quinta-feira, 4 de abril de 2019

Um dragoeiro transplantado



Foi em S. João do Estoril, que o conheci e admirei, junto dum velho e enorme tanque seco, onde a malta jogou e ainda hoje joga. Estranhei há tempos a sua ausência. Parece que secou, mas um rebento continua, mais adiante, estranha árvore cuja foto Salles da Fonseca revela, da ilha de Socotorá, como também aprendi, e não Socotra.  E assim vamos viajando e rindo, com o humor de SF, admirando a sua disposição viageira, destemida sem dúvida, talvez numa curiosidade ridente, para conhecer sítios de que se estudavam os nomes na escola antiga. E vamos simultaneamente tomando nota das informações que transmite, acerca do que se vai passando nesse mundo assustador de pirataria que os povos da civilização vão impedindo, felizmente.
SOCOROTÁ
HENRIQUE SALLES DA FONSECA           A BEM DA NAÇÃO 03.04.19
Anda por aí muita «fake new» e estou em crer que foi nesse estilo que se enquadrou a versão que há tempos circulou sobre a pirataria no Corno de África.
Dizia essa fake que os navios europeus iam despejar resíduos perigosos e pescar desalmadamente nas águas somalis, eritreias e iemenitas e que os cidadãos desses países, escandalizados com o desplante estrangeiro, tinham decidido combater tal prática fazendo o policiamento das respectivas águas e atacando os navios prevaricadores. Não sei se não terá havido ilegalidades daquele género ou outras vilanias ainda mais torpes mas do que eu duvido seriamente é que os eritreus, somalis ou iemenitas se tenham alguma vez preocupado com esse tipo de assuntos. O que eles são é, pura e simplesmente, piratas. Assim foi que alguém tentou culpabilizar as vítimas desculpando os atacantes. Uma completa inversão de valores, esta, sim, torpe. E, zarpando de Salalah, foi para essas águas que nos encaminhámos…Então, aí vamos nós de peito feito às balas da pirataria. Mas como homem prevenido vale por dois, o Comandante – seguindo as orientações da prudência – fizera embarcar em Mascate uma equipa de 14 atiradores especiais (snipers) que estavam autorizados a atirar a matar tudo o que bulisse à tona da água e de que eles desconfiassem. Disseram-me que se tratava de um grupo tunisino pelo que descartei a hipótese de serem «piratas reciclados».Tinha sido precisamente em Mascate que me cruzara com dois deles na escada do portaló e fiquei com a certeza de que optaria pela piscina em vez de tentar nadar à volta do navio. Os fuzis deviam ir desmanchados dentro das malinhas «à James Bond» que levavam discretamente na mão; duvido que fossem explosivos para afugentar tubarões ou para a pesca ao candeio. Viemos a saber mais tarde que a observação nocturna era feita também com infravermelhos.Os simulacros de emergência já tinham sido feitos antes de chegarmos à zona problemática que é a que vai das águas somali-iemenitas, passa o Estreito de Áden, entra pelo Mar Vermelho e chega mesmo à boca do Golfo de Aqaba. Para além do simulacro com passageiros, houve também mais dois apenas para os tripulantes em que um dos exercícios era o da evacuação dos camarotes e condução dos passageiros para os respectivos locais de concentração e eventual resgate. A minha trincheira era no casino, atrás duma slot machine. Passei a associar pirataria a «Bally», a marca da dita máquina. Foi de noite que passámos ao largo da ilha de Socorotá (hoje, iemenita) pelo que não a vislumbrei assim registando um desaire da minha curiosidade. Sim, essa ilha era o ponto de apoio dos navegantes portugueses quinhentistas na rota entre a amiga Etiópia (a do Preste João) e Diu. De clima horrível, até as árvores (poucas) assumem formas estranhas. Nunca a povoámos devidamente e apenas os Franciscanos ali instalaram uma missão para pregarem… às pedras. Entrámos no Golfo de Áden e navegámos paulatinamente até ao Estreito (que Afonso de Albuquerque tentou debalde conquistar) onde amanheceu. Tomámos o pequeno almoço e fomos para o deck 10 da ré onde o vento (entrando pela proa) não incomodava. Vimos o mar a fugir por baixo de nós, peguei num