sábado, 27 de abril de 2019

LIÇÕES DE MESTRES



É só ler e meditar. Saboreando. Revendo. Revivendo.

I – OPINIÃO: Diário
O 25 de Abril não se fez pela liberdade; fez-se para a tropa voltar para casa. E uma bela manhã, Álvaro Cunhal desembarcou em Lisboa imitando deliberadamente a chegada de Lenine à estação da Finlândia.
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 27 de Abril de 2019, 5:48
20 de Abril:
 Vi hoje, no “Governo Sombra”, um Otelo que nunca tinha visto. Um chefe militar que disse à comissão coordenadora do MFA “eu faço”, mandou e fez. Um quarteleiro, ligado ainda hoje à sua unidade de origem e muito amigo dos sargentos. Por outras palavras, apesar de toda a infantilidade política, um homem fiel à sua vocação.
21 de Abril:
 A lei da memória histórica, uma lei do PSOE, não pretende evocar a memória da guerra civil, pretende evocar uma fantasia da esquerda, que se tornou realidade para muita gente. É uma arma política, que hoje serve para aterrorizar os espanhóis com o espectro de Franco.
Mas o Vox não tem nada a ver com o que era a direita espanhola em 1936, nem com o que foi o regime franquista. Pedro Sánchez pensa que ganha votos, insinuando que uma coligação de direita seria inevitavelmente dominada pelo Vox, como a coligação de Hitler com os conservadores de Weimar. Não há nenhuma razão para se acreditar neste prognóstico. E há uma infinidade de razões para não se acreditar.
23 de Abril:
 Um indivíduo interrompeu ontem um pequeno comício de António Costa. Subiu para o palco e tentou tirar-lhe o microfone. Soube-se depois que era membro de um grupo internacional de ambientalistas, chamado Extinction Rebellion, que já paralisou o centro de Londres durante vários dias.
Apareceu a seguir um turco a falar português, apóstolo desse grupo, ameaçando o público com o fim do mundo. Estes movimentos apocalípticos são muito interessantes, porque persistem na sua forma de há dois mil anos para cá. O turco diz que a sua seita é radical, popular e aberta a todos. Como outro filho dessas terras longínquas, mais precisamente de Tarso, dizia aos primeiros cristãos. É consolador pensar que Paulo também acreditava que o fim do mundo estava próximo.
24 de Abril:
A sindicância que o governo abriu à Ordem dos Enfermeiros para tentar punir Ana Rita Cavaco pelo papel que ela teve nas greves do princípio do ano é um acto vingativo e sórdido. Pior: é uma perseguição política intolerável num regime democrático. Será que António Costa sabe disto? Espero que não.
25 de Abril:
É impossível explicar aos mais novos o que foi o 25 de Abril. Um exemplo. Quem agora compreenderia que uma assembleia, que era pouco mais que um tropel de gente e que mesmo os seus chefes não sabiam ao certo por quem era composta, decidisse a nacionalização da banca e dos seguros e, pior do que isso, a institucionalização do MFA como poder de Estado?
25 de Abril à noite:
Vieram à televisão uns militares caducos parecendo ofendidos por se chamar “selvagem” à assembleia do 11 de Março. E tentando esconder os fuzilamentos que lá propuseram personagens de peso, milicianos, anónimos, e um grupo extraviado do MRPP. Peço desculpa. Ainda me lembro de Álvaro Cunhal, num excitado comício, prometendo aos camaradas, que gritavam “uma só solução, fuzilar a reacção”, que não perdiam pela demora.
O delicodoce dia “inicial, inteiro e limpo” de Sophia de Mello Breyner foi a caverna dos ventos da violência. Os militares não tinham absolutamente nada de democrático. O 25 de Abril não se fez pela liberdade; fez-se para a tropa voltar para casa. E uma bela manhã, Álvaro Cunhal desembarcou em Lisboa imitando deliberadamente a chegada de Lenine à estação da Finlândia.
Colunista

