Disse-o Maquiavel. Só que agora a
questão põe-se tanto para o “príncipe” como para o cidadão comum. O medo foi
sempre causa do silenciamento e da impunidade. Com a democracia e as liberdades, os privilégios do “príncipe” esbateram-se, por conta também
desta caixinha misteriosa que pessoas espertas mas pouco escrupulosas, souberam
penetrar, mais, talvez, por ambição de glória do que por desejo de justiça. A
questão condenatória torna-se folhetinesca, são tantas as sentenças quantas as
cabeças, leiamos alguns pareceres. Por mim, continuo na dúvida, embora aceitando
melhor o parecer do primeiro comentador - Rui
Ribeiro.
OPINIÃO
Os crimes de Julian Assange e dos EUA
É este levantar do opaco pano
governamental, este mostrar da verdade dos factos ocultada pelos comunicados e
declarações oficiais que os EUA não perdoam.
PÚBLICO,19 de Abril de 2019, 3:44
Os
lançadores de alerta ou denunciantes (whistleblowers) não mudam o mundo, mas
permitem-nos ver o mundo a uma outra luz. Nessa alquimia do nosso olhar, consomem-se
eles próprios, porque os poderes que assim se vêem expostos não lhes perdoam a
ousadia. E esmigalham-nos de uma forma ou de outra.
No
caso de Julian Assange, a acusação
criminal apresentada pelo ministério da Justiça norte-americano às
autoridades inglesas para fundamentar o pedido de extradição resume-se ao facto
de Assange ter tentado, em Março de 2010, conjuntamente com o então militar
norte-americano Bradley Manning (actualmente Chelsea Manning e na prisão),
descodificar uma password para tentar entrar numa rede de computadores do
ministério da Defesa utilizada para arquivar documentos e comunicações
classificadas. Não haverá certamente muitos casos jurídico-criminais nos
EUA em que, quase 10 anos depois de alguém ter tentado decifrar uma password
(sem sucesso, acrescente-se), é apresentado com grande urgência um pedido de
extradição. Como é evidente, a tentativa de decifrar a password mais
não é do que um pretexto legal para capturar Assange. Ninguém duvida que a
partir do momento em que for entregue aos EUA, o seu calvário não mais terá
fim. Cumprirá, assim, o seu destino trágico.
O
que é verdadeiramente relevante para as autoridades norte-americanas – e deve
ser, também, para nós, embora com um sentido oposto – é o facto de a
organização WikiLeaks, de que Assange se tornou o rosto público, ter divulgado
na Internet graves violações dos direitos humanos praticadas pelas Forças
Armadas norte-americanas. E fê-lo
graças ao desvio por Chelsea Manning de centenas de milhares de relatórios
confidenciais sobre as actividades militares no Afeganistão e Iraque, bem como
largas centenas de relatórios sobre Guantanamo. O vídeo do ataque efectuado por
um helicóptero Apache em 2007, em que se vê,
numa praça pública em Bagdad, o jornalista da Reuters Namir Noor-Eldeen, o
motorista Saeed Chmagh e várias outras pessoas serem atingidos e, em seguida,
quando um grupo desarmado de adultos e crianças numa carrinha chega ao local e
tenta transportar os feridos, o helicóptero volta a disparar e a matar, já faz
parte da antologia das imagens em movimento que nos acompanham até ao fim das
nossas vidas. Na altura, o Exército norte-americano tinha negado o sucedido e
as imagens, divulgadas graças a Chelsea Manning e à WikiLeaks, desmascararam,
de forma definitiva, as mentiras oficiais.
As
centenas de milhares de documentos divulgados pela WikiLeaks revelaram inúmeros
factos graves, ilegais e até criminosos das autoridades norte-americanas, todos
eles verdadeiros, todos eles ocultados até aí. No youtube, o vídeo do criminoso
ataque do helicóptero Apache já foi visto por mais de 16 milhões e meio de pessoas.
E é este levantar do opaco pano governamental, este mostrar da verdade dos
factos ocultada pelos comunicados e declarações oficiais que os EUA não
perdoam.
Num mundo cada vez mais complexo e
globalizado, quando vemos um fragilizado Julian Assange a ser arrastado
pelos polícias ingleses para fora da embaixada do Equador, o que está
verdadeiramente em causa é a nossa própria liberdade de expressão e de
informação.
