Faz Jaime
Nogueira Pinto um curioso artigo sobre a Direita e variantes, mas não
penso que seja com saudosismo. Depois de experimentado o sabor de uma livre
expressão de direitos humanos, julgo que uma Direita de respeito por valores
mais conservadores já não funcionaria aqui, num país em que a desordem nas
escolas vai progredindo, ineptos que somos a impor regras que não sejam as que
apontem para a valorização dos actos governativos chamarizes de votos, a
promover, sim, a condição de mansa sujeição de um povo que aparentemente o
governo protege, por interesse próprio, mas que, em relação biunívoca de gratidão
incontestável, também protege o governo, na sua docilidade apática e confiante,
votando nele. Ao menos, no salazarismo, havia mais respeito pelo indivíduo
humano – desde que este não transgredisse a ordem estabelecida – livre de
conquistar o seu espaço, o Estado protegendo-o, sim, com bolsas de estudo, por
exemplo, mas exigindo cumprimento, para as merecer. O Estado hoje não protege,
pois não estimula à valorização, criando um estado social de parasitismo e mândria
exigente em direitos e inepta em valores. A Hungria sofreu tragédias de
ocupações várias, mas criou condições de vida própria e ilustre, sabe dar valor
ao país conquistado, certamente que, de um nível de vida bastante superior ao
nosso, como leio na Internet. Segundo informa JNP, a direita nacionalista sabe pelo que luta e está em
maioria no governo. Não assim por cá, em que a direita parece ter perdido a
aura que lhe imprimiram os primeiros representantes do CDS, para quem, na
altura, a palavra pátria ainda tinha um carisma próprio, de longa tradição
valorativa. Não, não julgo que aqui se passará o mesmo que na Hungria, nem a
direita sabe já pelo que luta, a não ser por si própria. Como todos os outros
partidos, aliás. Julgo que Jaime Nogueira Pinto também pensará assim, pois
conhece as manhas, que educadamente, oculta. Mas o seu texto, como sempre,
impecável.
A Hungria e a Guerra Civil das Direitas /premium
JAIME
NOGUEIRA PINTO
OBSERVADOR,
6/4/19
Estas
direitas são críticas desta UE mas querem uma “Europa das Nações” – talvez
porque, como defende Roger Scruton, os valores cristãos não estejam inscritos
nos princípios de uma União que os recusa.
Já
lá vai o tempo em que o espaço da direita era tão indefinido que se
determinava pela não-esquerda. Acabou quando algumas das maiores
democracias do mundo euro-americano, como os Estados Unidos, o Brasil e a
Itália, elegeram presidentes e governos de direita nacional e conservadora.
E quando em todos os países da União Europeia (com excepção de Portugal e da
Irlanda) passou a haver partidos com representação parlamentar das
várias famílias da Direita – da nacionalista radical à liberal conservadora.
O facto de estas direitas lutarem entre si é sinal de vitalidade e de que o
espaço que a Direita agora ocupa é já suficiente para que nele caibam famílias
político-ideológicas variadas e até hostis.
A
tentativa de expulsão do Partido Popular Europeu (PPE) do Partido FIDESZ, de
Viktor Orbán, apesar de
se ter saldado numa suspensão condicionada a um mea-culpa
do sancionado, tem o mérito de dar visibilidade à guerra civil que se instalou
entre as famílias da Direita. O confronto aqui é entre dois importantes ramos,
cujas tensões são concretas: o nacional-conservador identitário e o liberal
federalista-europeísta.
Na
reunião da Assembleia do PPE, Joseph Daul, presidente da internacional popular,
acabou por convencer os delegados a votar uma solução de compromisso, que
suspendesse o FIDESZ em vez de o expulsar, dando-lhe oportunidade de continuar
no grupo mediante o cumprimento de algumas exigências.
Uma guerra antiga
A
guerra contra o FIDESZ começou em 2011, com a aprovação da Constituição
húngara. Perante a consagração constitucional da protecção da vida humana
desde a concepção até à morte e do casamento como a “união de um homem e de uma
mulher”, a influente ONG Amnistia Internacional declarou-se “profundamente
inquieta”, denunciando que, ao tornar inconstitucional o aborto, a eutanásia e
o casamento homossexual, a nova constituição húngara “violava regras europeias
e internacionais de direitos humanos”. A exigência de maiorias qualificadas
para alterações legislativas sobre valores ou princípios considerados fundamentais
foi motivo de mais inquietação para a Amnistia – ainda que a prática de
proteger especialmente determinados direitos e princípios esteja consagrada em
muitos textos constitucionais.
