa situação de descontrolo total, de caos, desde que o Ocidente, armando-se com a NATO, assassinou Kadhafi, que não beneficiava daqueles apoios e que, pelo contrário, tinha a oposição declarada e assumida da França de Sarkosy e dos EUA de Obama, entusiasticamente embandeirada pela secretária de estado Hillary Clinton, uma vanguardista da chamada "primavera árabe". Parece que Sarkosy teria razões ocultas, de índole pessoal, ainda não completamente esclarecidas. Quanto à Hillary, ter-se-á de pôr o seu proselitismo diplomático (expansão da democracia no mundo árabe) na conta daquilo a que já nos habituou o seu país em matéria de política internacional. Qualquer leigo veria quão ilusório e utópico era pretender impor a democracia do modelo ocidental em países árabes, para mais numa Líbia dividida em numerosas tribos.
Jamais esquecerei a entrevista que Kadhafi deu na sua tenda no deserto, à RTP (jornalista Paulo Dentinho), em que disse:
não se esqueça de que a Alkaeda está por trás disto tudo. Ainda só não assassinaram o presidente sírio Bashar-Al- Assad porque ele tem o apoio da Rússia e do Irão.
Antes disso tinha sido enforcado Saddam Hussein, num mesmo cenário de envolvimento directo e declarado dos EUA de George Bush filho, dessa feita mais por causa das contas do petróleo que propriamente a "primavera árabe", na altura ainda não proclamada, embora tudo acabe por ser a mesma mixórdia confusa e mal cheirosa de negócios escuros, hipocrisia e crime político
.
O Ocidente matou Saddam e Kadhafi e o mundo desde então ficou muito mais perigoso, porque ninguém tem os mesmos instrumentos de coacção para liderar e controlar aqueles povos duros e renitentes.
Não sei qual a contabilidade exacta do morticínio e das desgraças que assolaram aquelas regiões, cuja escalada e consequências ainda estão por avaliar convenientemente, ameaçando a Europa. O mundo não pede contas aos responsáveis do Ocidente pelos seus crimes ou pela sua irresponsabilidade. 
NOTAS:
1 - LÍBIA (hoje)
Ofensiva contra Tripoli já fez 121 mortos e 561 feridos
Pelo menos 121 pessoas foram mortas e outras 561 ficaram feridas desde o início, a 4 de Abril, de uma ofensiva do marechal Khalifa Haftar contra Tripoli, a capital da Líbia.
 
14 de Abril de 2019, 11:
Pelo menos 121 pessoas foram mortas e outras 561 ficaram feridas desde o início, a 4 de Abril, de uma ofensiva do marechal Khalifa Haftar contra Tripoli, a capital da Líbia, anunciou a Organização Mundial de Saúde (OMS) na madrugada deste domingo. 
Sem precisar o número de baixas civis, a representação na Líbia da OMS condenou também, na sua conta na rede social Twitter, “os ataques repetidos contra pessoal sanitário” e contra as ambulâncias em Tripoli.
O gabinete de coordenação de assuntos humanitários das Nações Unidas deu conta, por outro lado, de 13.500 pessoas deslocadas devido aos combates, das quais 900 foram acolhidas em centros de acolhimento.
Combates violentos opõem desde 4 de Abril as forças do Governo de Unidade Nacional, reconhecido pela comunidade internacional, e os combatentes do Exército Nacional Líbio, autoproclamado por Haftar, que controla a zona este da Líbia e lançou uma ofensiva para controlar a capital e derrocar o governo.
Desde o início da ofensiva que as duas facções em conflito realizam ataques aéreos diários e acusam-se mutuamente de atingir civis.
2 - Os conflitos na África(< MAGALU) são basicamente motivados por disputas territoriais; golpes de estados, que geram crises políticas; rivalidades tribais, motivadas por questões étnicas ou religiosas; disputas por água e recursos minerais; e imersão do povo na miséria. Essas motivações são provenientes do processo de colonização do continente, da Guerra Fria, da intervenção de terceiros Estados e de eleições conturbadas. Os principais conflitos na África acontecem nos seguintes países: Sudão e Sudão do Sul, Nigéria, Ruanda, Mali, Burundi, República Democrática do Congo e Angola.