II - ELEIÇÕES EUROPEIAS: Um país que parece mentira /premium
OBSERVADOR, 27/4/2019, 0:08404
Um punhado de criaturas que tem sonhos eróticos com a bóina do “Che” e os fatos de treino dos sobas de Caracas não constitui exactamente um “movimento”, digno de alerta na imprensa e tumultos na rua.
Um “grupo de cidadãos” criou um “movimento apartidário” para exigir “uma campanha limpa”, leia-se “sem mentira e desinformação”. Os subscritores, assaz preocupados com o que acontece na América e no Brasil, pretendem “bloquear e denunciar” as “notícias falsas nas redes sociais portuguesas”, de modo a votarem “sem a intoxicação de quem despreza a democracia”. Isto é o que vem no “Público”.
O que não vem no “Público” é que o “grupo de cidadãos” é uma dúzia de “personalidades” habituais em programas televisivos de variedades, que o “movimento apartidário” corresponde ao arco do poder que vai do PS actual ao BE de sempre, que a preocupação deles com os EUA e o Brasil não se estende à Venezuela ou à Coreia do Norte, que a denúncia e o bloqueio são métodos de regimes totalitários e indivíduos com patologias, que o desprezo dessa gente pela democracia já a intoxicou há muito e que o problema não são as “notícias falsas” – invariavelmente produzidas à “direita” –, mas as restantes.
Um primeiro problema, se a palavra não é exagerada, prende-se com as notícias que não chegam a sê-lo. Um punhado de criaturas que tem sonhos eróticos com a bóina do “Che” e os fatos de treino dos sobas de Caracas não constitui exactamente um “movimento”, digno de alerta na imprensa e tumultos na rua. No máximo, formam um caso de estudo psiquiátrico. No mínimo, um rancho de mimados convencidos de que o mundo lhes deve atenção e obediência a um “pensamento” (força de expressão) que ambicionam único. Se a imprensa teima em promover irrelevâncias, a imprensa que se divirta enquanto pode.
Porém, um problema imensamente maior que as notícias falsas são as notícias verdadeiras. É, por exemplo, verdadeira a notícia de que existe uma Associação dos Amigos dos Cemitérios, e que a dita se preparava para celebrar (hurra!) um protocolo com a câmara de Lisboa para, cito, “dinamizar iniciativas nos cemitérios da cidade”. Graças a um vereador do PSD, João Pedro Costa, soube-se igualmente que os Amigos dos Cemitérios são de facto amicíssimos do PS e, fatalmente, familiares do sr. César dos Açores, que só à sua conta enfiara três ou quatro nos corpos sociais daquela prestimosa associação. Com franqueza, perdi-me algures: não faço ideia se os parentes do sr. César, indivíduo abaixo de qualquer suspeita, se reproduzem como cavalos-marinhos ou se cada parente acumula 15 ou 16 cargos públicos. Certo é que, após viver à custa dos vivos, o clã decidiu alargar o expediente aos mortos. Expandir o “core business”, julgo que se diz.
E, novo exemplo, é verdadeira a notícia de que o “eng.” Sócrates desatou a insultar o ministro brasileiro da Justiça, depois de este ter referido vagamente o processo judicial da ex-criança que sonhava com ventoinhas. De caminho, ouviu escusadamente de Sérgio Moro um “não debato com criminosos pela televisão”. O “eng.” Sócrates, que fingiu tomar as dores do falecido estadista Lula, ainda não percebeu, e se calhar nunca perceberá, que, dadas as circunstâncias, o único comportamento que o beneficia é a ausência, na Ericeira ou em Vladivostok. Quanto à TVI, que lhe dá enorme palco para os trambolhões, sou eu que não percebo se é cúmplice ou coveira do homem.
E, também integrada no promissor estreitamento de laços com o “país irmão”, é verdadeira a notícia de que, numa passeata do Bloco de Esquerda, as filhas do empresário Camilo Mortágua cantarolaram umas rimas ao gosto popular que apelavam à morte do sr. Bolsonaro, e que a rábula revisteira causou relativo escândalo nos Facebooks do costume. Não vejo porquê. Se as meninas Mortágua abominam o presidente do Brasil, é da mais elementar sinceridade desejar a respectiva morte em ritmo de desgarrada. E se um autocarro as estrafegasse durante a cantoria eu não perderia dois segundos a lamentar a tragédia. E, sem sairmos da semana vigente, é verdadeira a notícia de que 60 mil pessoas, mobilizadas pelas igrejas católica e comunista, assinaram uma petição contra a abertura dos centros comerciais ao Domingo. Nuns casos, será por causa das famílias. Noutros, por causa dos trabalhadores. Era interessante descobrir o momento em que umas e outros concederam a uma pequenina amostra da população o direito de opinar em seu nome. Assim de repente, lembro-me de algumas famílias que preferem ocupar o ócio nos shoppings do que na missa, e de alguns trabalhadores que preferem ocupar o Domingo a trabalhar, possivelmente para evitar a família, os shoppings ou a missa. De resto, além do infantil ressentimento face aos símbolos do capitalismo, não há razão para fechar os centros comerciais e os hipermercados e manter abertos museus, campos da bola, restaurantes, hotéis, bares, pavilhões “multiusos”, portagens e, claro, igrejas, católicas e comunistas. Em prol da coerência, 60 mil pessoas, com família e trabalho, agradeceriam. Os nove milhões restantes calam e, pelos vistos, consentem.
E por fim é verdadeira a notícia de que, no 45º aniversário de “Abril”, voltaram as comemorações, as cerimónias, os discursos, as “lutas”, as “conquistas”, os cravos, os Zecas, as “Grândolas” e toda a tralha arrastada desde 1974. O folclore do 25 de Abril assemelha-se a um teste de decomposição de que os cientistas se esqueceram e deixaram o objecto de estudo apodrecer há décadas: os fungos são tantos que fundaram uma sociedade complexa no conteúdo e desagradável na aparência.
O problema, insisto, não são as notícias falsas. O problema é Portugal parecer mentira.

COMENTÁRIOS
maria perry: Excelente serviço público de AG ao mostrar, passo a passo, o processo de venezuelização de Portugal pela mão da geringonça. Os desejos de opressão da liberdade de imprensa e da morte de Bolsonaro mostra os verdadeiros instintos da extrema-esquerda que nos governa.  
Meu Genro Cor de Pele ....: Adorei a extensão do core business da familia Cesar. Bom de mais. As crónicas já mereciam um livrito no mínimo.....e a oposição que não aprende ou não lê....terrível.
Liberal Impenitente: No fundo, é muito positivo que haja tanta gente a querer calar muito mais gente, sabendo nós perfeitamente quem são os que querem calar e quem eles querem calar (um deles, naturalmente, que é Alberto Gonçalves). E por que é isso muito positivo? Primeiro porque mostra a verdadeira natureza desses "Ches", cheios de "generosidade" e de "elevados ideais". Segundo, porque mostra que eles sentem mesmo a doer que finalmente o povo irá falar nas urnas, e que não será para aplaudir o seu guterrismo requentado e geringonçado, será para correr com ele. Yes!
Lúcia Henriques: Muito bom, o artigo. Parabéns ao autor.


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