E voltamos à vaca fria, revenons à ces moutons, como pretendia o
juiz na “Farsa de Pathelin”, em que
panos e carneiros, estes últimos caso de julgamento, baralham um juiz que julga
defender os carneiros de um pobre pastor que os roubara ao comerciante de panos
que lhe pôs o processo, em que o advogado Pathelin era defensor daquele, mas
que fora reconhecido pelo fazendeiro, em tribunal, como o seu ladrão da fazenda
de um fato que o advogado Pathelin lhe não pagara (já por um preço enganador,
que Pathelin promete pagar em sua casa, o que não acontece fingindo-se doente,
com a conivência da mulher), e a quem reconhece no tribunal como ladrão do seu pano,
o que origina um diálogo de quiproquós, na confusão do comerciante, que constantemente,
na sua denúncia, troca os panos pelos carneiros, o que deixa o juiz perfeitamente
confundido, repetindo monocordicamente o “revenons à ces moutons” - o caso do
seu julgamento. Uma farsa medieval de burlões, todos eles, incluindo o próprio
pastor, ao não pagar, no final, ao advogado Pathelin a espórtula combinada para
este o defender em tribunal, usando a sua mudez reduzida ao “mé”, como prova de
pobre de espírito, como lhe ensinara Pathelin para aplicar em tribunal e assim ganhar
o processo dos carneiros, o que acontece. Quando Pathelin lhe exige a paga, o
pastor responde também com esse mé do
seu balir de idiota, revelando-se assim o maior burlão, entre todos eles, e
ainda a mulher de Pathelin.
Os casos no nosso país… João Miguel Tavares refere-os sintomáticos da nossa malandrice, como
também explica as causas várias de
alguns julgamentos. E os trocadilhos respectivos. São coisas muito nossas, muito dos nossos coisos, não vale a pena especificar, tão
badalados andam, mesmo sem os més dos nossos balimentos específicos, que na
peça francesa se converteram em bés.
OPINIÃO
Ferro Rodrigues e a “política dos casos”
O PS continua a enterrar a cabeça na
areia e a recusar reflectir sobre o seu vergonhoso passado. E isto não é uma
“política dos casos”. É mesmo um caso político.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 27 de Abril de 2019, 6:05
Em Maio de 2011, José Sócrates pediu
a Passos Coelho para parar com a “política de casos” na campanha eleitoral. Em
Março de 2015, quando se soube que Passos Coelho tinha pago dívidas à Segurança Social
com vários anos de atraso, António
Costa afirmou que não pedia a demissão do então primeiro-ministro por ter “uma
reacção quase visceral à política de casos”. Também em 2015, mas em Agosto,
Marques Mendes criticou no seu espaço de comentário televisivo Paulo Rangel
por trazer o tema Sócrates para a campanha eleitoral, já que isso era
“introduzir uma política de casos, e o país precisa de causas, não de
casos”. Em Portugal, como se vê, quase ninguém gosta da “política de casos”.
Ferro Rodrigues também não gosta. No seu
discurso do 25 de Abril, resolveu dizer a certa altura que “a política de casos
é a arma dos fracos, daqueles que não têm ideias nem alternativas”, e que essa política “não resolve os desafios
estruturais do país, nem os problemas concretos das pessoas”, servindo apenas
“para minar a democracia e envenenar a vida pública”. E concluiu, empolgado:
“Às tentativas de degradação do espaço público, respondamos com a exemplaridade
republicana e com a convicção democrática!” Esta parte do seu discurso foi a
mais aplaudida no hemiciclo.
É
certo que não se percebe como é que este ódio visceral aos “casos” combina com
aquela outra parte do discurso em que Ferro Rodrigues afirmou que “só
instituições irrelevantes é que passam por entre os pingos da chuva e escapam
ao escrutínio da opinião pública”, e que “a abertura, a transparência e a ética
da responsabilidade são os melhores antídotos contra o crescimento da cultura
antiparlamentar”. Mas já se sabe que a lógica em política é uma batata. Ferro
Rodrigues aprecia o escrutínio, sim senhor, e muito, mas apenas em abstracto.
