Não, não fazia ideia do que nos contou Salles da Fonseca a respeito
da participação de agentes italianos variados no tráfico de imigrantes norte africanos,
o que provocou o repúdio de um dos seus nacionais que, escandalizado, se
desterrou. Mas o texto é extremamente enriquecedor pelo seu carácter
informativo sobre a turbulência norte africana de que nos vamos dando conta
bastante distraidamente, tantos são os motivos, quer nacionais quer universais,
de consternação e preocupação. Mas o texto – e os comentários - trazem à
ribalta o General Haftar, pretexto
para vários tipos de consultas a esta Internet magnífica, que, às vezes, contudo, nos fecha o
acesso, sobretudo quando as notícias são veiculadas por jornais naturalmente
exigindo paga, que não sei como fazê-la, inábil que sou nas lides mediáticas.
Mas foi um grande prazer, tal reviver da
História mais próxima, inspirador da nossa pesquisa e da nossa gratidão.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 19.04.19
Conheci
o Bruno C. e sua mulher em 2013 quando a minha mulher e eu fizemos um cruzeiro
no Danúbio. Ficámos na mesma mesa e conversámos muito durante as refeições. Em
inglês, porque a mulher dele é americana e porque ele, italiano, continua com
Napoleão um pouco de través.
Engenheiro
naval, na casa dos 70, bem aposentado depois de larguíssima carreira no mar,
está zangado com os italianos, vive em Nice e apenas vai regularmente à
fronteira comprar um jornal para não «perder o pulso ao desvaire».
Lembro-me
de que nos disse com plena convicção de que o tráfico de imigrantes vindos do
Norte de África está plenamente controlado pelas forças navais italianas, quer
dos Carabinieri quer da própria Marinha Italiana, de tal modo que não há
«perdas» quando são elas as receptadoras dos traficados. Sim, tudo por certo
com ligações mafiosas à mistura. E já lá vão uns anos que esta conversa
aconteceu… Kadhafi morrera dois anos antes.
Confesso
que não prestei então muita atenção ao tema. Mas não o esqueci.
Acho, contudo, que está na
altura de o retomar porque o movimento imigratório não dá, entretanto, sinais
de abrandamento e o que salta agora à vista é uma alteração fundamental no
cenário líbio com o aparecimento do General Haftar a entrar em
Trípoli, vindo de Tobruk.
O Governo sediado em Trípoli e reconhecido internacionalmente é
conivente com a situação de descalabro no país com as suas mais de 140 tribos
em zaragata permanente, com os traficantes de escravos negros à rédea solta,
com os negócios do petróleo em descontrole completo.
As forças «rebeldes»,
controlando a metade leste da Líbia e com sede em Tobruk, são lideradas pelo
general Haftar, dos tempos de Kadhafi, homem de 75 anos que está numa de pôr um ponto final à situação
caótica a que o seu país chegou. E marchou sobre Trípoli sem demagogias nem
promessas miríficas duma democracia que os muçulmanos sunitas não estão em
condições de usar sem o medonho jugo clerical sharioso. Mais: considera que os seus opositores são radicais islâmicos
que urge domar, que são divisionistas das tribos que há que controlar, que são
intervenientes nos negócios do petróleo que há que integrar nos interesses do
Estado Líbio, que são traficantes de escravos negros que há que aniquilar.
Trípoli
tem o apoio de António Guterres e
de Itália,
nomeadamente da sua ENI; Tobruk tem o apoio do vizinho Egipto, de Putin e de Macron.
Creio
que Macron está dentro da razão.
Abril
de 2019
Henrique
Salles da Fonseca
3 COMENTÁRIOS
Anónimo, 19.04.2019 08:11: Primavera
árabe... sem fim! Nunca mais floresce nem chega ao tranquilo outono! Pobres
magrebinos
Henrique Salles da
Fonseca 19.04.2019 09:04: Pelo contrário, espero bem que o General Haftar ponha
um fim na bagunça líbia e ajude o Mackresh a entrar na ordem. Os sunitas, não
tendo uma hierarquia religiosa que controle a qualidade do sermão, estão
completamente em «roda-livre» e dependentes de qualquer mullah que pregue o que
lhe der na cabeça, sem qualquer exegese minimamente burilada. Pior: como a
filosofia do Islão assenta na retaliação de Talião, o ódio alastra como peste. Quero
admitir que o General Haftar vai pôr um ponto final no descalabro actual e
realinhar a Líbia por uma disciplina laica compatível com a ordem
internacional, a nossa.
Adriano Lima 19.04.2019, 10:07: Fiquei
a saber que Trípoli e Tobruk têm os apoios respectivamente indicados. Já
sabia que a Líbia está numa situação de descontrolo total, de caos, desde que o
Ocidente, armando-se com a NATO, assassinou Kadhafi, que não beneficiava
daqueles apoios e que, pelo contrário, tinha a oposição declarada e assumida da
França de Sarkosy e dos EUA de Obama, entusiasticamente embandeirada pela
secretária de estado Hillary Clinton, uma vanguardista da chamada
"primavera árabe". Parece que Sarkosy teria razões ocultas, de índole
pessoal, ainda não completamente esclarecidas. Quanto à Hillary, ter-se-á de
pôr o seu proselitismo diplomático (expansão da democracia no mundo árabe) na
conta daquilo a que já nos habituou o seu país em matéria de política
internacional. Qualquer leigo veria quão ilusório e utópico era pretender impor
a democracia do modelo ocidental em países árabes, para mais numa Líbia
dividida em numerosas tribos.
