segunda-feira, 8 de abril de 2019

Dois textos diametralmente opostos


Não no tema focado – ambos de viagem de recreio e informação – mas no sentido das mensagens, além dos espaços explorados – um como sítio de calor, outro como sítio frígido; um mais circunstanciado em termos de dados descritivos, informativos e críticos; outro apenas aflorando pormenores situacionais, conquanto de elogio ao país que destaca – Lituânia - mais interessado na busca do eu mergulhado na sua solidão, por paralisia convivial dos outros causada pelo frio; um, com intuitos de focalizar aspectos circunstanciais, o outro, partindo do exterior climático impeditivo de comunicação ou interacção, para uma análise de um ego firme e resoluto; um naturalmente mais dinâmico, de orientação mais objectiva, racional e de intenção didáctica subentendida na narrativa, outro de carácter mais abstracto, psicológico, egocêntrico, subjectivo. Claro que uma leitura mais cuidada apontará outras diferenças, até mesmo na questão do estilo: o primeiro, de Salles da Fonseca, claro, desinibido, directo, aberto, de progressão na acção. O segundo, de António Barradas, de expressão mais vaga e até poética, com imagens sugestivas, de um jogo um tanto retórico, repetitivo, filosófico, circular.

De ambos gostei, o primeiro merecendo comentários de apreço e curiosidade, o segundo bastando-se nos seus conceitos, que ninguém quis partilhar. A mim, merece, em todo o caso, um bravo de apoio, na sua expressão conceituosa, bastante bem concebida. Quanto à viagem de Salles da Fonseca, ele aí está, na Jordânia, a caminho de Petra, e descobrindo questões económicas e políticas que têm a ver com a participação da U E, o que é obra, pois a todos ela assim irmana. Quanto a António Barradas, ele lá está, estátua de gelo que se basta a si próprio na sua beleza, que apela ao desejo de ir conhecer também


HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO 07.04.19

LUA OU MARTE

Alvorada pelas 6 da manhã, pequeno almoço pelas 7, início da excursão a Petra pelas 8. Rodas à viagem para fora de Aqaba pelas 8,30 em estrada relativamente boa, paralela ao caminho de ferro, vale acima por onde Lawrence da Arábia veio por ali a baixo.

Aridez seguida de mais aridez, mesmo assim topei com 4 ou 5 muros de contenção das chuvas e respectivos aluviões, antes que assolem a cidade lá no fundo. Noutros locais, chamaríamos represas ou mesmo mini-barragens mas ali não passam de muros de contenção de lamas. Mas estão cheios pelos aluviões anteriores e que, caso aí venha nova chuvada, servirão mais de trampolim do que de retenção. Perguntado, o guia não me respondeu sobre há quanto tempo por ali não chove; já não lhe perguntei sobre a previsão meteorológica porque ele vive em Amman, não deve saber destas particularidades do extremo Sul e estava ali para receber as comissões dos lojistas, não para nos responder a curiosidades não previstas no programa que lhe tinham consignado na agência de turismo.

FOTO: Jordânia – no caminho de Aqaba para Petra

Até que o vale subiu, subiu e se transformou num planalto onde há vida com aldeias e seus minaretes, culturas (de sequeiro, claro) e animais por aqui e por ali.

Miséria? Não no conceito que eles próprios possam atribuir à condição de miserável mas, para nós, aquela é por certo uma vida muito contida. E, mesmo assim, o grau de insatisfação leva aquela gente a emigrar com uma certa militância. Vê-se o investimento feito pelos emigrantes que ali vão construindo casas algo desenquadradas das outras construções, como aquelas a que no nosso Norte chamamos as «casas tipo maison».

Foi também por causa deste afluxo de capitais que admiti que o câmbio da moeda jordana, o Dinar, equivalente a cerca de USD 1.50, não seja assim tão absurdo como de início me pareceu. Absurdo, sim, mas não tanto como pensei antes. É que a Jordânia – à semelhança de outros que bem conhecemos… – vem sendo apoiada financeiramente por várias instituições tais como o FMI e a UE. Em 2016, o pretexto para o apoio foi o acréscimo de custos que o país teve com os refugiados sírios. Mas, porquê aquele câmbio? Não me vou deter mais no tema pois que estou em turismo, não numa conferência sobre finanças internacionais ou de mercados de capitais. De uma coisa tenho a certeza: aquele câmbio não resulta das forças económicas naturais mas apenas de algum Decreto.

