É esta a opinião do citado “Raymond Aron” aplicada ao projecto
europeu de “união” que ele contesta e Francisco
Assis defende, julgo que com a mesma seriedade que encontramos nos escritos
de Teresa de Sousa. A sua
seriedade é, contudo, posta em causa por alguns comentadores atrabiliários que
logo mereceram a repulsa de outros. E tudo isso contribui para tornar mais
clara a questão dos tais “ideais democráticos” sobre que ela assenta e que são
postos em causa por gente atenta que não se importa, contudo, de mamar à conta
da dita união. Realmente, o ideal democrático é uma bonita ideia, mas faz bem
sentir que não é verdadeira, ou, citando R. Aron, que o diz magistralmente, “a ideia europeia é uma ideia vazia, não
possui nem a transcendência das ideologias messiânicas nem a imanência de uma
pátria carnal”. Porque cada povo é um núcleo fechado sobre si próprio e
sobre o seu espaço cultural, rebarbativo e nacionalista, em que a união
proclamada não deixa de ser pura utopia, dadas as diferenças a tantos níveis; e
o “deixai vir a mim as criancinhas”
uma ideia messiânica de afectos bons mas efémeros, hoje em dia explorados, é
certo nos meios mediáticos, de artistas femininas na sua maioria, posando para
as câmaras a dar-lhes visibilidade. O certo é que os desníveis sociais são cada
vez mais profundos, pese embora a ideia da fraternidade a escorrer como lava de
vulcão, bonita como espectáculo, mas deixando as marcas de queimaduras, de
passagem…
OPINIÃO
Europa, uma ideia difícil
Quando, perante a aproximação das
eleições europeias, chamamos a atenção para o risco de crescimento da
extrema-direita, devemos ter em atenção, para sermos sérios, que o risco é mais
vasto do que isso e consiste na possibilidade do enfraquecimento de um núcleo
democrático-liberal imprescindível para o sucesso do modelo civilizacional.
FRANCISCO ASSIS
PÚBLICO, 21 de Fevereiro de 2019,
11:37
1. Raymond Aron, grande espírito liberal, dotado de
uma lucidez quase exasperante, escreveu em 1951, na sua obra “As Guerras
em Cadeia”, que “a ideia europeia é
uma ideia vazia, não possui nem a transcendência das ideologias messiânicas nem
a imanência de uma pátria carnal”. Na perspectiva
aroniana estaríamos diante de um vazio passional, incapaz de gerar
emoções conducentes a uma identificação popular com tal ideia. Tinha toda a
razão. O que à época sobressaía era a adesão acrítica à utopia comunista na
sua versão marxista-leninista, por um lado, e a memória da exaltação retórica
da ideia nacional, por outro. A Europa, entendida aqui no sentido
restrito do projecto institucional de que a presente União Europeia é o resultado histórico,
começou por ser uma ideia gerada entre as elites, elas próprias desavindas.
O vazio a que Aron se refere é ao mesmo tempo a força e a fraqueza do
projecto europeu. A sua aparente fraqueza radica precisamente na
dificuldade em estabelecer uma identidade política europeia escorada numa
adesão sentimental profunda por parte dos vários povos. Num certo sentido falta uma dimensão mitológica a
um projecto desde sempre caracterizado por um grande apelo à razão. Será mesmo
aquele que mais autenticamente exprime a perspectiva weberiana de um mundo
desencantado: o da modernidade democrática ocidental.
A
sua força reside no que esse desencantamento contém de abertura para um jogo
de confrontações e compromissos democráticos alheio a fanatismos quase sempre
de cunho irracional. O vazio que Aron detectou no projecto europeu tem que ver com a sua
natureza de artefacto fundado numa vontade racional alheia a qualquer
inspiração milenarista e, como tal, pouco vocacionado para concorrer com a
retórica política daquilo que hoje convencionamos designar por discursos
populistas. Só que aí reside, justamente,
uma das suas principais virtudes, que consiste na sua recusa de tudo o que
negue a razão crítica, diminua a importância do pluralismo político e desdenhe
o valor da liberdade individual.