PRIMAVERA ÁRABE Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Primavera Árabe como é conhecida mundialmente, foi uma onda revolucionária de manifestações e protestos que ocorreram no Oriente Médio e no Norte da África a partir de 18 de dezembro de 2010. Houve revoluções na Tunísia e no Egipto, uma guerra civil na Líbia e na Síria; também ocorreram grandes protestos na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia,  Omã e Iémen e protestos menores no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara Ocidental.  Os protestos compartilharam técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestações, passeatas e comícios, bem como o uso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e YouTube, para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional em face de tentativas de repressão e censura na Internet por partes dos Estados.
3- CONFLITO NA LÍBIA (2011–2014) ORIGEM: wikipédia, a enciclopédia livre.
Após o fim da Guerra Civil Líbia, que derrubou Muamar Gadafi  ocorreu na Líbia um conflito armado com envolvimento de várias milícias e as novas forças de segurança do Estado. As milícias incluem guerrilheiros, grupos pró-Gadafi, islamitas e milícias que lutaram contra Gadafi, mas se recusaram a depor as armas quando a guerra terminou em Outubro de 2011. De acordo com alguns líderes civis, estas últimas milícias passaram apenas a atrasar a entrega de suas armas para afirmar activamente um papel político continuando como "guardiães da revolução". Algumas das maiores e mais bem equipadas milícias estão associadas com grupos islâmicos agora formando partidos políticos. Antes do fim oficial das hostilidades entre partidários de Gadafi e as forças da oposição, houve relatos de confrontos esporádicos entre milícias rivais, e ondas de assassinatos por “justiceiros”.
Em Setembro de 2012, islamitas atacaram o prédio do consulado dos Estados Unidos em Bengasi, matando o embaixador estadunidense e outros três. Isso levou um clamor popular contra as milícias semi-legais que ainda estavam operando e resultou na invasão de diversas bases de milícias islâmicas por manifestantes e a repressão em larga escala do governo, em seguida, às milícias não-governamentais sancionadas, com o Exército Líbio invadindo a sede de várias milícias então ilegais e ordenando-lhes a dissolução.
Entretanto a situação da Líbia segue caótica, com o país parando inteiramente de produzir petróleo e o governo perdendo o controle de grande parte do país para grupos étnicos, políticos e religiosos que disputam poder no território líbio. Essas milícias exploram o vácuo de poder fora de Trípoli e pressionam por uma maior autonomia regional, com grupos na região da Cirenaica e da Fazânia exigindo independência.
O governo de Ali Zidan foi incapaz de lidar com o problema das milícias que lutaram contra Gadafi durante a guerra civil. Cada uma delas possui sua própria ideologia e cada grupo armado utiliza seu poder para conseguir impor suas demandas; estão no controle da segurança de cidades, no controle das fronteiras, na gestão dos centros de detenção e na proteção de instalações estratégicas do país. Por vezes, o governo ainda teve que pagar às milícias para que desbloqueassem cidades e enclaves petrolíferos e inclusive houve rumores da criação de uma força de elite para proteger o primeiro-ministro. Todas estas medidas falharam e em 10 de outubro de 2013, o primeiro-ministro Ali Zidan seria sequestrado por uma milícia semi-oficial, a Sala de Operações dos Revolucionários Líbios, ligada ao Ministério de Interior, para obter dele uma “demissão voluntária” e tentarem tomar o poder no país. Algo que não aconteceu porque Zidan foi liberado horas depois após uma milícia pró-governo invadir o local onde ele estava sendo mantido.
O problema da violência armada e do fracasso político, juntou-se a uma nova onda de manifestações, muitas delas de carácter liberal, que reivindicam resultados imediatos e o fim do Congresso Nacional, para dar lugar a um novo governo que fosse capaz de pôr um fim às milícias.  Neste contexto, uma segunda tentativa de golpe de Estado ocorreu, desta vez organizada pelos militares e supostamente coordenada por Califa Haftar, com o objectivo de criar este novo executivo e "devolver o país ao caminho da revolução".
Já em 18 de Maio de 2014, o edifício do parlamento foi invadido por tropas leais ao general Califa Haftar, supostamente incluindo a Brigada de Zintane (1) em um episódio que o governo líbio descreveu como uma tentativa de golpe.
(1)   Unidades armadas financiadas pelo governo ligado à cidade de Zintane e arredores. Desempenharam um grande papel na Revolução Líbia de 2011 que derrubou Muammar Gaddafi.

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