Textos complementares, o de Salles da Fonseca indo à raiz
do nosso problema de carência económica por via da carência cultural, o de António Barreto na análise detalhada da governação em
democracia. O primeiro, com a objectividade de um discurso de simplicidade, na
dureza de definições caracteriológicas que desde sempre constituem nosso
estigma redutor. O segundo, no rigor frásico de excelência racional e literária
que complementam o genérico do primeiro texto, na especificação de um grupo
governativo confirmativo da regra primeira – a da deseducação conducente à
corrupção. Os comentários a este último texto, e sobretudo o último, de pimw, confirmam igualmente a análise do
primeiro.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 15.04.19
A POBREZA E A JUSTIÇA
Sim,
o sub-título é obtuso. Como obtusa é a afirmação de que é uma injustiça os
portugueses serem pobres. Contudo, é este o tema de um livro agora publicado a que
o Autor conseguiu dar publicidade disfarçada de notícia.
Simplesmente,
os portugueses são pobres porque não conseguem enriquecer honestamente. E isso acontece por algumas,
não muitas, razões:
Porque a média de instrução e formação profissional é muito baixa
tanto em termos absolutos como relativamente aos nossos comparadores habituais
(https://www.pordata.pt/Subtema/Portugal/Escolaridade+da+Popula%C3%A7%C3%A3o-45);
Porque é muito mais «imediato» viver de biscates do que se
enquadrar na economia formal (em 2015, os cálculos da
IENR apontam para uma economia paralela da ordem dos 27,29% do PIB oficial – v.
em
https://obegef.pt/wordpress/wpcontent/uploads/2017/10/IENR2015_UFP_Outubro2017.pdf);
Porque é muito mais cómodo ser empregado do que ser empresário;
Porque, gerindo a vida de modo formal, os impostos esmifram
qualquer um até à medula.
Para além destas, outras razões são redundâncias ou meras
variações sobre os mesmos temas. Abril de 2019
2 – OPINIÃO: A imperfeição democrática
Melhor do que qualquer outro regime a
democracia dá ou permite mais liberdade a toda a gente. Incluindo bandidos,
ladrões e corruptos. Déspotas e mentirosos.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO 7 de Abril de 2019, 7:26
A ideia da democracia virtuosa é ridícula, infantil e comovedora. E
sobretudo errada. Como é ainda uma espécie de perversão
totalitária, na medida em que postula modos de ser, virtuosos sejam eles. A
democracia é uma forma de escolha dos governos que reside em poucas ideias e
princípios. Os cidadãos são iguais em condição e estatuto, o que implica o
postulado simples “uma pessoa um voto”. Há eleições regulares e livres, com
liberdade de associação e de expressão. Os vencedores governam, os que perdem
são oposição e as maiorias respeitam as minorias.
Pouco
mais. Honestidade
e bondade não fazem parte da democracia. Podem fazer, mas não necessariamente.
Eficiência e dedicação ao público também não. Podem, mas não necessariamente.
Solidariedade e inteligência também não, tal como respeito pelos outros ou
fraternidade. Todos estes atributos de humanidade podem ou não coexistir com a
democracia. Ou antes, em todas as democracias existem esses predicados e o seu
contrário. Por isso, se queremos uma
democracia decente, é necessário lutar, criar instituições, desenvolver
direitos e liberdades e estimular a decência.
Vem
isto a propósito deste difícil período que é o dos anos eleitorais. Vive-se em
campanha durante meses atrás de meses. A demagogia surge por vários lados.
Mentira e propaganda sucedem-se. Oportunismo e infâmia não conhecem limites.
Feliz ou infelizmente, tudo isso convive com a democracia. Pode assim criar-se
um regime ou um sistema político de inferior qualidade, vulgar e desigual. Mas
não é a democracia que está em causa, são os partidos, os dirigentes, os
sindicatos, os empresários e os intelectuais.
Um ano eleitoral é cruel. É mesmo o mais cruel de todos os anos. Mal
para nós todos, mal para a inteligência, mal para a sensibilidade e mal para a
humanidade. Ainda bem
para a democracia! É cruel porque concentra quase tudo o que não presta na
política democrática: populismo, propaganda, insulto, denúncia, delação,
caça ao voto, oportunismo e demagogia. É
bom para a democracia porque torna visíveis os defeitos que, com jeito e sorte,
podem ser corrigidos.