Assim meditei durante as cerca de duas horas de viagem por meio de paisagens lunares ou marcianas, até que chegámos a Petra, cidade enclausurada num desfiladeiro que os jordanos actuais não resgataram assim tanto lá das profundezas em que os nabateus se enfiaram nos tempos idos. Porquê tão fundo? Água, certamente.

 (continua)

FOTO: Henrique Salles da Fonseca (junto a um neo-nabateu que cobra € 1,00 por foto)

COMENTÁRIOS

Henrique Salles da Fonseca 07.04.2019 08:58: Bom dia! Petra é linda! Gostei imenso! Forte abraço Bruno Caseirão

Adriano Lima 07.04.2019 13:52: A viagem continua e agora pelo deserto fora, por necessidade de chegar ao destino - Petra. Devo dizer que o deserto me seduz pela sensação de infinitude que transmite. Talvez por eu ter nascido e vivido até aos 18 anos numa ilha muito árida (S. Vicente, de Cabo Verde), com paisagens que também se definem como lunares ou algo parecido. Nas minhas viagens a S. Vicente não me dispenso de dar umas voltas por essas paisagens em viatura todo-o-terreno. Pela narrativa, fica a confirmação de que a Jordânia é um país árabe onde o poder se exerce com moderação e onde se vive em paz social relativa. Vê-se que a educação de cariz ocidental do monarca tem sido um factor positivo, embora as más vizinhanças. O Dr. Salles da Fonseca vai falar disso? Aguardemos pelo resto do périplo, provavelmente uma palavra mais detida sobre Petra.

Henrique Salles da Fonseca 07.04.2019 15:13: Como o Senhor Coronel vai ler no episódio seguinte, saímos de Petra tão zangados com os neo-nabateus que só nos apeteceu nem sei bem o quê. A exploração ignóbil que está a ser feita por aqueles beduínos mal encartados desmerece a maravilha monumental do sítio e ou o Governo assume uma posição correctora daqueles desmandos ou a imagem da própria Jordânia sai dali muito amachucada. Tratarei de Petra quando estiver mais sereno mas, entretanto, vou preparar uma Petição ao Governo jordano para pôr ordem naquela caos.

Adriano Lima 07.04.2019 21:03: Estou a ver que existe exploração descontrolada obrigando o turista a despesas inaceitáveis. Mas penso que não será tanto pelo preço de posar ao lado dos neo-nabateus ou até pelas refeições, mas certamente pelo acesso às curiosidades do lugar. Mas logo nos dará a conhecer tudo em tempo próprio. Quanto ao problema de segurança, penso ter lido que há escoltas militares que acompanham as excursões, se bem que na Jordânia o terrorismo tem andado sob controlo, tanto quanto penso.

Henrique Salles da Fonseca 07.04.2019 21:14: Na Jordânia não sentimos a menor insegurança nem fomos escoltados em parte nenhuma do percurso (4 horas de autocarro).

Adriano Lima 07.04.2019 21:27: Obrigado, Sr. Dr. Fico com mais argumentos para convencer a minha mulher a visitar estes lugares. Tirando o problema dos piratas, claro.

 

II - Viajamos sozinhos, nunca desacompanhados

A maior vitória de passear sozinho será sempre quando aprendermos a deixarmo-nos levar. Pelo melhor que o diferente tem para nos oferecer. Sem julgar.



PÚBLICO, 6 de Abril de 2019, 9:10

É Janeiro e as pessoas escondem-se atrás dos flocos de neve em catadupa que vão caindo em Vílnius, na Lituânia, o último país do Báltico para os aventureiros que começaram a travessia perto do Pólo Norte ou o primeiro para aqueles que vieram juntamente com o parcos raios de sol do Sul. A neve toma conta da paisagem e não deixa que nenhuma conversa ao ar livre comece sem expelir vapor, que rapidamente se difunde nas catedrais ortodoxas que se vão multiplicando na paisagem. As caras fecham-se a cada passo e o sorriso passa a ser a moeda mais cara de qualquer dos países que enfrenta temperaturas em que 0 graus já é calor.

