sábado, 20 de abril de 2019

«Os fins justificam os meios»



Disse-o Maquiavel. Só que agora a questão põe-se tanto para o “príncipe” como para o cidadão comum. O medo foi sempre causa do silenciamento e da impunidade. Com a democracia e as liberdades, os privilégios do “príncipe” esbateram-se, por conta também desta caixinha misteriosa que pessoas espertas mas pouco escrupulosas, souberam penetrar, mais, talvez, por ambição de glória do que por desejo de justiça. A questão condenatória torna-se folhetinesca, são tantas as sentenças quantas as cabeças, leiamos alguns pareceres. Por mim, continuo na dúvida, embora aceitando melhor o parecer do primeiro comentador - Rui Ribeiro.

OPINIÃO
Os crimes de Julian Assange e dos EUA
É este levantar do opaco pano governamental, este mostrar da verdade dos factos ocultada pelos comunicados e declarações oficiais que os EUA não perdoam.
PÚBLICO,19 de Abril de 2019, 3:44
Os lançadores de alerta ou denunciantes (whistleblowers) não mudam o mundo, mas permitem-nos ver o mundo a uma outra luz. Nessa alquimia do nosso olhar, consomem-se eles próprios, porque os poderes que assim se vêem expostos não lhes perdoam a ousadia. E esmigalham-nos de uma forma ou de outra.
No caso de Julian Assange, a acusação criminal apresentada pelo ministério da Justiça norte-americano às autoridades inglesas para fundamentar o pedido de extradição resume-se ao facto de Assange ter tentado, em Março de 2010, conjuntamente com o então militar norte-americano Bradley Manning (actualmente Chelsea Manning e na prisão), descodificar uma password para tentar entrar numa rede de computadores do ministério da Defesa utilizada para arquivar documentos e comunicações classificadas. Não haverá certamente muitos casos jurídico-criminais nos EUA em que, quase 10 anos depois de alguém ter tentado decifrar uma password (sem sucesso, acrescente-se), é apresentado com grande urgência um pedido de extradição. Como é evidente, a tentativa de decifrar a password mais não é do que um pretexto legal para capturar Assange. Ninguém duvida que a partir do momento em que for entregue aos EUA, o seu calvário não mais terá fim. Cumprirá, assim, o seu destino trágico.
O que é verdadeiramente relevante para as autoridades norte-americanas – e deve ser, também, para nós, embora com um sentido oposto – é o facto de a organização WikiLeaks, de que Assange se tornou o rosto público, ter divulgado na Internet graves violações dos direitos humanos praticadas pelas Forças Armadas norte-americanas. E fê-lo graças ao desvio por Chelsea Manning de centenas de milhares de relatórios confidenciais sobre as actividades militares no Afeganistão e Iraque, bem como largas centenas de relatórios sobre Guantanamo. O vídeo do ataque efectuado por um helicóptero Apache em 2007, em que se vê, numa praça pública em Bagdad, o jornalista da Reuters Namir Noor-Eldeen, o motorista Saeed Chmagh e várias outras pessoas serem atingidos e, em seguida, quando um grupo desarmado de adultos e crianças numa carrinha chega ao local e tenta transportar os feridos, o helicóptero volta a disparar e a matar, já faz parte da antologia das imagens em movimento que nos acompanham até ao fim das nossas vidas. Na altura, o Exército norte-americano tinha negado o sucedido e as imagens, divulgadas graças a Chelsea Manning e à WikiLeaks, desmascararam, de forma definitiva, as mentiras oficiais.
As centenas de milhares de documentos divulgados pela WikiLeaks revelaram inúmeros factos graves, ilegais e até criminosos das autoridades norte-americanas, todos eles verdadeiros, todos eles ocultados até aí. No youtube, o vídeo do criminoso ataque do helicóptero Apache já foi visto por mais de 16 milhões e meio de pessoas. E é este levantar do opaco pano governamental, este mostrar da verdade dos factos ocultada pelos comunicados e declarações oficiais que os EUA não perdoam.
Num mundo cada vez mais complexo e globalizado, quando vemos um fragilizado Julian Assange a ser arrastado pelos polícias ingleses para fora da embaixada do Equador, o que está verdadeiramente em causa é a nossa própria liberdade de expressão e de informação.