Independentemente
da forma como foram obtidas as informações publicadas na WikiLeaks, da
personalidade de Assange e das suas ligações com Putin, a verdade é que nada do
que Julian Assange/WikiLeaks divulgou é falso e que muito do que revelou é de
relevante interesse público. O processo-crime movido pelas autoridades norte
americanas a Julian Assange não visa, assim, assegurar o cumprimento das leis,
nem propriamente investigar a sua tentativa de descodificação de uma password. Visa,
sobretudo e essencialmente, silenciá-lo e, assim, dar uma lição de medo e
terror a todo o mundo.
Uma
palavra de esperança, contudo: a Europa, mergulhada em todas as suas
contradições, acaba de dar um passo importante na defesa da liberdade de
expressão e de informação, ao aprovar a directiva de protecção das pessoas que
denunciam infracções ao direito da União Europeia, afirmando-se, assim, cada
vez mais e apesar de tudo, como uma pátria das liberdades.
Advogado
COMENTÁRIOS:
Rui Ribeiro, Bruxelas 00:24: Quando falamos em heróis, o carácter deles deve
importar. Assange, na minha opinião, não reúne os requisitos para poder ser
considerado como tal. Assange não se importou de colocar em risco a vida de
muitos afegãos que aceitaram oferecer assistência aos EUA no Afeganistão ou de
servir os interesses estratégicos da Rússia. Não sei se deva ou não ser extraditado
para os EUA e confesso que não me preocupo muito com o que daí possa resultar.
Apesar de tudo o sistema legal dos EUA oferece muito mais garantias do que o de
um regime que Assange optou, muito significativamente por defender – o de
Putin, na Rússia. Agora o que me parece completamente injustificado é pintar
Assange como um herói, independentemente de dos seus comportamentos poder ter
resultado uma visão mais clara de crimes cometidos
Snowden
sacrificou tudo em nome da denúncia das violações da lei cometidas pela NSA.
Não o fez para servir qualquer interesse pessoal, não o fez ao serviço de
qualquer ditadura, nunca colocou em causa os valores que o levaram a tomar a
decisão de denunciar aquilo que decidiu denunciar. Assange não está no mesmo plano (e Rui Pinto, então,
nem se fala). Assange
não se importou de servir objectivamente os interesses de uma das maiores
ameaças à liberdade tal como a conhecemos, um regime corrupto, onde os
opositores são assassinados, como é a Rússia de Putin. Snowden, apesar de
ter tido de aceitar a oferta russa para lhe conceder asilo, não actuou no
sentido de favorecer os interesses russos, como Assange fez ao interferir na
eleição presidencial americana de 2016. /2
Sou
um seguidor atento das crónicas de Francisco Teixeira da Mota e reconheço-lhe o
mérito de ser um coerente e persistente defensor das liberdades, e em
particular da liberdade de expressão. As suas crónicas regulares no Público são
sempre muitissimo interessantes e, na forma como as vejo, excelentes momentos
de pedagogia sobre as liberdades e as várias formas em que estas se manifestam,
Confesso que não partilho a visão de FTM sobre Assange. E não a partilho porque
não me parece que a Assange assente bem o facto de indomitável(?) combatente pela liberdade. A mim importa-me
o caráter dos heróis e, tal como no caso de Rui Pinto, é um insulto a Snowden,
compará-lo com Assange
Joao, Portugal 19.04.2019 17:07: Excelente e claro que
clarifica, se fosse necessário, como os coniventes e cúmplices das guerras e
genocídios, que querem calar e silenciar, são tão criminosos como os que
disparam o míssil ou lançam a bomba.
Tentar misturar a denúncia de chacinas e crimes de
dimensão apocalíptica, que se perpetuam e propagam hoje e agora, mas são
branqueados e omitidos pelos media de "referência", tentar misturar
essas denúncias com "direito à vida privada" e outras tretas é do
mais rasca e rasteiro. Também o apartheid conseguiu durante dezenas de anos ocultar os crimes,
também os nazis, também as chacinas americanas no Vietnam e de outros foram
secretas e quem nelas falasse era "traidor", etc, infelizmente não
foi pela informação dos media que tais chacinas terminaram, foi com muitos a
darem a vida combatendo.
Gnôthi Sautónn, Europa, Paz e Democracia19.04.2019
15:14: Belo artigo!
Gostava apesar de tudo de introduzir aqui uma interrogação: há anos e anos que
o australiano Assange está na baila, a ser perseguido por tudo e por todos
(todos, o tanas!, quero dizer: salvo seja). Como é possível que até hoje, e
pelo menos que se saiba, o seu país de origem não tenha piado? É fantástico! (E
é incompreensível!)
Filipe Sousa, Dublin - Música do dia:
"Só à estalada" (Ruth Marlene) 19.04.2019 12:55: Quem oculta ou
tenta ocultar um crime, é cúmplice desse crime. E quem critica os
whistleblowers e os seus métodos, é igualmente cúmplice - o sangue está também
nas vossas mãos.
