Realmente,
as populações das colónias, em que eu me incluo, foram muito ceguinhas
relativamente aos espaços onde se fixaram. Sabíamos que pertencíamos a um povo
pequeno que outrora cometera feitos valorosos, como se ensinava nas escolas,
mais, é certo, a história, a geografia e a fauna e flora e as vias férreas e os
afluentes das duas margens dos rios da nação mãe, do que os mesmos dos espaços
colonizados, tirando as capitais e alguns genéricos, como por exemplo, o nome
das ilhas dos arquipélagos que nos pertenciam e pouco mais. Lembro-me, sim, do
meu pai, a preparar-se para um concurso de Fiel de Armazém, e a estudar
distritos e circunscrições e pormenores tremendos que lhe fizeram obter o
primeiro lugar. Mas acreditava piamente naquilo que eu própria ensinava e não
punha em dúvida que a nação dilatada devia ser religiosamente conservada. Tive
dois maridos e um cunhado que foram chamados a cumprir, o cunhado acompanhado
da mulher, lá no norte de Moçambique, donde depreendi que não era tão grave
assim, embora fosse na condição de médico, mas foram obrigados a entregar a
filhita aos avós, na Zambézia, e isso magoou-nos. O meu segundo marido fizera a
guerra em Angola, mas raramente falava nisso. Cumprira, como paraquedista e bem
assim um primo seu. Dos colegas dos tempos do liceu, sabia de alguns, mais
abastados, que se escusaram à tropa e à guerra de África, fugindo para França e
outros países da sua devoção, donde, provavelmente, contribuíram para o
agudizar desse problema das descolonizações, espertos e cultos que eram. E
traidores. Mas só mais tarde vim a saber dos intelectuais, que, também
instalados e bem, nas colónias, escaparam à guerra e conspiravam contra a
pátria. Mais tarde quando tudo aconteceu. Caiu o Carmo e a Trindade, eu tinha
cinco filhos, e a hecatombe que nos caíra em cima fez-me publicar um livrinho
em 74, “Pedras de Sal”, dividido em duas partes – Antes do Golpe e “Depois do
Golpe”, de diferente dimensão crítica que saíra, pouco antes do “Sete de
Setembro” expressivo das reacções de quem não podia calar a voz inútil. Tempos!
Continuei a não calar, é certo, a mesma voz inútil,
mas sinto prazer quando encontro vozes que também não se calam, mesmo quando
tudo está perdido, e o país reduzido não pode mais erguer-se, apesar dessas vozes.
Uma delas é a de Salles
da Fonseca, sincero e leal e, provavelmente menos artilhado do que os seus dois
comentadores, mais ou menos oponentes, a quem a frieza e a objectividade
críticas dão outra amplitude aos acontecimentos. Prefiro a “cegueira”, que não
cede.
Henrique
Salles da Fonseca
26.04.19
Em
Abril de 1970, na minha recruta na EPI-Escola
Prática de Infantaria, em Mafra, testemunhei (sem perceber do que
se tratava) a incorporação de Cadetes que até então viviam no estrangeiro.
Muito
mais tarde, já a tropa cumprida, percebi que se tratava de exilados políticos
cuja missão passaria a ser a infiltração do Exército naquilo que seria a
desmoralização progressiva das forças militares que Moscovo não conseguia, pela
guerrilha, vencer em Angola e em Moçambique.
Eles
estavam politizados; nós, não.
Como
teria sido se nós estivéssemos politizados; o que se comemoraria actualmente?
Não
por certo a manutenção das colónias mas certamente algo de bem diferente das
desgraças por que quase todos eles passaram.
E nós, por cá?
Talvez
não tivéssemos que afirmar que o 25 de Abril foi um golpe de Estado comunista
executado por militares ingénuos que de política nada percebiam ou que, pelo
contrário, estavam super-politizados no sentido de entregarem as colónias
portuguesas ao Império Soviético.
Não
teríamos talvez tido que esperar pelo 25 de Novembro de 1975 para dizermos que
só então é que a democracia ficou assegurada, não teríamos talvez assistido à
destruição da malha produtiva nacional, teríamos certamente tido a oportunidade
de avançar resolutamente para uma política coerente de desenvolvimento e bem-estar
em vez de andarem por aí aos gritos de propaganda menos balofa do que teria
sido conveniente.
Se
nós estivéssemos politizados, não sei como teria sido mas do que não tenho
dúvidas é que teria sido muito diferente do que não comemoro em Abril.
Abril de 2019 Henrique Salles da Fonseca
COMENTÁRIOS:
Henrique Salles da
Fonseca 26.04.2019 12:59: Sorry mas em desacordo sobre alguns pontos. Se o
Salazar não se tivesse agarrado ao poder e, ressequido e casmurro, não se
tivesse colocado numa cegueira total sobre o problema Ultramarino que, como já
então se via pelos exemplos Belga, Francês e Inglês, não tinha outra solução
que não descolonizar a tempo e horas; se o Marcelo tivesse sido um político
esclarecido e corajoso e tivesse tomado medidas com os militares que o
apoiavam, nada do que aconteceu se teria provavelmente passado. Os militares
deram aos políticos, em África, o tempo suficiente para que eles resolvessem o
problema. Não o fizeram e é claro, quem se lixou fomos nós todos. Para passar
a um regime democrático e civilizado tivemos que apanhar com o PREC, com o
desmantelamento da débil economia nacional, com uma descolonização que nos
fechou as portas do entendimento com as ex-colónias etc. Que Moscovo, no
quadro da geopolítica internacional minava o sistema já todos sabiam.