Independentemente da forma como foram obtidas as informações publicadas na WikiLeaks, da personalidade de Assange e das suas ligações com Putin, a verdade é que nada do que Julian Assange/WikiLeaks divulgou é falso e que muito do que revelou é de relevante interesse público. O processo-crime movido pelas autoridades norte americanas a Julian Assange não visa, assim, assegurar o cumprimento das leis, nem propriamente investigar a sua tentativa de descodificação de uma password. Visa, sobretudo e essencialmente, silenciá-lo e, assim, dar uma lição de medo e terror a todo o mundo.
Uma palavra de esperança, contudo: a Europa, mergulhada em todas as suas contradições, acaba de dar um passo importante na defesa da liberdade de expressão e de informação, ao aprovar a directiva de protecção das pessoas que denunciam infracções ao direito da União Europeia, afirmando-se, assim, cada vez mais e apesar de tudo, como uma pátria das liberdades.
Advogado
COMENTÁRIOS:
Rui Ribeiro, Bruxelas 00:24: Quando falamos em heróis, o carácter deles deve importar. Assange, na minha opinião, não reúne os requisitos para poder ser considerado como tal. Assange não se importou de colocar em risco a vida de muitos afegãos que aceitaram oferecer assistência aos EUA no Afeganistão ou de servir os interesses estratégicos da Rússia. Não sei se deva ou não ser extraditado para os EUA e confesso que não me preocupo muito com o que daí possa resultar. Apesar de tudo o sistema legal dos EUA oferece muito mais garantias do que o de um regime que Assange optou, muito significativamente por defender – o de Putin, na Rússia. Agora o que me parece completamente injustificado é pintar Assange como um herói, independentemente de dos seus comportamentos poder ter resultado uma visão mais clara de crimes cometidos
Snowden sacrificou tudo em nome da denúncia das violações da lei cometidas pela NSA. Não o fez para servir qualquer interesse pessoal, não o fez ao serviço de qualquer ditadura, nunca colocou em causa os valores que o levaram a tomar a decisão de denunciar aquilo que decidiu denunciar. Assange não está no mesmo plano (e Rui Pinto, então, nem se fala). Assange não se importou de servir objectivamente os interesses de uma das maiores ameaças à liberdade tal como a conhecemos, um regime corrupto, onde os opositores são assassinados, como é a Rússia de Putin. Snowden, apesar de ter tido de aceitar a oferta russa para lhe conceder asilo, não actuou no sentido de favorecer os interesses russos, como Assange fez ao interferir na eleição presidencial americana de 2016. /2
Sou um seguidor atento das crónicas de Francisco Teixeira da Mota e reconheço-lhe o mérito de ser um coerente e persistente defensor das liberdades, e em particular da liberdade de expressão. As suas crónicas regulares no Público são sempre muitissimo interessantes e, na forma como as vejo, excelentes momentos de pedagogia sobre as liberdades e as várias formas em que estas se manifestam, Confesso que não partilho a visão de FTM sobre Assange. E não a partilho porque não me parece que a Assange assente bem o facto de indomitável(?) combatente pela liberdade. A mim importa-me o caráter dos heróis e, tal como no caso de Rui Pinto, é um insulto a Snowden, compará-lo com Assange
Joao, Portugal 19.04.2019 17:07: Excelente e claro que clarifica, se fosse necessário, como os coniventes e cúmplices das guerras e genocídios, que querem calar e silenciar, são tão criminosos como os que disparam o míssil ou lançam a bomba.
Tentar misturar a denúncia de chacinas e crimes de dimensão apocalíptica, que se perpetuam e propagam hoje e agora, mas são branqueados e omitidos pelos media de "referência", tentar misturar essas denúncias com "direito à vida privada" e outras tretas é do mais rasca e rasteiro. Também o apartheid conseguiu durante dezenas de anos ocultar os crimes, também os nazis, também as chacinas americanas no Vietnam e de outros foram secretas e quem nelas falasse era "traidor", etc, infelizmente não foi pela informação dos media que tais chacinas terminaram, foi com muitos a darem a vida combatendo.
Gnôthi Sautónn, Europa, Paz e Democracia19.04.2019 15:14: Belo artigo! Gostava apesar de tudo de introduzir aqui uma interrogação: há anos e anos que o australiano Assange está na baila, a ser perseguido por tudo e por todos (todos, o tanas!, quero dizer: salvo seja). Como é possível que até hoje, e pelo menos que se saiba, o seu país de origem não tenha piado? É fantástico! (E é incompreensível!)
Filipe Sousa, Dublin - Música do dia: "Só à estalada" (Ruth Marlene) 19.04.2019 12:55: Quem oculta ou tenta ocultar um crime, é cúmplice desse crime. E quem critica os whistleblowers e os seus métodos, é igualmente cúmplice - o sangue está também nas vossas mãos.