Jamais esquecerei a entrevista que Kadhafi deu na sua tenda no deserto, à RTP (jornalista Paulo Dentinho), em que disse: não se esqueça de que a Alkaeda está por trás disto tudo. Ainda só não assassinaram o presidente sírio Bashar-Al- Assad porque ele tem o apoio da Rússia e do Irão.
Antes disso tinha sido enforcado Saddam Hussein, num mesmo cenário de envolvimento directo e declarado dos EUA de George Bush filho, dessa feita mais por causa das contas do petróleo que propriamente a "primavera árabe", na altura ainda não proclamada, embora tudo acabe por ser a mesma mixórdia confusa e mal cheirosa de negócios escuros, hipocrisia e crime político.
O Ocidente matou Saddam e Kadhafi e o mundo desde então ficou muito mais perigoso, porque ninguém tem os mesmos instrumentos de coacção para liderar e controlar aqueles povos duros e renitentes.
Não sei qual a contabilidade exacta do morticínio e das desgraças que assolaram aquelas regiões, cuja escalada e consequências ainda estão por avaliar convenientemente, ameaçando a Europa. O mundo não pede contas aos responsáveis do Ocidente pelos seus crimes ou pela sua irresponsabilidade.
Jamais esquecerei a entrevista que Kadhafi deu na sua tenda no deserto, à RTP (jornalista Paulo Dentinho), em que disse: não se esqueça de que a Alkaeda está por trás disto tudo. Ainda só não assassinaram o presidente sírio Bashar-Al- Assad porque ele tem o apoio da Rússia e do Irão.
Antes disso tinha sido enforcado Saddam Hussein, num mesmo cenário de envolvimento directo e declarado dos EUA de George Bush filho, dessa feita mais por causa das contas do petróleo que propriamente a "primavera árabe", na altura ainda não proclamada, embora tudo acabe por ser a mesma mixórdia confusa e mal cheirosa de negócios escuros, hipocrisia e crime político.
O Ocidente matou Saddam e Kadhafi e o mundo desde então ficou muito mais perigoso, porque ninguém tem os mesmos instrumentos de coacção para liderar e controlar aqueles povos duros e renitentes.
Não sei qual a contabilidade exacta do morticínio e das desgraças que assolaram aquelas regiões, cuja escalada e consequências ainda estão por avaliar convenientemente, ameaçando a Europa. O mundo não pede contas aos responsáveis do Ocidente pelos seus crimes ou pela sua irresponsabilidade.
NOTAS:
1 - LÍBIA (hoje)
Ofensiva contra Tripoli já fez 121
mortos e 561 feridos
Pelo
menos 121 pessoas foram mortas e outras 561 ficaram feridas desde o início, a 4
de Abril, de uma ofensiva do marechal Khalifa Haftar contra Tripoli, a capital
da Líbia.
14 de Abril de 2019, 11:
Pelo
menos 121 pessoas foram mortas e outras 561 ficaram feridas desde o início, a 4
de Abril, de uma ofensiva do marechal Khalifa Haftar contra Tripoli, a capital
da Líbia, anunciou a Organização Mundial de Saúde (OMS) na madrugada deste
domingo.
Sem precisar o número de baixas civis, a representação na
Líbia da OMS condenou também, na sua conta na rede social Twitter, “os ataques
repetidos contra pessoal sanitário” e contra as ambulâncias em Tripoli.
O
gabinete de coordenação de assuntos humanitários das Nações Unidas deu conta,
por outro lado, de 13.500 pessoas deslocadas devido aos combates, das quais 900 foram acolhidas em centros de acolhimento.
Combates
violentos opõem desde 4 de Abril as forças do Governo de Unidade Nacional,
reconhecido pela comunidade internacional, e os combatentes do Exército
Nacional Líbio, autoproclamado por Haftar, que controla a zona este da Líbia e
lançou uma ofensiva para controlar a capital e derrocar o governo.
Desde
o início da ofensiva que as duas facções em conflito realizam ataques aéreos diários e acusam-se mutuamente de
atingir civis.
2
- Os conflitos na África(< MAGALU) são
basicamente motivados por disputas territoriais; golpes de estados, que geram
crises políticas; rivalidades tribais, motivadas por questões étnicas ou
religiosas; disputas por água e recursos minerais; e imersão do povo na
miséria. Essas motivações são provenientes do processo de colonização do
continente, da Guerra Fria, da intervenção de terceiros Estados e de eleições
conturbadas. Os principais conflitos na África acontecem nos seguintes países:
Sudão e Sudão do Sul, Nigéria, Ruanda, Mali, Burundi, República Democrática do
Congo e Angola.