Francis Delannoy > 19.04.2019 17:41 >
Filipe Sousa Dublin - Música do dia: "Só à estalada" (Ruth Marlene)
12:55: Quem oculta ou
tenta ocultar um crime, é cúmplice desse crime. E quem critica os
whistleblowers e os seus métodos, é igualmente cúmplice - o sangue está também
nas vossas mãos reflexão interessante Amigo Filipe Sousa.. quem oculta crime do
criminoso é criminoso como o criminoso.. quem denuncia crime é também considerado
como um criminoso... então quem é mais criminoso o que mata?, o que esconde o
crime ?ou o que divulga o crime ?
Filipe Sousa, Dublin - Música do dia:
"Só à estalada" (Ruth Marlene) 19.04.2019 23:36: As penas aplicadas a cada
crime, respondem a essa pergunta. A pena máxima em Portugal são 25 anos de
cadeia; alguém foi alguma vez condenado a 25 anos por roubar, ou por atentar
contra a privacidade de outrem?
Victor Nogueira,
Setúbal 19.04.2019 12:28: Tudo vai bem até ao parágrafo final, mera poeira sem
correspondência com a realidade. A União Europeia defensora "da liberdade
de expressão e de informação" e "afirmando-se, assim, cada vez mais e
apesar de tudo, como uma pátria das liberdades", "ao aprovar a
directiva de protecção das pessoas que denunciam infracções ao direito da União
Europeia,"? Ahhhhhhhhh trata-se do "Direito da União Europeia" e
não das Declarações Universais dos Direitos Humanos. que são muitíssimo mais amplos.
Há substanciais diferenças.
Gnôthi Sautónn, Europa, Paz e Democracia19.04.2019
15:06: Sabe isso ou tem
a impressão de que? Não ignorará que a opção pelos direitos humanos e respectiva
observância são uma das condições sine qua non para aderir e fazer parte da
União Europeia, pois não?...
Victor Nogueira, Setúbal 19.04.2019
16:18 > Gnôthi Sautónn Europa, Paz e Democracia - Sabe isso ou tem a impressão
de que? Pois, deve ser por isso que o Reino Unido não protegeu nem concedeu
asilo a Assange ou com Bush e Aznar esteve por detrás da invasão do Iraque com
armas de destruição massiva que ninguém encontrou, salvo as das forças
ocupantes. Ou da participação em invasões e bombardeamentos em países árabes
originando milhares de mortos e deslocações de populações em busca de paz e
trabalho numa Europa de portas fechadas. Ou da protecção à banca em detrimento
dos direitos dos cidadãos plasmados na várias declarações de direitos humanos. Uma
União Europeia onde crescem os movimentos e partidos de extrema direita,
xenófobos e racistas, anti-democratas, que tomarão a fortaleza por dentro,
liquidando de vez a Paz e a Democracia,
Alforreca Passista, Anti-liberal fascistas19.04.2019
11:55: Assange e
Manning denunciaram crimes hediondos, heróis sem dúvida! Os
"jornalistas" que acusam Assange de crimes não são jornalistas, a
maioria dos "jornalistas" não passam de serventuários de quem tem o
poder. A CNN, o New York Times, o Washington Post, o Público, enfim, a
comunicação social ocidental fizeram jornalismo enquanto aqueles com poder
mentiam descaradamente sobre as armas de destruição maciça no Iraque?.... O que
é que têm os "jornalistas" serventuários do poder a dizer às famílias
das centenas de milhar de vítimas iraquianas? Nojo é o que eu sinto de todos
aqueles que atacam Assange para escamotear crimes hediondos!!
AndradeQB,
Porto 19.04.2019
11:04: Já agora gostaria de saber se para este advogado o nosso hacker Rui Pinto
beneficia dos mesmos argumentos.
bento guerra, 19.04.2019 10:34: Este senhor é
advogado do "hacker" e por isso acha que os fins, que ele diz bons, justificam
os meios .O facto de ser crime, ele os seus colegas, passam a lixívia com as
artimanhas do Direito
Alforreca Passista, Anti-liberal fascistas19.04.2019
11:38: Reparem, como o
pafioso bento passa lixívia pelos crimes do regime norte americano! Para o
pafioso bento os assassinatos e as torturas cometidas no Iraque e tantos outros
países por parte do regime norte americano já justificam os meios.
bento guerra, 19.04.2019 12:24: Não distorça, estou
a referir a posição do advogado, não estou a julgar nada ,Tente ser educado
Sandra, Lisboa 19.04.2019
09:42: “Independentemente da forma
como foram obtidas as informações". é precisamente este o ponto, caro Dr
Teixeira da Mota. Não desculpabilizando nada, a forma como se obtém, é um
importante veículo de obtenção das verdades. Fazê-lo de forma ilegítima, queiramos
ou não, acaba por tirar a devida legitimidade ao dano causado. Continuo a não
entender como se dá palco a ladrões de informação. Não é correcto. São pessoas
que praticam crimes, e como tal devem ser julgados. Não consigo descortinar as
benesses de se dar pódio a um criminoso.