Os “casos” escrutinados, em concreto, já são um bocado foleiros, uma triste
“arma dos fracos”, que envenena “a vida pública”. Envenena tanto, aliás, que o
próprio Ferro Rodrigues afirmou ao PÚBLICO, com o coração a latejar: “Os políticos não podem ser tratados pior do que cães.”
Meu
Deus, tanta indignação. Mas será ela justa? Paremos para reflectir – que raio
é, afinal, uma “política de casos”? É a opinião pública ficar aborrecida com as
nomeações de pais, filhos, irmãos, primos e cunhados para o Governo? É as
pessoas descobrirem que as comissões parlamentares de transparência são
vergonhosamente opacas? É perceberem que alguns senhores deputados, que
garantem estar em São Bento, estão afinal a circular por Trás-os-Montes? Não
será a misteriosa “política dos casos” um mero sinónimo da “política de
escrutínio” que Ferro Rodrigues diz tanto apreciar?
Há
uma regra que talvez fosse útil todos os políticos portugueses passarem a
aplicar: se há uma expressão que José Sócrates já utilizou para se defender
publicamente, se calhar é preferível optar por outra. O combate à “política dos
casos” é filosofia socrática pura e dura, do ramo da Covilhã. Não me parece
assisado Ferro Rodrigues surgir agora como involuntário discípulo do animal
feroz. “Política dos casos” são apenas os casos que envergonham a política, e o
nome que os políticos dão aos casos que não conseguem, nem querem, explicar.
Andar com este género de conversa em 2019 apenas prova aquilo que estou
fartinho de dizer: o PS continua a enterrar a cabeça na areia e a recusar
reflectir sobre o seu vergonhoso passado. E isto não é uma “política dos
casos”. É mesmo um caso político.
COMENTÁRIOS:
AA...Para a mentira ser segura ... tem que ter
qualquer coisa de verdade, Portugal 27.04.2019: Tantos indignados com os factos relatados
pelo JMT. O problema do bom povo tuga é que analisam os partidos polÍticos como
no futebol. A irracionalidade é total mesmo quando a sua equipa não ganha.
Tenham juízo. Este senhor, Ferro Rodrigues, está na politica desde o 25 de
Abril. É por causa dele, e de outros que estão no partido dele e nos outros partidos,
que a abstenção não pára de aumentar. Os cães são muito mais dignos que esta
cambada. Tenham vergonha. Estamos fartos de aturar as balelas do Ferro Rodrigues.
ana cristina, Lisboa et Orbi 27.04.2019: infelizmente a quantidade de casos parece
ser inversamente proporcional à capacidade para resolver problemas. Um politico
que anda atarefado a dinamizar actividades nos cemitérios de Lisboa e a colocar
os familiares em tudo o que é bom tacho que apareça no Estado terá
disponibilidade mental, e de tempo, para se dedicar à resolução dos problemas
do país?
Nuno Silva, 27.04.2019: Às vezes tenho que dar
razão ao JMT, como hoje (e noutras vezes). De facto o PS, e outros PSs por essa UE afora, são como as baleias da
Nova Zelândia, ao suicidarem-se na praia às centenas. Seja neste caso de
familiares à fartura (e é a fartura que está em causa, não o facto de serem
competentes), ou do PS não apresentar um candidato próprio à presidência, ou o
mais grave, no recuo recente caso das PPPs (buracos negros a prazo) promíscuas
na saúde...
Pedro Augusto, 27.04.2019: Os
casos são a alma mater do jornalismo barato, iam agora ser deixados para
segundo plano em relação à política e ao futuro do país? Especialmente, perante
o deserto de alternativas actual. Quando os populismos ascenderem, JMT vai ser
feliz: Não lhe vai faltar material para escrever!
Mario Coimbra, 27.04.2019: Caro JMT, excelente artigo. Como disclaimer
gostaria de dizer que considero Ferro Rodrigues das piores figuras da nossa
política. Ser ele o Presidente da AR é para mim uma vergonha. Nem acredito que
ele o seja.
José Teixeira Gomes, Porto 27.04.2019:
JMT. Enquanto ouvia o
discurso do Sr Ferro percebi a contradição mas não me detive sobre ela. Parabéns
pelo seu trabalho. Quem empurra o povo para o populismo são os maus políticos
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