Não é por acaso que a União Europeia
se tornou o alvo favorito dos defensores do chamado modelo democrático
iliberal. Esse modelo, que hoje é sobretudo reclamado por sectores políticos situados à direita,
dispõe também de um amplo legado histórico fornecido por correntes de opinião
identificadas com uma certa esquerda. O
que é, aliás, o comunismo contemporâneo senão uma aspiração anti-liberal de
fundo democrático?
É
verdade que à direita a ambição democrática se esgota num particularismo étnico
e que à esquerda ela propende a adquirir uma dimensão universalista. São, por
isso, dois fenómenos diferentes, ainda que ambos com resultados históricos
catastróficos. Quando,
hoje em dia, perante a aproximação das eleições europeias, chamamos a
atenção para o risco de crescimento da extrema-direita,
devemos ter em atenção, para sermos sérios, que o risco é mais vasto do que
isso e consiste na possibilidade do enfraquecimento de um núcleo
democrático-liberal que é imprescindível para o sucesso do modelo
civilizacional que identificamos com a noção de sociedades abertas, pluralistas
e tolerantes.
Ainda
há dias ouvi um político da nossa praça afirmar, com denodada destreza, que a
moderação é uma forma de tibieza. Não tendo a certeza de que tal figura
política tivesse plena consciência do verdadeiro significado do que estava a
afirmar, não deixei, contudo, de reparar na aparente convicção com que o fazia.
O que me impressiona nestes casos é a forma como o dislate se transmuta em
lugar-comum e como o lugar-comum é proclamado como pretensa verdade amplamente
partilhada. Numa época em que os espíritos mais fracos tendem a ceder aos
cantos de sereia dos extremistas não deixa de ser curioso que haja quem ainda
se atreva a fazer processos de intenção sumários aos democratas que sabem que a
moderação é tão-só a expressão do culto devido à dúvida, ao respeito pela
opinião alheia e à valorização do debate democrático.
Para esse tipo de gente o tal vazio
que Aron refere será sempre visto como uma condenação do projecto europeu. É
por isso que é perigoso entregar a defesa da Europa a quem tem muito pouco a
ver com ela.
2. Temo, como já aqui
referi na semana passada, que venhamos a assistir a um debate
relativamente pobre no período que antecederá a realização das eleições
europeias. Não por falta de qualidade dos principais candidatos, que nuns casos
é por demais reconhecida e noutros não deixará certamente de se manifestar nos
tempos mais próximos, mas sim pela circunstância de se constatar uma clara
tendência para a nacionalização do debate. Dir-se-á que tal é inevitável,
justamente pela inexistência de uma verdadeira consciência europeia. Não é
verdade, já que a opinião pública foi sendo levada a perceber, nos últimos
anos, a profunda articulação entre aquilo que poderemos designar como o nosso
espaço doméstico-nacional e esse outro espaço de relação entre o nacional e o
europeu. Compete não
só aos candidatos, mas também a todos os principais intervenientes no espaço
público português, tudo fazer para que nas eleições europeias também se
discuta a Europa.