Decidi dar um passo maior do que o 42 resvés que calço para perceber onde me enquadro. Não há uma medição exacta do sítio de onde somos. Cabemos em todos os milímetros do nosso mapa-múndi, mas sentimos sempre que há algo que não encaixa em nós. Procuramos sempre o que não nos dão. Na falta de sentimentos intrínsecos no que diz respeito à geografia, optei pelo clima para testar a minha companhia. A serenidade do Báltico aliada à história madrasta da Lituânia, Letónia e Estónia, contrastando com a minha impetuosidade e irrequietude. A mistura perfeita. Deparei-me com um charme que arrebitou cada um dos mais de 20 mil e muitos pêlos que se eriçaram mal perceberam o desafio. Que não está em viajar, mas em nos viajarmos.

“No momento de partir para lugar algum sozinho, questionamos tudo o que o nosso léxico permitir. As nossas vontades têm mais vogais do que consoantes e variam consoante os carris do Transiberiano. Decidimos partir connosco, certos das incertezas da rota, mas confiantes que as desconfianças se esfumarão.”

 “Louco” foi a palavra mais ecoada em todos os que se sujeitaram a ouvir o trajecto. O que pretendia era sempre partir de mim, mas comigo. Em lugares semi-recônditos, onde a conversa é parca, para conseguirem amealhar energia para a próxima vaga de frio e onde o franzir de sobrancelha é a frase mais longa que nos oferecem. Não exteriorizamos as reclamações, aprendemos que só podemos gritar connosco. Pegamos num café quente, enfiamos o gorro até aos olhos ficar com borbotos e babamos o cachecol com os impropérios que vamos sussurrando para nós. Queremos conhecer tudo sem nos perdermos no cheiro a pastel de nata contrafeito que vem de um local onde só não servem estufados como sobremesa.

A maior vitória de passear sozinho será sempre quando aprendermos a deixarmo-nos levar. Pelo melhor que o diferente tem para nos oferecer. Sem julgar, aprendendo a cada “ne” ("não”, em letão) que ali não se dá dois beijinhos, explorando todos os museus que, além de história, nos oferecem calor e a ver a beleza no branco que cobre a natureza.

Há uma bússola interior que, por mais magnetismo que exista, insiste em não ter o Norte calibrado. Não há íman que a guie sem um oscilar constante dos ponteiros. Submergimos quando vemos a beleza de um campo branco, onde outrora houve verde. Contemplamos o que nos falta, percebemos que partilhar com a vozinha que nos vai gritando dentro da cabeça não tem nada de mal. Não podemos viver dependentes da disponibilidade de outrem, se o que queremos é ir.

No momento de partir para lugar algum sozinho, questionamos tudo o que o nosso léxico permitir. As nossas vontades têm mais vogais do que consoantes e variam consoante os carris do Transiberiano. Decidimos partir connosco, certos das incertezas da rota, mas confiantes que as desconfianças se esfumarão. Por mais que seja um processo, é sempre essa a alavanca que necessitamos antes de avançar sem medos. Há medos, haverá sempre, resta adorná-los com a forma pacífica que conseguirmos arranjar para passarmos a ser o nosso braço direito. Ou os dois. Foi assim a minha travessia no Báltico, com a vontade de conhecer o quase diametralmente diferente, com horas de passeio sem pessoas nas ruas e conversas intermináveis comigo sobre quão escassos foram os períodos em que as pessoas nestes países puderam, efectivamente, desfrutar da liberdade da independência e a sorte que nós temos.

Por mais que nos forcemos a colocar o selo da solidão antes de procurarmos o destinatário, é importante percebermos que não há nada melhor do que ir connosco, bem acompanhados de nós e seguros de que todos os passos serão de conhecimento. Do mais puro que há. Viajamos sós, mas nunca desacompanhados — e há lá coisa melhor do que nos contentarmos com a nossa companhia?

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