terça-feira, 9 de abril de 2019

Opiniões: Retrato



Os comentadores do Diário de VPV são antes retratistas da personagem VPV, atentos à sua escrita que não é mais que um espelho do seu carácter, voluntarioso e snob, mas sensível, mas também da sua agudeza perceptiva que, numa penada, define um facto ou derruba um argumento, segundo o seu capricho de momento, numa escrita enxuta e drástica, de bobo intemerato do rei, mas sem rei.
OPINIÃO    Diário
VASCO PULIDO VALENTE   PÚBLICO, 6 de Abril de 2019, 6:23
Para perceber que estamos mesmo fora do sistema solar, basta ver o uso cada vez mais frequente da expressão “facto objectivo”.
31 de Março: Os senhores advogados da Assembleia da República deram esta semana um pequeno escândalo, quando se autorizaram a si próprios a fazer tudo o que lhes apetecesse, sem prestar contas a ninguém. As virgens do costume vieram logo dizer que a qualidade de representante da nação era incompatível com o baixo mundo dos interesses. O país não se comoveu. E fez bem. Se os senhores advogados em causa fossem sinceros deviam reconhecer duas coisas. Primeira, que procuram em São Bento, principalmente, alguma notoriedade que de outra maneira não conseguiriam. Segundo, que não têm qualquer poder ou influência, a não ser a que, por acaso, lhes dá uma posição no partido, que manda neles como no resto.
1 de Abril O referendo, que é um modo tumultuário de governo, manifestou a vontade dos britânicos de saírem da União Europeia. O parlamento, que é o modo representativo de governo, nunca quis, nem quer, sair da União Europeia. Desconfio que o parlamento, ainda que por caminhos ínvios, vai ganhar.
2 de Abril: António Costa anda em campanha eleitoral. Mas não precisa de se esforçar. Numa sociedade de pobreza, o maior valor é a segurança, e hoje a segurança é o PS. Mesmo sem uma maioria absoluta, o PS será sempre o poder decisivo e tem, aliás, na sua história, um precedente importante: o “PS sozinho” de Zenha e Soares de 1976 a 1979.
3 de Abril: A velha polémica entre quem quer um défice baixo, ou nulo, e as contas do Estado bem reguladas, e quem quer baixar os impostos voltou à cena política. Infelizmente é uma polémica muito velha e sem resolução. A carga fiscal é alta não porque o Estado seja particularmente ineficiente, mas por causa do papel central que tem na sociedade portuguesa, que ninguém se propõe, ou pode, diminuir.
4 de Abril: Desconfiei bem. A resistência de um parlamento plebeu à última tentativa de política imperial ganhou o dia. May tem agora de se entender com Corbyn para um soft Brexit. Ou seja, para um fingimento de Brexit. Tenho pena. Cresci e até me eduquei na Inglaterra antiga, inigualitária e snob, que era para mim uma segunda pátria; e não me reconheço na Inglaterra dos remainers.
5 de Abril: O problema com as famílias do PS é que não é um problema de família. É um problema de seita. Aquela esquerda, como toda a esquerda, é uma seita. Não tolera nenhuma espécie de contradição. Para viver com ela tem de se partilhar os pressupostos, os preconceitos e as referências de uma certa visão do mundo. Quem fica de fora não passa de um estranho, de uma presença incómoda e hostil, que deve ser combatida. Não admira que, quando a seita chega ao poder, suspeite do mundo inteiro e prefira os seus fiéis ao resto da humanidade. O que se perde nisto não resulta do famoso “afunilamento da classe politica”; o que se perde nisto resulta de um “afunilamento” intelectual e político.
5 de Abril à noite: A televisão anuncia hoje que António Costa descobriu um bode expiatório para os seus sarilhos. Foi um secretário de Estado qualquer, certamente um bom homem, que nomeou o primo para o gabinete. Em 1980, também nomeei uma ex-cunhada para o meu gabinete, na maior paz de espírito. Gostava dela e ela conhecia a “casa”. Não me ocorreu que estivesse a cometer um tenebroso acto de nepotismo. Precisava de confiança e discrição, e aquela era uma nomeação política: a minha ex-cunhada desaparecia comigo e não deixava rasto.
Colunista
COMENTÁRIOS
joaomorai033, 06.04.2019 18:05: Numa palavra, Brilhante! "O problema com as famílias do PS é que não é um problema de família. É um problema de seita. …. Humanidade.”
 06.04.2019 19:23:A seita do PS não aceita a seita do PSD e vice versa.
José Manuel Martins, évora 06.04.2019 : a de 1 de abril - é de 1 de abril. Mas a de 4 ainda mais. É 'às avessas', vasco: o parlamento é que se tornou na sede do desencontro tumultuário, do burburinho da insanidade. De contrário, votava um novo referendo remainista, respaldado no 3º tumulto, a petição. O faraó amenófis IV também foi educado no antigo egipto, e sabes uma coisa? Já não existe. O ps sozinho durou 3 anos? Adjiii!!.. 5/4: lúcido e certeiro. Regresso de vpv. 'Tem dias' - literalmente. à noite manteve a lucidez (sobre o bode expiatório, não sobre a casuística das cunhadas: a minha não é a tua, a dele não é a da outra. Vpv delira ao fulanismo iluminado).