livro e apanhei Sol. Até que a velhota baixinha se sentou ao meu lado e pôs os pés sobre a banqueta que estava à sua frente a ver o mar a fugir. Fez-me lembrar a minha professora de geografia no liceu que nos falara dos tubarões que enxameavam o Mar Vermelho durante uma viagem que ela fizera de Goa a Lisboa. Cheguei-me à amurada e só vi água. Disse-lhe em castelhano (a maior parte dos passageiros era de espanhóis) e depois em inglês, que não havia tubarões. Não esboçou qualquer reacção e admiti que se considerava superior à minha insignificância ou que era apenas malcriada. Deixei passar o não-incidente e regressei à minha confortável cadeira. Daí a pouco, chegou outra velhota que lhe gesticulou qualquer coisa que não percebi. Sim, é verdade, nunca aprendi língua gestual, não consigo comunicar com surdos-mudos.
E foi então que…     (continua)   Abril de 2019
10 comentários
 Adriano Lima  03.04.2019, 13.52: Fico com a impressão de que este episódio com a "velhinha" brasileira já tinha acontecido em post anterior, ou então foi ela que voltou à carga. Mas posso estar equivocado.
 Henrique Salles da Fonseca  03.04.2019  15:33: Sim, constava da apresentação da generalidade ao estilo de índice da viagem como ponto de humor. Agora, vem no processo cronológico.  Da pirataria também já referi algo mas amanhã aparece tudo devidamente enquadrado.
 Adriano Lima  03.04.2019  19:53: Percebido, e já calculava que assim fosse. E desconfio que a "velhota", e não "velhinha", como eu erradamente disse, pois há uma diferença nos diminutivos, ainda vai fazer das suas, ah-ah-ah. Quanto aos snipers
Henrique Salles da Fonseca  03.04.2019  20:27: Quanto à velhota presumivelmente surda-muda, não voltei a cruzar-me com ela. No que se refere aos snipers, fiquei com a ideia de que se trata de iniciativa dos Armadores, aliás à semelhança do que se vê nos muitos vídeos que há no YouTube sobre o mesmo tema com navios mercantes. Por exemplo, os navios russos estão armados com canhões, fazem tiro ao alvo nos barcos suspeitos e vai tudo directo para os tubarões; com ingleses e americanos, há mais subtileza e demoram mais tempo a enviar os piratas ao fundo.  Aqueles países estão quase todos em alvoroço (Iémen, Somália, Eritreia) e têm outras preocupações que não a regulamentação da segurança a bordo dos passantes.  Quanto às outras questões que o Senhor Coronel coloca, não sei responder.
Adriano Lima  03.04.2019  21:46: Obrigado pelos esclarecimentos, Sr. Doutor. Esse tipo de actuação dos russos eu já tinha lido e, conhecendo-os como conhecemos, não haverá razão para pensar que é "fake new" Fica-se com a ideia de que cautelas e caldos de galinha não fazem mal a ninguém lá para aqueles lados.
Henrique Salles da Fonseca  03.04.2019  16:56: A ilha (arquipélago de 4 ilhotas) chama-se SOCOTRA e as árvores são DRAGOEIROS ou em inglês DRAGON TREES, das quais em Sta Apolónia há 2, plantadas por antepassados meus e conheço uma em Algés!!  Vasco van Zeller
 Henrique Salles da Fonseca 03.04.2019  16:57: Em português, dos tempos em que por lá andámos com mando e não mandados, diz-se Socotorá.
 Henrique Salles da Fonseca  03.04.2019  16:59: Prezado Dr. Salles da Fonseca: É apaixonante acompanhar as suas aventuras por paragens, que não sendo nova , de uma maneira ou outra, envolveram e envolvem ainda Portugueses com curiosidades e apontamentos interessantes para os tempos que se vivem actualmente. Nestas aventuras a família fica em casa? Muito obrigado pela partilha e aproveito para lhe desejar, e à sua família, uma Santa Páscoa. Nós vamos até Sint Niklass, ter com a família belga.Um abraço. Manuel Henriques
Henrique Salles da Fonseca, 03.04.2019  17:01: Páscoa feliz para vós todos, também.
A minha mulher vai sempre comigo; as filhas estão casadas e com as famílias delas, já não andam habitualmente connosco nestas aventuras. Abraço
Adriano Lima 03.04.2019 19:54 O dragoeiro é uma árvore que também existe em Cabo Verde, e que creio que também nas Canárias.


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