É cruel porque revela os oportunistas e os aldrabões,
assim como os que os denunciam, no que tantas vezes revelam também maus fígados.
Mas é bom para a democracia porque exibe maleitas e permite correcções.
Permite, não as faz necessariamente. Este ano eleitoral já nos trouxe
várias coisas boas. O Governo
ofereceu benefícios para ajudar quem precisa, designadamente com os passes
sociais para os transportes, assim como o descongelamento de alguns
vencimentos. Foi também uma excelente oportunidade para a oposição denunciar a
demagogia eleitoral. E foi um estímulo eficaz para desvendar as histórias do
nepotismo e das famílias nos cargos políticos. São histórias frequentes entre
nós, desde há trinta ou quarenta anos, mas presentes sobretudo no actual
Governo socialista.
De
tudo isto, não é a democracia a culpada. É o sistema político, a
cultura, os partidos e os dirigentes. Democracia, como tal, não implica
seriedade, honestidade e isenção. Se estas existirem, a democracia revela. Se
não existirem, a democracia também pode revelar.
A democracia não evita
nem proíbe eleitoralismo ou propaganda demagógica. Mas permite que os queiram
combater. A democracia não implica
privilégios aos advogados, nem recompensas para quem faz tráfico de
influências. Mas permite que vivam e trabalhem os que querem contrariar estas
pragas.
A democracia não é um
regime de beatos, virtuosos e honestos. A democracia não impede que se designem primos e maridos, nem que
se faça demagogia eleitoral. Nem evita que brigadas de contrabandistas de
regras jurídicas venham, pela calada da madrugada, rever leis e favorecer os
tratantes. Mas permite que quem defende regras de decência e honestidade possa
lutar com eficácia e possa construir instituições livres e isentas.
Prometer
mundos e fundos, assim como distribuir “cabrito com batatas” e “bacalhau a
pataco”, são inerentes à democracia portuguesa, são atributos folclóricos da
política nacional há muito tempo. Não fazem parte necessariamente, mas
acompanham-na há décadas e tem sido difícil reduzir os seus efeitos. Pelo
contrário, parecem em progressão. Os
passes sociais de transportes são um belo exemplo. São evidentemente
cabrito e bacalhau. Acontece que são socialmente úteis e os beneficiários
agradecem. Por isso, são criticados pelas oposições. Com ciúmes, pois claro.
Que queriam ser elas a fazer exactamente o mesmo.
Acusar os governos de eleitoralismo é
vício de invejosos. Tal como praticar o eleitoralismo é hábito de oportunistas.
Fazer propaganda da obra feita, gastar recursos com excursões e inaugurações,
cortejos e beija-mãos faz parte da democracia. Denunciar isso tudo também.
Nomear amigos, designar familiares
directos ou indirectos, recrutar para os seus serviços ou para os do amigo e
colega, favorecer membros do partido e do clube, ajudar a maçonaria ou a
igreja, proteger a região ou a profissão, fazem infelizmente parte da
democracia mal servida de instituições, de hábitos de cidadãos livres e de
informação livre.
Melhor do que qualquer outro regime a
democracia dá ou permite mais liberdade a toda a gente. Incluindo bandidos,
ladrões e corruptos. Déspotas e mentirosos. Eis por que, em democracia, tem de
se tomar medidas especiais para que isso não aconteça e para evitar que uns
destruam a democracia. Os hábitos e a cultura servem. Mais ainda, as
instituições e a justiça.
São muitas as perversões democráticas. Submeter as instituições “porque
não são eleitas”. Designar camaradas, colegas, correligionários e companheiros
para cargos e funções. Nomear familiares e parentes, ocupar instituições e
empresas, na crença de que a “legitimidade democrática” serve para tudo,
incluindo a corrupção e o nepotismo. Fazer o capitalismo “à mão”, com nome de
destinatário. Nomear e designar capitalistas, com cartas de conforto e favores
de créditos. Fabricar gestores públicos. Fazer e tratar da economia “caso a
caso”. Subsidiar com retrato e fotografia. Nomear por fidelidade e amizade.