Alforreca Passista, Anti-liberal fascistas19.04.2019
11:41: O Pentágono adora comunistas como a Sandra...
Gnôthi Sautónn, Europa, Paz e Democracia19.04.2019
14:55: Ladrão que rouba ladrão... Ladrão que rouba o poltrão do patrão... Ladrão
que divulga a patranha... tem cem anos de perdão... não merece assanha! Viva o
perdão e o Pinto! Não à assanha, pois!, e liberdade para o Assange!
Alforreca
Passista, Anti-liberal fascistas19.04.2019 20:26: "Em finais de Junho
passado, o fundador do sítio WikiLeaks, Julian Assange, assinalou ao portal
noticioso Democracy Now que os correios electrónicos da candidata democrata
indiciam que ela deu ordens para armar jihadistas na Síria, incluindo o «Estado
Islâmico». " --- Jornal Avante. O sítio divulgou também 1700
e-mails mostrando o envolvimento de Hillary Clinton na «absolutamente
desastrosa» intervenção dos EUA e da NATO na Líbia, derrubando o regime de
Kaddafi e destruindo a organização estatal e a unidade nacional do país." "Mais
recentemente, em Julho, a WikiLeaks publicou mais de 19 mil e-mails dos chefes
da campanha do Partido Democrata. Os correios electrónicos cobrem o período
entre Janeiro de 2015 e Maio de 2016 e pertencem às contas das sete principais
figuras do Comité Nacional Democrata dos EUA." --- Jornal Avante
"A correspondência mostra que os dirigentes,
violando as regras partidárias, não mantiveram a neutralidade em relação a
todos os candidatos e beneficiaram Hillary Clinton em detrimento de Bernie
Sanders. A divulgação dos correios electrónicos levou à demissão da presidente
do partido, Debbie Schultz. " --- Jornal Avante
Parece que o PCP até simpatiza com os "Assanges
desta vida" para divulgar esta informação no seu jornal.
José Teixeira Gomes, Porto 19.04.2019
09:41: Pelo seu
pensamento, tão claramente, exposto, vê-se que é o defensor ideal do jovem Rui
Pinto. Obrigado pela sua defesa da liberdade
Ceratioidei, Oceanos 19.04.2019 09:06:
Excelente texto.
Curioso que quem condena os whistleblowers usa sempre o argumento da defesa da
esfera privada. Confundindo a esfera privada de pessoas singulares com a mesma
de pessoas colectivas. É mesmo assim: a falta de coluna vertebral não perdoa. O
processo-crime contra Assange é de facto uma lição de terror. Guantanamo
e o resto continua, mas a hipocrisia americana não se preocupa com que se saiba
a verdade, o que quer é castigar quem diz a verdade. Assange faz-nos
perceber, que pecamos não por saber, mas por dizer a verdade. Em Portugal, Rui
Pinto é tratado como um criminoso por ter entrado numa casa de banho anexa à
lavandaria de umas sociedades anónimas, violando assim a privacidade de
centenas de milhões de euros, que estavam a tomar banho, nus! Credo! Que falta
de pudor!
Francis Delannoy, 19.04.2019 04:21: Os lançadores de alerta ou
denunciantes (whistleblowers) não mudam o mundo, mas permitem-nos ver o mundo a
uma outra luz. Nessa alquimia do nosso olhar, consomem-se eles próprios, porque
os poderes que assim se vêem expostos não lhes perdoam a ousadia. E
esmigalham-nos de uma forma ou de outra. É o se chama a nova ordem mundial da
comunicação...e da informação.. e quem não alinhar na difusão de mentiras ou
quem disser verdades está feito..arrisca no mínimo a perca do emprego..no máximo
uma chuva torrencial de mentiras para o acabar socialmente..e na pena máxima,
um julgamento e uma justiça à staline, masmorras secretas estilo guantanamo
secretos.. e o caso é esquecido.. é a nova ordem obscura que defende o grande
capital.. e os soldadinhos dos jornalistas que não alinharem..cuidado.
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