Francis Delannoy > 19.04.2019 17:41 > Filipe Sousa Dublin - Música do dia: "Só à estalada" (Ruth Marlene) 12:55: Quem oculta ou tenta ocultar um crime, é cúmplice desse crime. E quem critica os whistleblowers e os seus métodos, é igualmente cúmplice - o sangue está também nas vossas mãos reflexão interessante Amigo Filipe Sousa.. quem oculta crime do criminoso é criminoso como o criminoso.. quem denuncia crime é também considerado como um criminoso... então quem é mais criminoso o que mata?, o que esconde o crime ?ou o que divulga o crime ?
Filipe Sousa, Dublin - Música do dia: "Só à estalada" (Ruth Marlene) 19.04.2019 23:36: As penas aplicadas a cada crime, respondem a essa pergunta. A pena máxima em Portugal são 25 anos de cadeia; alguém foi alguma vez condenado a 25 anos por roubar, ou por atentar contra a privacidade de outrem?
Victor Nogueira, Setúbal 19.04.2019 12:28: Tudo vai bem até ao parágrafo final, mera poeira sem correspondência com a realidade. A União Europeia defensora "da liberdade de expressão e de informação" e "afirmando-se, assim, cada vez mais e apesar de tudo, como uma pátria das liberdades", "ao aprovar a directiva de protecção das pessoas que denunciam infracções ao direito da União Europeia,"? Ahhhhhhhhh trata-se do "Direito da União Europeia" e não das Declarações Universais dos Direitos Humanos. que são muitíssimo mais amplos. Há substanciais diferenças.
Gnôthi Sautónn, Europa, Paz e Democracia19.04.2019 15:06: Sabe isso ou tem a impressão de que? Não ignorará que a opção pelos direitos humanos e respectiva observância são uma das condições sine qua non para aderir e fazer parte da União Europeia, pois não?...
Victor Nogueira, Setúbal 19.04.2019 16:18 > Gnôthi Sautónn Europa, Paz e Democracia - Sabe isso ou tem a impressão de que? Pois, deve ser por isso que o Reino Unido não protegeu nem concedeu asilo a Assange ou com Bush e Aznar esteve por detrás da invasão do Iraque com armas de destruição massiva que ninguém encontrou, salvo as das forças ocupantes. Ou da participação em invasões e bombardeamentos em países árabes originando milhares de mortos e deslocações de populações em busca de paz e trabalho numa Europa de portas fechadas. Ou da protecção à banca em detrimento dos direitos dos cidadãos plasmados na várias declarações de direitos humanos. Uma União Europeia onde crescem os movimentos e partidos de extrema direita, xenófobos e racistas, anti-democratas, que tomarão a fortaleza por dentro, liquidando de vez a Paz e a Democracia,
Alforreca Passista, Anti-liberal fascistas19.04.2019 11:55: Assange e Manning denunciaram crimes hediondos, heróis sem dúvida! Os "jornalistas" que acusam Assange de crimes não são jornalistas, a maioria dos "jornalistas" não passam de serventuários de quem tem o poder. A CNN, o New York Times, o Washington Post, o Público, enfim, a comunicação social ocidental fizeram jornalismo enquanto aqueles com poder mentiam descaradamente sobre as armas de destruição maciça no Iraque?.... O que é que têm os "jornalistas" serventuários do poder a dizer às famílias das centenas de milhar de vítimas iraquianas? Nojo é o que eu sinto de todos aqueles que atacam Assange para escamotear crimes hediondos!!
AndradeQB, Porto 19.04.2019 11:04: Já agora gostaria de saber se para este advogado o nosso hacker Rui Pinto beneficia dos mesmos argumentos.
Gnôthi Sautónn, Europa, Paz e Democracia19.04.2019 14:59: Impliquemo-nos, em vez julgar os outros!
bento guerra, 19.04.2019 10:34: Este senhor é advogado do "hacker" e por isso acha que os fins, que ele diz bons, justificam os meios .O facto de ser crime, ele os seus colegas, passam a lixívia com as artimanhas do Direito
Alforreca Passista, Anti-liberal fascistas19.04.2019 11:38: Reparem, como o pafioso bento passa lixívia pelos crimes do regime norte americano! Para o pafioso bento os assassinatos e as torturas cometidas no Iraque e tantos outros países por parte do regime norte americano já justificam os meios.
bento guerra, 19.04.2019 12:24: Não distorça, estou a referir a posição do advogado, não estou a julgar nada ,Tente ser educado
Sandra,  Lisboa 19.04.2019 09:42: Independentemente da forma como foram obtidas as informações". é precisamente este o ponto, caro Dr Teixeira da Mota. Não desculpabilizando nada, a forma como se obtém, é um importante veículo de obtenção das verdades. Fazê-lo de forma ilegítima, queiramos ou não, acaba por tirar a devida legitimidade ao dano causado. Continuo a não entender como se dá palco a ladrões de informação. Não é correcto. São pessoas que praticam crimes, e como tal devem ser julgados. Não consigo descortinar as benesses de se dar pódio a um criminoso.