06.04.2019: Portugal sempre foi um país de seitas. Nada está por descobrir. Qualquer pessoa medianamente culta sabe. Basta conhecer um pouco da História de Portugal. Somos geneticamente assim. Tudo o resto não passa de oportunismos de alguns para ganharem a vida. Com papas e bolos se enganam os tolos.
Colete Amarelo, Aqui mesmo 06.04.2019: A seita da esquerda é um tiro na "mouche". Infelizmente não é a única. Esta cultura de seita estende-se a todo o país, quem fica de fora é um desgraçado. Na função pública todo o posto deveria ser obtido por concurso.
cisteina, Porto 06.04.2019: Este "Díário", sempre o quero ler, mesmo que por vezes (raramente) não concorde. Mas é de uma lucidez perturbadora, atira-nos para a frente dos olhos uma série de desmandos políticos que escapa ao menos atento, VPV, como alguém escreve, "está limpo", abre-nos os olhos, não deve nem teme, sempre igual a si mesmo, uma verdadeira consciência do estado da nação. Medíocre, como sabemos. A precisar muito de subir, como tanto desejamos. Os mais atentos, claro.
arcticstunt, Londres 07.04.2019: Diz o que todos acham que querem ler... tudo podia até ter sido escrito por um "bot". O primeiro dos populistas, vá lá, ao menos não grita.
tucidides, 06.04.2019: Pátria é a terra dos antepassados, os "patres". Seguramente o inverno, ocupado pela horda anglo-saxónica, é a pátria de VPV. A barbárie germânica é a pátria da criatura que não revela conhecimentos, e ainda menos inteligência, para pertencer à cultura da civilização greco-romana. É dos rurais que acreditam que pode haver uma monarquia-democracia (uma antítese), porque tem um parlamento. São tão ignaros que não sabem sequer que parlamento é uma invenção medieval, que nunca existiu na democracia. Democracia e anglo-saxões não condizem, tal como civilização e barbárie. VPV é daqueles que emigra para a barbárie e volta com o típico deslumbramento saloio, o "lá fora é que é". A puerilidade néscia, da barbárie germânica, atrai os mais néscios dos pueris. E é o que vê na criatura da pátria tosca
nelsonfari, Portela-Loures 06.04.2019 13:37: O Epicuro de "Tudo Menos Economia" voltou. Bem-vindo. Sempre apreciei as suas opiniões. Um comentador à altura de VPV. Vai ser divertido.
António Cunha, 06.04.2019: Caro tuciidides, muito obrigado pelo seu texto. Brilhante!
nelsonfari, Portela-Loures 06.04.2019 11:54: O meu foco vai para o que diz o diário em 4 de Abril. Não é qualquer um que escreve isto. É de enaltecer que escreva isto, Nem boys ou girls o poderão fazer. É preciso lembrar que VPV não gostou da "tarefa" de deputado e veio-se embora. VPV não fez na vida o vai-vem Estado-empresas-Estado. Foi secretário de Estado da Cultura em 1980. Gostou da Inglaterra snob, inigualitária, andou por lá em Oxford. Fez a vida no ICS. Tem o poder de poder falar deste execrável sistema. Escreveu e escreve para jornais e às vezes aparece nas TV´s, Está perfeitamente limpo e tem poucos ídolos. Elogia quem lhe apetece. Execra ,muita gente. Tem um quadro teórico de referência próprio. Escreveu bons livros. Tudo bem. Devemos respeitar as suas opiniões.Existe nele um certo elan de superioridade moral: VPV está limpo.
Nelson Sousa, 06.04.2019: VPV quase deixou de me surpreender. Continuo a ler com gosto mas algo mudou. Antes, ria-me indignava-me, concordava ou discordava. Agora leio apenas. Parece um cata-vento. Atira em todas as direcções e para todos os gostos. Uma no cravo e outra na ferradura. Contraditório, incoerente, desconcertante, ocasionalmente surpreendente, algo cristalizado num mundo diferente, fechado, parcialmente deslocado da realidade.
AndradeQB,Porto 06.04.2019: Este Diário é uma minha curiosidade semanal e que normalmente, mas particularmente hoje, me dá a certeza de que ainda há quem não esteja cego. De sublinhar o 30 de Março e o "facto objectivo". Esta nota de VPV ajudou-me numa perplexidade que me está a atingir. Li sobre o resultado do prós-e-contras relativo a medicinas alternativas e convencional, e ao debate entre um representante da indústria tabaqueira e de 15 (quinze) associações "científicas" sobre as novas formas de cigarros. A argumentação, e tendência da sua aceitação, só podem ser entendidas considerando que o "facto objectivo" não é uma redundância, mas sim algo multidimensional e extraterrestre.

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