Razão, por isso, para lhes tirar o tapete debaixo dos pés a tempo e horas. Essa
ideia da Nação una e indivisível da Europa até Macau só dá vontade de rir.
Sempre me interroguei como isso ia sendo possível à medida que tudo se
agravava. E falo com conhecimento de causa porque não só estive no Ultramar no
serviço militar como, por razões profissionais, percorri África de lés a lés,
ao longo da vida, incluindo as nossas antigas colónias. E viva a liberdade de
expressão de pensamento, viva o sistema democrático e a Europa a que pertenço. Abr.
Jorge Gaspar de Barros
Adriano
Lima 26.04.2019 16:29: É de
importância fulcral esta interrogação do Dr. Salles da Fonseca: “Como teria
sido se nós estivéssemos politizados; o que se comemoraria actualmente?”
Bem,
se estivéssemos politizados, não apenas em 1974 mas a começar uns anos bem
atrás, ter-se-ia provavelmente reflectido sobre a impossibilidade de continuar
a querer manter a posse das colónias à força das armas. E obviamente o
resultado teria sido procurar negociar uma solução política, sem a pressão dos
acontecimentos, como aconteceu em 1974 e 1975, com o ónus ainda de um poder
revolucionário pouco coeso.
Estava
eu em Moçambique em Abril de 1974, a completar dois anos de permanência numa
zona de combate, com a noção plena da inutilidade que fora a nossa acção ao
longo de todo esse tempo. Durante
o período da guerra colonial, não houve qualquer evolução nas nossas
condições materiais (ao nível do armamento e equipamento) para ao menos
criar-se um diferencial de poder qualitativo entre nós e o inimigo (de então).
Basta dizer que a maior parte das baixas que sofríamos ocorriam em
actividade logística (colunas de reabastecimento). As forças militares tinham
de percorrer entre 80 e 100 kms para as funções de reabastecimento ou então
para reduzir a distância entre os estacionamentos e as zonas onde eram lançadas
acções ofensivas. Ora, ao inimigo bastava semear nos itinerários minas
anticarro para retardar as nossas deslocações. Isso implicava (para nós)
pesquisar permanentemente a presença de minas ao longo dos deslocamentos, às
vezes com sucesso e outras não, o que ocasionava rebentamentos e perdas de
vida. Se cada batalhão pudesse contar com 5 helicópteros, os riscos nos deslocamentos
terrestres teriam caído para valores irrisórios e o rendimento e a eficácia da
nossa actividade operacional e logística atingiriam expressão bem diferente.
Mas não, o poder político estava convencido de que enquanto houvesse carne para canhão (e militares obedientes), a coisa ir-se-ia aguentando. No fim, perante um inevitável descalabro militar, por absoluta impossibilidade de fazer melhor, o poder político atribuiria a responsabilidade ao exército, ou seja, aos militares.
Mas não, o poder político estava convencido de que enquanto houvesse carne para canhão (e militares obedientes), a coisa ir-se-ia aguentando. No fim, perante um inevitável descalabro militar, por absoluta impossibilidade de fazer melhor, o poder político atribuiria a responsabilidade ao exército, ou seja, aos militares.
O
resultado foi, de facto, a lamentável descolonização que houve, sem plano e à
pressa, o que, quanto a mim, é uma mancha na nossa honorabilidade política e
militar. Mas atribuir as culpas a gente infiltrada nas fileiras militares é
demasiado breve e simplificadora, embora alguns desses submarinos tenham
tentado cumprir o seu “papel”, até 25 de Novembro, como sei por experiência
própria.
Mas, voltando à premissa inicial, se a nação tivesse sido convenientemente politizada, de modo a induzir as melhores decisões ao poder político, provavelmente o país e as colónias teriam outras datas e outros motivos para comemorar. Milhares de mortes teriam sido evitadas e as economias de todos os envolventes não teriam conhecido as disrupções que houve.
Mas, voltando à premissa inicial, se a nação tivesse sido convenientemente politizada, de modo a induzir as melhores decisões ao poder político, provavelmente o país e as colónias teriam outras datas e outros motivos para comemorar. Milhares de mortes teriam sido evitadas e as economias de todos os envolventes não teriam conhecido as disrupções que houve.
Ainda
assim, há quem pense que o desfecho poderia ter sido bem pior, se não fôssemos,
ao fim e ao cabo, povos moderados nos nossos comportamentos e nas nossas
acções. Conseguiu-se, apesar de tudo, salvar o nosso relacionamento com as
colónias, havendo condições para se pensar que a lusofonia só não ganhará
maior amplitude se não quisermos. Agradeço ao Dr. Salles da Fonseca a
oportunidade que deu para o diálogo amigo e sincero entre todos.
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