COMENTÁRIOS
nelsonfari, Portela-Loures 23.02.2019
14:37: As duas últimas
lições do articulista são menores. Para quem não saiba, não se percebe a
distinção entre a oposição à existência de Israel como Estado (anti-sionismo)
com anti-semitismo (a oposição histórica aos judeus). Neste artigo volta a
Aron. Imagino como seria a autocrítica de Aron perante o actual estado da
Europa. E, volvidos 4/5 anos, Assis diz-se pronto a lutar pela reposição do
estado de coisas que conduziu ao seu próprio fracasso como político? Esperaria
Assis que, em meia dúzia de anos, os valores etéreos que propaga se
desvanecessem? A realidade é brutal: Brexit,
Salvini, Orban, Pis da Polónia, Le Pen novamente no round final das
presidenciais em França, Gilets Jaunes que obrigam Macron ao diálogo social, o
Vox em Espanha, Trump na América,etc.Velhas ideias não fazem um mundo novo. Responder
Maria Carlos Oliveira, Avintes 22.02.2019
09:35: Veremos se a
Europa, berço do iluminismo, será capaz de sobreviver à tentação das análises
superficiais, pouco fundamentadas e cujo preço no futuro será, com grande
probabilidade, muito maior! Opina-se muito e investiga-se pouco, valoriza-se
o eco em detrimento do contraditório, valorizam-se as certezas em detrimento da
dúvida, da escuta, da criatividade e, sobretudo, da participação individual na
resolução dos problemas. Em breve saberemos se os europeus pretendem ser parte
da solução ou o centro do problema. Só quando se viaja pelo mundo se percebe o
privilégio de viver na Europa, apesar de todos os seus defeitos! Talvez o
Brexit tenha ajudado a tornar mais perceptível esta evidência! Responder
AndradeQB, Porto 21.02.2019 19:25: Francisco Assis parece uma
pessoa honesta e capaz de pensar, mas seguramente não integra os dados todos no
raciocínio. Gostaria de o ouvir responder a uma interrogação. Se se chegou
aqui com uma quase unanimidade democrático-liberal, como é que se inverte o
caminho reforçando esse unanimismo? Algo como ter a sopa salgada e juntar-lhe
mais sal. Diria eu que se os extremismos estão a surgir, o melhor seria
perceber porquê e intervir nas causas. Isto de estar a apelar ao cerrar de
fileiras para se continuar a fazer o que sempre se fez faz que Assis não se
distinga de todos os que oportunisticamente querem fazer perdurar as regras que
os favorecem pessoalmente e, como começa a ser descaradamente assumido, aos familiares. Responder
Raquel Azulay, 21.02.2019 18:20: Aron deveria ter lido Hegel com
atenção e prestado mais atenção aos escritos judaicos: "no próximo ano,
em Israel!" (o regresso eterno de um futuro ainda não materializado
que influencia o presente. O futuro transformado em passado histórico (no q diz
respeito aos seus efeitos, apenas). "Na perspectiva aroniana
estaríamos diante de um vazio passional, incapaz de gerar emoções conducentes a
uma identificação popular com tal ideia. Tinha toda a razão." // Tinha
razão, é verdade, mas já não tem. O pressuposto da tese de Aron é que a
história é tirânica e soberana na sua própria constituição. Não é. Não devemos
sucumbir a determinismos históricos. Curiosamente, a Europa que é hoje invocada pelos
partidos "civilizacionais" da direita nacionalista é profundamente
carnal (a Europa cristã sob a ameaça do infiel!) Os futuros imaginados
também fazem parte da dialéctica histórica ou, como diria Koselleck, "os
futuros passados."
Alforreca Passista, Anti-liberal
fascistas21.02.2019 16:18: Xico Assis a defender o tacho, nada mais … Xico Assis é um liberal
(neoliberal) desejoso por ver qualquer participação da pessoa comum na escolha
do destino do país e da Europa erradicada!! Escolhas só as ditas
"elites" podem fazer!!! Não se deixem enganar por tipos como Xico
Assis ele odeia a democracia, ele odeia a pessoa comum, ele odeia a soberania
dos povos!! O fim do €uropeísmo já esteve mais longe....
Raquel Azulay, 21.02.2019 18:22: Básico. O Sr Assis é um homem íntegro
que pensa pela sua cabeça. Gosto imenso de ler o que ele escreve e de o ouvir a
falar sobre a política nacional e europeia. Já deu provas de ser homem que
merece ser respeitado. Bolas, que gente horripilante...!! Deixem-se de ataques
ad hominem.