O dossier de intimidação da Hungria é
volumoso, mas o primeiro-ministro húngaro não é homem de se deixar intimidar. Orbán
tem uma longa carreira de luta e de desafio que lhe vem dos tempos de
estudante, quando discursou na homenagem a Imre Nagy, o líder civil da revolta
anti-soviética de Budapeste de 1956. Foi depois um dos fundadores do
FIDESZ (então uma aliança de jovens democratas) e a sua liderança
conduziu o Partido a uma progressiva direitização. O FIDESZ ganhou as eleições
de 2010 com maioria absoluta e em 2011 aprovou a polémica Constituição.
O
pensamento político de Orbán evoluiu do simples liberalismo anti-comunista para
o nacionalismo conservador e solidarista. Nacionalista moderado em política –
logo, eurocéptico – e conservador em valores – logo, crítico das agendas LGBT e
da ideologia de género –, o FIDESZ adoptou o liberalismo económico, ainda que
com limites nacionais e sociais, tendendo para uma economia social de mercado.
Para
um universo político-ideológico como o português, ainda dominado pela esquerda,
a situação húngara pode parecer surpreendente: à direita do FIDESZ de Orbán existe um outro partido
nacional-identitário, esse sim de “direita radical”, o JOBBIK (Movimento
para uma Hungria Melhor), o segundo partido mais votado nas eleições de 2018.
Maioria de direita e oposição… de direita
Nas
mesmas eleições de 2018, o FIDESZ – União Cívica Húngara – teve cerca de 3
milhões de votos (48%), que lhe deram 133 lugares num Parlamento de 199, logo,
a maioria absoluta; o JOBBIK, com cerca de 1.100.000 votos (23%), ficou com 26
lugares. Ou seja, os dois partidos, um de direita nacional-conservadora e o
outro de direita nacionalista-radical, com quase quatro milhões de votos de um
total de 5.700.000 votantes, conseguiram mais de 70% do eleitorado e ocupam 4/5
dos lugares do Parlamento.
Com
semelhantes resultados, não há alma politicamente correcta que não sofra um
forte abalo e não caia em profundo desânimo.
O
JOBBIK afirma-se “conservador e radicalmente cristão e nacionalista”.
Gabor Vona, historiador, professor e líder do Partido até 2018, procurou
desradicalizar o JOBBIK, acusado de racismo e de anti-semitismo, mas é
Tamás Sneider quem agora o lidera. A principal oposição na Hungria é este
JOBBIK, que em eleições municipais tem feito alianças com a esquerda contra o
FIDESZ.
Esta
diversidade de direitas dificilmente se coaduna com a amálgama indiferenciada a
que a esquerda (sobretudo onde ainda é hegemónica) parece querer continuar a
condenar “a Direita”. E a velha técnica da amálgama e da indiferenciação
tanto tem servido para colar toda a direita ao hitlerismo como, agora, para
tentar banir da vida política, por falta de “respeitabilidade democrática”, as
direitas que ameacem sair do redil destinado à direita domesticada.
É esta direita tolerada, a direita
centrista e liberal do PPE, o maior agrupamento político ideológico do
Parlamento Europeu (com 251 em 751 deputados), que agora quer expulsar o
partido de Viktor Orbán por “práticas pouco democráticas”.
A
carta pedindo a expulsão ou suspensão do Fidesz foi assinada por 13 dos cerca
de 30 partidos (da Finlândia, da Suécia, da Dinamarca, da Bélgica, da Grécia e
de Portugal, onde se incluem o PSD e o CDS) que constituem esta Internacional
“da Democracia Cristã, do Conservadorismo Liberal e do Federalismo Europeu”. À acusação de antieuropeísmo – baseada nos cartazes
que o FIDESZ espalhou pelas paredes da Hungria com o presidente da Comissão e
membro do PPE Jean-Claude Juncker ao lado do multimilionário George Soros sobre
a legenda “Você também tem o direito de saber o que Bruxelas anda a preparar!”
– junta-se a de não respeitar os “valores europeus” em matérias da liberdade
de ensino, de separação de poderes e de direito dos refugiados. No debate,
os deputados europeus dos REPUBLICANOS franceses e do FORZA ITALIA
(ex-Berlusconi) aplaudiram Orbán.
O espaço da Direita e da direita das direitas na Europa
Este
episódio dá que pensar – ou deveria dar. Encontramos aqui três direitas: a
do PPE, liberal e centrista, a de Orbán, nacional-conservadora, e a do JOBBIK,
que lhe faz oposição e que é nacional-radical. Direitas que lutam entre si.
