Enviou-me Salles
da Fonseca um e-mail para ser divulgado, por o ter recebido
nesse sentido. Trata-se de uma resposta de desforço, do filho de Marcelo Caetano – Miguel Caetano
- ofendida a memória do pai, na narrativa de José Pacheco Pereira, na
referência à forma de apresentação daquele na primeira aula de cada ano da sua Faculdade
de Direito, distinguindo os alunos das famílias da elite cultural ou
financeira. Eu própria ficara chocada com a deselegância mesquinha contra um
homem que aprendi a respeitar e por isso o referi num texto do meu blog – “Conversas
em Família” - de 3 de Abril, sem, todavia, ter feito as considerações
que ela merecia, transposta a questão para outra deselegância ainda mais
perversa - a da comparação dos jovens deputados com as chitas, embora esta
feita em tom paternalista, ao contrário da primeira, de um tom de vingança rancorosa
abarcando todo um passado que mostrou bem menosprezar. A menos que o tenha
feito por vaidosa referência aos seus próprios pergaminhos doutorais, que
passaram pelo crivo de um homem de tanta fama.
Miguel Cardoso defende
claramente a imagem do pai, e aqui transcrevo a sua carta de repúdio:
JOSÉ PACHECO PEREIRA, 30 DE MARÇO
DE 2019
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13:11 (há 5 horas)
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RECEBIDO POR E-MAIL COM SUGESTÃO
DE DIVULGAÇÃO
Meu Caro Dr. José Pacheco
Pereira,
Li a sua crónica no Público de
30 de Março passado, intitulada “Conheci muito bem o seu pai, foi meu aluno”,
na qual, a propósito das “famílias” governamentais e arredores, tema agora
muito em voga, conta um episódio do passado, que teria como protagonista o meu
pai, Marcello Caetano: “Caetano chegava à primeira aula e chamava os estudantes
um a um, e interpelava-os com variantes da mesma conversa: “conheci muito bem o
seu pai”; “você não é sobrinho de X? É que ele foi meu aluno”; “é da família X?
O seu tio esteve comigo nos Graduados da Mocidade Portuguesa”; “o seu pai ainda
está em Moçambique?”, etc., etc. De vez em quando, empancava num plebeu e não
sabia o que dizer”.
Sem contestar que “Estávamos numa
época em que na universidade havia apenas 4% de estudantes de famílias
operárias e camponesas”, devo-lhe dizer que não conheço ninguém que tenha
presenciado tal episódio.
Fui aluno de Marcello Caetano nos
anos lectivos de 1952/53 (Direito Constitucional) e 1953/54 (Direito
Administrativo). Dois anos antes de mim, o meu irmão José Maria, que já
faleceu, foi igualmente seu aluno. Nunca assisti a tal cerimonial. Temendo que
ao afirmar isto, pudesse ser acusado de falta de memória, procurei confirmar
junto dum colega meu, com o tal perfil “plebeu” que vem referido no seu texto,
e fiquei mais descansado: também não se recorda de tal episódio. Procurei,
ainda, recolher o testemunho de dois colegas do meu irmão José Maria, os quais
também confirmaram não ter presenciado tal cerimonial.
É claro que tal pode ter
acontecido nos anos quarenta ou nos anos sessenta. Certamente que alguém lhe
contou.
É verdade que Marcello Caetano
tinha uma memória extraordinária, que fixava os nomes completos de todos os
seus alunos (fazia questão de ser ele a dar as aulas práticas, onde o
relacionamento com os alunos era mais personalizado, e de anotar nas cadernetas
de cada um as suas apreciações). E conheci vários episódios de ele encontrar um
antigo aluno, que o vinha cumprimentar, e ele de imediato dizer: “lembro-me
muito bem de si, foi meu aluno no ano tal e o seu nome completo é…). Tal também
acontecia em conversa, quando alguém lhe perguntava se sabia quem era fulano ou
sicrano, e ele logo o situava, pelo nome, família, profissão, etc...
Mas não empacava em plebeu
nenhum, pois tinha o maior respeito por aqueles que, tal como ele, vinham duma
família “humilde”, e conseguiam, com bolsas de estudo ou como
estudantes-trabalhadores, licenciarem-se num curso superior. Também é claro que
não se esquecia daqueles que tinha conhecido na Mocidade Portuguesa, alguns dos
quais o acompanharam toda a vida.
Mas retomando o tema que originou
o seu texto de opinião, o das “famílias” governamentais, não consigo perceber o
que o levou a escolher Marcello Caetano para demonstrar que já no passado se
verificavam as mesmas concentrações familiares no governo e na vida política.
De facto, como é natural,
escolheu para os seus governos alguns antigos alunos, como João Dias Rosas,
Joaquim Silva Cunha ou Joaquim Silva Pinto, que não creio que pertencessem a
meios sociais elitistas, embora outros, como Rui Patrício (filho de embaixador)
ou Augusto Ataíde, pertencessem a famílias já conhecidas. Também chamou para o
governo “jovens” que conhecera nos tempos da Mocidade Portuguesa, sendo o mais
conhecido Baltazar Rebelo de Sousa, que também não pertencia aos tais meios
sociais elitistas, assim como escolheu numa geração mais jovem um grupo de
economistas e engenheiros, como Xavier Pintado, João Salgueiro, Costa André,
Rogério Martins, nenhum deles seu aluno e nenhum com origens sociais
relevantes. E, que eu saiba, nenhum destes tinha qualquer relação de parentesco
entre si, nem nomeou parentes para os seus gabinetes.
É claro que não me vou esquecer
do Ministro das Obras Públicas, Rui Alves da Silva Sanches, sobrinho de
Marcello Caetano. Mas esclareço, para quem não saiba, que tinha feito uma
carreira profissional no Ministério das Obras Públicas, com todas as promoções
obtidas após concurso, e que já era secretário de Estado quando Marcello
Caetano foi nomeado Presidente do Conselho. E, já agora, que foi chamado pelos
governos portugueses post-25 de Abril para acompanhar a execução das obras do
Alqueva, e pelo governo angolano como consultor dos planos hidráulicos que
acompanhara antes da descolonização.
É claro que me alonguei mais do
que o necessário. Mas como o Dr. Pacheco Pereira escolheu o meu pai como
exemplo paradigmático das endogamias do regime anterior ao 25 de Abril,
aproveitei para deixar tudo bem esclarecido. E, para terminar, acrescentarei
apenas que nem eu nem o meu irmão obtivemos as classificações necessárias para
prosseguir uma carreira académica na Faculdade de Direito.
Quanto à utilidade dos meus
esclarecimentos, deixo ao seu critério a decisão de qual o uso mais adequado
daquilo que escrevi.
Com os melhores cumprimentos
Miguel Caetano
(Email:…)
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