Alforreca Passista, Anti-liberal
fascistas21.02.2019 18:36: Xico Assis já provou imensas vezes que não passa de um tachista rasca! É
problema seu se fica incomodada por eu malhar nos seus queridinhos!
Raquel Azulay, 21.02.2019 19:34: qual queridinho qual carapuça!
você não malha, por muito que goste de pensar que malha. o q você faz é manchar
o seu próprio "nome" com ataques vis, inspirados pela má fé pela
muito portuguesinha maledicência. Assis é um homem inteligente. prova disso foi
a sua postura em relação à geringonça, à qual sempre se opôs. não sou e jamais
serei do PS. defendo-o como persona publica que é (merecedora do meu respeito)
e não como militante do PS.
Alforreca Passista, Anti-liberal
fascistas21.02.2019 21:31: A Raquel tem todo o direito em acreditar o que quiser, eu tenho o direito
em acreditar que Xico Assis é um (comprovadíssimo) tachista provido de um
intelecto banal, e é exactamente pela sua banalidade que escreve no Público!
Raquel Azulay, 22.02.2019 01:16: Os nossos direitos não estão em causa. Tem a ver com algo mais elementar
que não é contemplado pelo direito: a civilidade. Acredite no que
quiser. Eu gosto de corroborar as minhas crenças: acredito, por ex., que uma
pessoa que se dá ao trabalho de comentar os artigos de um jornal que considera
banal é alguém que se sente atraído pela banalidade. Em vez de dizer que
o homem é provido de um intelecto banal porque é que não explica os porquês da
sua banalidade? Seria infinitamente mais interessante. Concentre-se nos
argumentos e deixe a pessoa de lado. Sabe porquê? Porque se você for bem sucedido
na demonstração da banalidade do pensamento do homem...a acusação será muito
mais sólida. Começa-se sempre pelos factos, pelas evidências. O resto surge
naturalmente. Um bom dia para si.
Francisco Laranjeira, Amarante 21.02.2019
12:02: Bom dia aos
leitores do Público e bom dia ao Dr. Assis. Mais uma vez li o seu artigo com
interesse e mais uma vez constato a sua elevação política mas, sobretudo, o seu
conhecimento em assuntos da filosofia política que não está ao alcance de
muitos políticos portugueses na actualidade. No contexto das eleições
europeias, talvez o Dr. Paulo Rangel tenha capacidade e talvez o Dr. Paulo de
Almeida Sande por aquilo que li dele no Observador. A propósito, os meus
parabéns pelo artigo "O regresso do anti-semitismo" da semana
passada. Brilhante. Responder
Jose, 21.02.2019 11:58: Europa é o nome dado ao espaço geográfico que vai do Atlântico aos Urais,
mais nada! A UE é um embuste, uma adição de soma negativa! Um poder
antidemocrático, usurpador e chantagista, um obstáculo ao desenvolvimento do
Capitalismo e suas contradições, um empecilho à "vantagem competitiva das
nações". Um sério problema para o continente europeu e para a civilização
ocidental. Urge desmontar a tenda com um plano racional, ordeiro e eficaz que
remova a corja tecnocrática e permita o desabrochar da democracia em que o voto
secreto, livre e justo conta, apesar dos tiranos velhos, novos e embrionários. Responder
RustyTachikoma, Lisboa 21.02.2019
15:26: Caro José a
geração Erasmus está aí, é um facto incontornável, por mais que os Velhos do
Restelo não gostem disso. A UE até poderá ser bem diferente no Futuro, mas
estará lá.
Alforreca Passista, Anti-liberal
fascistas21.02.2019 16:10: Eu sou parte da geração Erasmus e quem me lê sabe bem o que eu acho da
União Totalitária €uropeia!!!
Jose, 21.02.2019 20:26: A geração Erasmus é a repetição de muitas gerações de emigrantes, os novos
nómadas que carregam a Pátria no corpo por toda a parte, sempre a jogar fora...
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