Apesar dos comentários depreciativos, dirigidos à pessoa de José Milhazes, e não aos seus argumentos
sobre as más políticas do Kremlin, se eles forem verdadeiros, a sua crónica é
bastante explícita sobre o intervencionismo russo actual em tantos países do
mundo, numa ambição infinita de poder que tornou a Rússia, afinal, o país mais
extenso do mundo. O aparecimento miraculoso de um Mikhail
Gorbatchov que pôs fim a uma URSS
estupidamente avassaladora, comprova essa ânsia de que trata negativamente José Milhazes, talvez num sentido de
alerta. Eu gostei da sua crónica esclarecedora sobre os tempos de hoje, numa
Rússia que tantos adeptos criou partout.
Rússia afastada da formação do mundo
bipolar /premium
OBSERVADOR, 13/4/2019
O mais grave é que os senhores do
Kremlin não aprendem nada com o passado ou como presente. Pequim não se mete em
aventuras militares, mas tem interesses económicos crescentes em todos os
continentes
Enquanto
os Estados Unidos continuam a ser a primeira potência económica, política e
militar no mundo e a China ocupa cada vez mais solidamente o segundo lugar da
tabela, a Rússia perde terreno devido às suas apostas políticas no campo da
política externa.
O
golpe militar no Sudão, que derrubou o ditador Omar al-Bashir, é o último
exemplo do que foi dito. O Kremlin
apostou no apoio político e militar a um regime podre e vê os seus interesses
económicos e militares nesse país em risco. Quando o Tribunal Internacional já tinha emitido um mandado de
captura contra Omar al-Bashir por crimes contra a humanidade, Vladimir Putin
recebeu-o com pompa e circunstância na sua residência de férias em Sochi. E
agora? Quem vai pagar o armamento fornecido por Moscovo à ditadura? Será que as
novas autoridades irão garantir os interesses económicos russos e tolerar a
presença dos mercenários da “Vagner” no seu país?
Os
chineses também têm fortes interesses económicos não só no Sudão, como em toda
a África, mas defendem-nos com a mestria daqueles que conseguem sair secos
passando entre os pingos da chuva. Não lhes passa pela cabeça enviar militares
para o outro lado do planeta.
O
mesmo se pode dizer em relação à Síria, Venezuela e Líbia. Sendo situações
conflituosas diferentes, o Kremlin comporta-se de igual forma, fazendo apostas
arriscadas. É verdade que a intervenção russa na Síria contribuiu para a
manutenção de Bashar Assad no poder, mas o que é que a Rússia vai ganhar com
isso? Um ponto estratégico no Médio Oriente, mas que lhe está a ficar
extremamente caro do ponto de vista económico.
Na
Líbia, embora Serguei Lavrov e outros diplomatas russos afirmem apoiar a
posição das Nações Unidas de reconhecimento do governo líbio de Tripoli e de
estar a favor do diálogo entre as partes do conflito, é sabido que, ao mesmo
tempo, Moscovo ajuda o rebelde marechal Khalifa Haftar com armas e homens.
Os
mercenários da “Vagner” estão também presentes neste conflito e combatem ao
lado das tropas de Haftar. O Kremlin desmente a presença militar russa, mas é
mais do que sabido quem dirige essa organização (Evgueni Prigojin, mais
conhecido por “cozinheiro de Putin) e que um dos seus objectivos é, entre
outros, encobrir a presença russa oficial no terreno.
A
guerra civil na Líbia está longe do fim e é difícil acreditar que a Rússia
retire dividendos económicos de mais esta aventura.
A situação repete-se na
Venezuela, a milhares de quilómetros do território russo. O Kremlin aposta num
ditador odiado pela esmagadora maioria da população, oferece-lhe apoio militar,
mas terá capacidade para normalizar a situação económica nesse país da América
Latina? Para o conseguir fazer, deverá investir milhares de milhões de dólares,
que terão de ser desviados do Orçamento de Estado russo.
A Rússia ainda está a pagar também a pesada factura da invasão da
Crimeia e da ocupação do Leste da Ucrânia. Podíamos também acrescentar a
intervenção da Rússia na República Centro-Africana, mas é já claro que o
Kremlin está a cometer o mesmo erro dos comunistas soviéticos: em nome de
sonhos imperiais, que podem ter vários nomes como, por exemplo,
“internacionalismo proletário”, “Moscovo – Terceira Roma”, “contrapeso ao
imperialismo norte-americano”, etc., os dirigentes russos privam os seus
cidadãos de uma vida mais digna e conduzem o país à bancarrota.
Num
mundo em que a ordem (ou caos) é ditado pelos mais fortes, Putin pode chamar a
si o direito de se comportar como os americanos. Trata-se de uma das
explicações mais absurdas da propaganda russa actual, pois para isso não basta
ter os tais mísseis invisíveis, que só o são porque ainda ninguém os viu a não
ser em imagens demonstradas pelo dirigente russo. É necessária capacidade
financeira para manter a máquina militar e propagandística ganhando, ao mesmo
tempo, terreno no campo da modernização do país e da influência económica
internacional.
Além
disso, é indispensável que as empresas russas invistam no estrangeiro e, neste
campo, as sanções económicas ocidentais vieram dificultar a sua actividade nos
principais mercados. Resta o gasoduto “North Stream-2”, mas que irá
funcionar apenas a 50% devido à legislação europeia que exige que metade do gás
transportado por essa via seja exportado por empresas privadas, o que não
acontece devido ao monopólio da Gazprom neste sector.
Durante a recente visita de João Lourenço, Presidente de Angola, os
acordos conseguidos parecem apontar no sentido de uma maior diversificação nos
contactos económicos e comerciais entre Luanda e Moscovo, o que vai de encontro
à política proclamada por Vladimir Putin de “maior pragmatismo”. Mas este novo
rumo poderá afogar-se na tradicional filosofia expansionista militar russa.
Um país como a Rússia, cuja economia
constitui apenas 1% da economia mundial, não pode correr em ambições militares
nem com os Estados Unidos, e nem sequer com a China. E o mais grave é que os
senhores do Kremlin não aprendem nada com o passado, nem com o presente. Pequim
não se mete em aventuras militares, mas tem interesses económicos cada vez
maiores em todos os continentes. Se Putin imita a política chinesa, isso é
feito para limitar as liberdades dos cidadãos e isolar o seu país do mundo. A
ideia da criação de uma “Internet russa” é um bom exemplo disso.
P.S. Continuo a afirmar que a invasão da Crimeia
pelas tropas russas em 2014 foi um erro fatal na política de Vladimir Putin. Ela
desmantelou as pontes que se estavam a construir entre a Rússia e a União
Europeia. Não obstante os erros cometidos por ambas as partes, a
aproximação era uma realidade. Não sei se voltaremos a ter outra possibilidade
de aproximação tendo em conta que Putin aposta claramente na
destruição da União Europeia e esta última não consegue encontrar novos
caminhos para sair da crise em que se encontra. Nenhuma dessas políticas
promete bonança no Velho Continente.
2 COMENTÁRIOS
Denis S. Diderot: Este continua a morder a mão que lhe deu de
comer.
luis Barreiro > Denis S. Diderot: Estás a afirmar que quem é burro comunista
na infância deve de ser burro toda a vida e não evoluir?
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