Não
deixa de ser curiosa a atitude dos partidos do PPE ao acusar de não-democrático
o governo húngaro, um governo eleito por uma larga maioria e que, em nome dessa
maioria e respondendo à vontade popular, quer controlar a imigração, proteger o
povo contra o aquilo a que chama “submarinos culturais”, como as organizações
de George Soros, e governar em nome de princípios que protejam a vida, os
valores cristãos, a independência e a tradição nacional. E que, além disso,
está a transformar o antigo protectorado comunista num país moderno, avançado e
bem mais desenvolvido economicamente que Portugal.
Os
conceitos e espaços mudaram. A direita já é mais que a não-esquerda, tem
famílias e tendências várias, e em países como a Hungria é maioritária em nome
de um nacionalismo conservador e orgânico concretizado com decisão. E se na
Hungria a experiência comunista ajuda a explicar a hegemonia direitista, o
FIDESZ também é imagem das novas direitas que, além de recuperarem a matriz e
os valores da direita tradicional, são populares, são sociais e estão a ganhar
nas urnas, esperando-se que venham a reforçar a sua posição no Parlamento
Europeu nas eleições de 26 de Maio próximo.
Estas direitas não são
antidemocráticas nem antieuropeias: são eleitas democraticamente e, quando no
governo, não infringem as regras da Democracia; são críticas desta União
Europeia mas querem como alternativa uma “Europa das Nações” – talvez porque,
como argumenta Roger Scruton, os valores cristãos, os “valores europeus” que
sempre identificaram a Europa, não estejam inscritos nos princípios de uma
União que os recusa, que os não pratica e que até os combate, guiada por aquilo
a que dantes se chamava “complexo de esquerda”. É a essa União Europeia, desligada
das raízes da Europa, que os povos reagem.
As excepções
Mas numa Europa em que o crescimento
do espaço da Direita e da direita das direitas é geral, há duas excepções: a
Irlanda e Portugal.
Na
Irlanda, onde a afirmação identitária é particularmente sensível, é o partido nacionalista histórico, SINN FEIN, que
ocupa o espaço nacionalista. Por muito tempo identificado como o braço
político do IRA, o Partido recuperou a respeitabilidade democrática e tem tido
boas votações nas duas Irlandas; mas ainda que o seu pró-europeísmo seja
essencialmente nacionalista – anti-inglês e anti-Brexit –, a sua história e a
sua tradição afastam-no das direitas nacionais e populares.
Em
Portugal, além de não se verificarem as condições que têm determinado a
ascensão da Direita no mundo euro-americano, a esquerda doméstica, para manter
a hegemonia, continua a agitar o fantasma do regime autoritário que já deixou
de governar o país há quase meio-século. E a
chamada direita do arco da governação colabora na táctica.
Mas
há reacções. E há dissidências. No cartaz da ALIANÇA, de Pedro Santana Lopes,
pode ler-se “Um País às Direitas”, e Miguel Morgado, num referencial histórico
à AD, fundou o movimento 5.7, um “espaço de reunião e de discussão, que
pretende refundar as bases intelectuais do espaço não-socialista”.
É
já só quando se chega a André Ventura que todos parecem dizer “chega”, até o
Tribunal Constitucional que, independentemente da regularização de
irregularidades – de assinaturas, coligações e nomenclaturas –, promete
continuar “a analisar os estatutos”. Trata-se, afinal, da tal “direita não
democrática”, a mesma que na América, no Brasil e por essa Europa
fora tem vindo a ganhar eleições e a governar em Democracia – ou não exactamente a mesma, já que, segundo
Ventura, a direita do CHEGA, “não será à americana, nem à brasileira, nem à
italiana” mas “à moda portuguesa”; uma direita “integrada na direita
democrática” embora “encarne valores mais radicais”, enfim, “uma alternativa na
direita portuguesa que parece não existir”.
COMENTÁRIOS:
Dr. Feelgood: Excelente, ou melhor, magnífico. E
porquê ? Porque dissecou com verdadeira mestria de cientista a essência da
moderna direita europeia. EU voto nela !
Antonio Rodrigues: É uma atitude
anti democrática o que o PPE está a tentar fazer. Em Portugal até o CDS tem
vergonha de se dizer de Direita, votou a favor, com grande alarde do seu
candidato, da expulsão ou suspensão do partido mais votado na Hungria. Quem
tiver curiosidade consulte os dados estatísticos sobre a evolução económica e
social da Hungria nos últimos anos e compare com Portugal. No coments.
chronos doispontozero: Serão os
"valores cristãos" deste santo homem da direita que dão conforto
moral à Europa para apoiar todas as guerras de extermínio, roubo, ocupação
territorial, extorsão e golpes de Estado operados pelos EUA em todo o mundo e
para lá disso, ainda apoiam o amanhecer dos filo-fascistas em governos
formalmente democráticos
André Silva > chronos
doispontozero: Pára de dizeres asneiras, é confrangedor e só te
envergonhas em público.
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