Alforreca Passista, Anti-liberal fascistas19.04.2019 11:41: O Pentágono adora comunistas como a Sandra...
Gnôthi Sautónn, Europa, Paz e Democracia19.04.2019 14:55: Ladrão que rouba ladrão... Ladrão que rouba o poltrão do patrão... Ladrão que divulga a patranha... tem cem anos de perdão... não merece assanha! Viva o perdão e o Pinto! Não à assanha, pois!, e liberdade para o Assange!
Alforreca Passista, Anti-liberal fascistas19.04.2019 20:26: "Em finais de Junho passado, o fundador do sítio WikiLeaks, Julian Assange, assinalou ao portal noticioso Democracy Now que os correios electrónicos da candidata democrata indiciam que ela deu ordens para armar jihadistas na Síria, incluindo o «Estado Islâmico». " --- Jornal Avante. O sítio divulgou também 1700 e-mails mostrando o envolvimento de Hillary Clinton na «absolutamente desastrosa» intervenção dos EUA e da NATO na Líbia, derrubando o regime de Kaddafi e destruindo a organização estatal e a unidade nacional do país." "Mais recentemente, em Julho, a WikiLeaks publicou mais de 19 mil e-mails dos chefes da campanha do Partido Democrata. Os correios electrónicos cobrem o período entre Janeiro de 2015 e Maio de 2016 e pertencem às contas das sete principais figuras do Comité Nacional Democrata dos EUA." --- Jornal Avante
"A correspondência mostra que os dirigentes, violando as regras partidárias, não mantiveram a neutralidade em relação a todos os candidatos e beneficiaram Hillary Clinton em detrimento de Bernie Sanders. A divulgação dos correios electrónicos levou à demissão da presidente do partido, Debbie Schultz. " --- Jornal Avante
Parece que o PCP até simpatiza com os "Assanges desta vida" para divulgar esta informação no seu jornal.
José Teixeira Gomes, Porto 19.04.2019 09:41: Pelo seu pensamento, tão claramente, exposto, vê-se que é o defensor ideal do jovem Rui Pinto. Obrigado pela sua defesa da liberdade
Ceratioidei, Oceanos 19.04.2019 09:06: Excelente texto. Curioso que quem condena os whistleblowers usa sempre o argumento da defesa da esfera privada. Confundindo a esfera privada de pessoas singulares com a mesma de pessoas colectivas. É mesmo assim: a falta de coluna vertebral não perdoa. O processo-crime contra Assange é de facto uma lição de terror. Guantanamo e o resto continua, mas a hipocrisia americana não se preocupa com que se saiba a verdade, o que quer é castigar quem diz a verdade. Assange faz-nos perceber, que pecamos não por saber, mas por dizer a verdade. Em Portugal, Rui Pinto é tratado como um criminoso por ter entrado numa casa de banho anexa à lavandaria de umas sociedades anónimas, violando assim a privacidade de centenas de milhões de euros, que estavam a tomar banho, nus! Credo! Que falta de pudor!
Francis Delannoy, 19.04.2019 04:21: Os lançadores de alerta ou denunciantes (whistleblowers) não mudam o mundo, mas permitem-nos ver o mundo a uma outra luz. Nessa alquimia do nosso olhar, consomem-se eles próprios, porque os poderes que assim se vêem expostos não lhes perdoam a ousadia. E esmigalham-nos de uma forma ou de outra. É o se chama a nova ordem mundial da comunicação...e da informação.. e quem não alinhar na difusão de mentiras ou quem disser verdades está feito..arrisca no mínimo a perca do emprego..no máximo uma chuva torrencial de mentiras para o acabar socialmente..e na pena máxima, um julgamento e uma justiça à staline, masmorras secretas estilo guantanamo secretos.. e o caso é esquecido.. é a nova ordem obscura que defende o grande capital.. e os soldadinhos dos jornalistas que não alinharem..cuidado.

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