Entender que a democracia eleitoral e partidária preenche a vida e que concede
autoridade para que os vencedores possam dispor das instituições, das organizações,
das leis e das regras de vida em comum.
A
democracia é um regime político de pessoas imperfeitas, de cidadãos com
tentações e de gente humanamente vulnerável. Mas isso não é desculpa. Os
governantes de hoje, que se portaram mal com as nomeações familiares, não podem
ser ilibados porque os “outros fizeram o mesmo”. A maior virtude da democracia,
além da igualdade de condição, consiste na possibilidade de corrigir e
melhorar. De lutar contra a imperfeição. E de castigar quem se aproveita ou
destrói a democracia.
Sociólogo
COMENTÁRIOS
Darktin, Anti Comunistas da Extrema-Direita07.04.2019
19:30: Ao fim de uma certa idade e
experiência, perder-se em pensamentos de análise sem apresentar nem um
contributo, torna-se um mau serviço de conhecimento. Por exemplo, o que os
regimes comunistas de ditadura acrescentaram a evolução humana? Os regimes
comunistas, sem excepção, só trouxeram repressão e terror. A Coreia do Norte,
para muitas ONGs de Direitos Humanos, é considerada o Inferno na Terra. No
entanto, nada a apontar da parte daqueles que procuram as imperfeições. Já os
regimes de ditadura militar da extrema-direita (o de Maduro é as duas coisas,
regimes comunista e regime militar), apostam no velho conceito feudal. Se bem
que cedo ou mais tarde, os regimes comunistas tornam-se também feudais. Ex:
Cuba. Se a Democracia está imperfeita, o que deve-se fazer para a colocar na
perfeição?
Jose,
07.04.2019 17:41 Democracia é
um método de delegar o poder individual intrínseco num poder mais geral
agregador e intérprete da soma vectorial das forças individuais. Ocorre que não
havendo esses intérpretes agregadores ou estando eles impossibilitados de agir
o método pode existir e o poder ser delegado e tudo ser inútil. É isso que
ocorre em Portugal desde que os dirigentes de topo do Estado, sem delegação,
entregaram os poderes a uma estrutura supraestadual que condiciona
absolutamente tudo o que podendo ser aspirado por cada eleitor é totalmente
desprezado. O que resta ao Estado são migalhas. O método de delegação de
poderes individuais num poder mais geral por causa de migalhas é um instrumento
de tortura através da frustração. A abstenção aumenta pelo efeito da crescente
consciência da inutilidade.
Nuno
Silva, 07.04.2019 16:45: Sem esquecer
o principal lema das democracias ainda civilizadas, e por isso devem usar até à
exaustão: "Politicamente correcto, o muerte"...
cisteina, Porto 07.04.2019 15:46: A maioria está de acordo com o que escreve, sem
dúvida. O problema é perceber como esta "democracia" continua assim
e, pelos vistos, cada vez mais amarga, apesar da liberdade. Se assim é - e é!
-, como é que o espírito de cidadania e a ética comportamental não são seguidos
e anda a maioria dos políticos a fazerem que fazem e a iludir-nos com
promessas? Por que é que a comunicação social não faz o seu papel, actuando
pedagogicamente e banindo dos seus quadros "vendedores de banha da
cobra"? Por que é que a justiça não actua ou, quando actua, fá-lo
tardiamente? E outras perguntas poderia fazer ... claro, estamos desculpados,
este apodrecimento democrático é também europeu, a Europa já não é o que era,
vamos a reboque.
pjmw,
07.04.2019 12:07: Parabéns por
nos recordar a todos as imperfeições da democracia e realçar que o problema
não está no sistema, mas nas pessoas que dele se aproveitam.
É a falta de ética tout court, que subverte o sistema e as instituições. Infelizmente, por cá, este mal não é isolado mas é
já uma verdadeira carreira profissional para onde convergem os mais mal
formados elementos da nossa sociedade. Estão lá os oportunistas, os vigaristas
e os manipuladores profissionais que só pretendem enriquecer de forma fácil e á
custa da benevolência dos dinheiros alheios. Não estão lá para servir os ideais
que demagogicamente “venderam” aos cidadãos e muito menos para os servir
altruisticamente! Precisamos
de uma revolução democrática feita com o voto branco ou uma revolução tout
court para ir á raiz do problema.
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