PRIMAVERA ÁRABE Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre.
Primavera
Árabe como
é conhecida mundialmente, foi uma onda revolucionária de manifestações
e protestos
que ocorreram no Oriente Médio e no Norte da África a partir de 18
de dezembro de 2010. Houve revoluções na Tunísia e
no Egipto,
uma guerra civil na Líbia e na Síria; também ocorreram grandes protestos
na Argélia, Bahrein, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iémen e
protestos menores no Kuwait, Líbano, Mauritânia, Marrocos, Arábia Saudita, Sudão e Saara
Ocidental. Os protestos compartilharam técnicas de
resistência civil em campanhas sustentadas envolvendo greves,
manifestações, passeatas e comícios,
bem como o uso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e YouTube, para
organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional em face de
tentativas de repressão e censura na Internet por partes dos Estados.
3- CONFLITO NA LÍBIA (2011–2014) ORIGEM: wikipédia, a enciclopédia livre.
(Redirecionado
de Conflito pós-guerra civil na Líbia)
Após
o fim da Guerra Civil Líbia, que
derrubou Muamar
Gadafi ocorreu na Líbia um conflito
armado com envolvimento de várias milícias e
as novas forças de segurança do Estado. As milícias incluem
guerrilheiros, grupos pró-Gadafi, islamitas e milícias que lutaram contra
Gadafi, mas se recusaram a depor as armas quando a guerra terminou em Outubro
de 2011. De
acordo com alguns líderes civis, estas últimas milícias passaram apenas a
atrasar a entrega de suas armas para afirmar activamente um papel político
continuando como "guardiães da
revolução". Algumas das maiores e mais bem equipadas milícias estão associadas com grupos islâmicos agora
formando partidos políticos. Antes do fim oficial das hostilidades
entre partidários de Gadafi e as forças
da oposição, houve relatos de confrontos esporádicos entre milícias rivais, e
ondas de assassinatos por “justiceiros”.
Em Setembro de 2012, islamitas atacaram o prédio do consulado dos Estados
Unidos em Bengasi,
matando o embaixador estadunidense e
outros três. Isso levou um clamor popular contra as milícias
semi-legais que ainda estavam operando e resultou na invasão de diversas bases
de milícias islâmicas por manifestantes e a repressão em larga escala do
governo, em seguida, às milícias não-governamentais sancionadas, com o Exército Líbio invadindo a sede de várias milícias
então ilegais e ordenando-lhes a dissolução.
Entretanto
a situação da Líbia segue caótica,
com o país parando inteiramente de produzir petróleo e
o governo perdendo o controle de grande parte do país para grupos étnicos,
políticos e religiosos que disputam poder no território líbio. Essas
milícias exploram o vácuo de poder fora de Trípoli e pressionam por uma
maior autonomia regional, com grupos na região da Cirenaica e
da Fazânia
exigindo independência.
O governo de Ali Zidan foi
incapaz de lidar com o problema das milícias que lutaram contra Gadafi durante
a guerra civil. Cada uma delas possui sua própria ideologia e cada grupo armado
utiliza seu poder para conseguir impor suas demandas; estão no controle
da segurança de cidades, no controle das fronteiras, na gestão dos centros de
detenção e na proteção de instalações estratégicas do país. Por vezes, o
governo ainda teve que pagar às milícias para que desbloqueassem cidades e
enclaves petrolíferos e inclusive houve rumores da criação de uma força de
elite para proteger o primeiro-ministro.
Todas estas medidas falharam e em 10 de
outubro de 2013,
o primeiro-ministro Ali
Zidan seria sequestrado por uma milícia semi-oficial, a Sala de Operações
dos Revolucionários Líbios, ligada
ao Ministério de Interior, para obter
dele uma “demissão voluntária” e tentarem tomar o poder no país. Algo que
não aconteceu porque Zidan foi liberado
horas depois após uma milícia pró-governo invadir o local onde ele estava sendo
mantido.
O
problema da violência armada e do fracasso político, juntou-se a uma nova onda
de manifestações, muitas delas de carácter liberal, que reivindicam resultados
imediatos e o fim do Congresso Nacional, para dar lugar a um novo governo que
fosse capaz de pôr um fim às milícias.
Neste contexto, uma segunda tentativa de
golpe de Estado ocorreu, desta vez organizada pelos militares e supostamente
coordenada por Califa
Haftar, com o objectivo
de criar este novo executivo e "devolver o país ao caminho da
revolução".
Já
em 18 de
Maio de 2014, o edifício do parlamento foi invadido por tropas leais ao
general Califa Haftar, supostamente incluindo a Brigada de Zintane (1) em um episódio que o governo líbio descreveu como uma
tentativa de golpe.
(1)
Unidades
armadas financiadas pelo governo ligado à cidade de Zintane e arredores. Desempenharam
um grande papel na Revolução Líbia
de 2011 que derrubou Muammar Gaddafi.
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