quarta-feira, 17 de abril de 2019

Eram seres superiores mas



A propósito do excelente pequeno texto de Salles da Fonseca sobre a tal geração de intelectuais franceses que tanto contribuíram para a abertura do mundo no campo da criatividade orientada por princípios filosóficos revolucionários, posso contar das minhas próprias emoções de leitura, nesses tempos ainda moços, Sartre com as suas peças de teatro, sobretudo, mas Simone de Beauvoir acima de tudo, com as suas Mémoires d’une jeune-fille rangée e seguintes, e L’Invitée, que eram livros de juventude e rebeldia, mas de responsabilidade também, em espaços físicos de mundos bem diversos da tacanhez do nosso. O existencialismo estava então na berra, por esses tempos da minha leccionação em África, via-se nos filmes do James Dean e do Marlon Brando, de uma juventude insatisfeita sobretudo contra a sociedade preconceituosa de uma burguesia bem instalada. Mas essas ideias libertárias não nos afectavam grandemente, na orientação que a vida de trabalho de nós exigia, de a cumprir com empenhamento. Realmente, os efeitos de convulsão social que a orientação marxista desses génios da cultura trouxeram, que eu admirava segundo os trâmites da minha própria formação de liberdade sem manipulações, contudo, revelaram-se catastróficos, mas só o percebemos na altura do golpe de estado que pôs fim à passividade anterior. Outros tinham agido na sombra e destruíram o edifício de uma sociedade que, apesar de tudo, era mais equilibrada e seguidora de princípios do que a que se veio instalar entre nós, portugueses. Mas natural é isso. Sartre pôde ser realmente livre, numa sociedade de intelectuais sem fanatismos de tanta rigidez, ou discutindo-os com argumentações de um saber próprio. Seguindo embora os trâmites da esquerda, não se filiou no PCF, segundo as informações de R. Aron, veiculadas por Salles da Fonseca. Por cá, a lucidez transmitida pela leitura, ficou-se pelas ideias antigas, de marranço contínuo nos tópicos primeiros da doutrina, e sem ir mais adiante na reflexão. As nossas greves destruidoras do país derivam daí. Desse marranço. Bovino.
RECAPITULANDO A HISTÓRIA - A CARTILHA DE STALIN
 HENRIQUE SALLES DA FONSECA  A BEM DA NAÇÃO, 17.04.19
Escreveu Raymond Aron (1905-1983) durante alguns anos (1952-54) de grande meditação e profunda tristeza pessoal (morte de uma filha) um livro que intitulou «L’opium des intelectuels» em que explica a sua oposição aos intelectuais franceses de então. Globalmente liderados por Sartre (que se servia de Simone de Beauvoir quando ele próprio não queria «dar a cara»), todos esses intelectuais se perfilavam pela esquerda, muitos deles de filiação comunista e outros lá perto mas sem filiação no PCF (caso do próprio Sartre).
Sobre este livro – de que estou a ler um resumo feito pelo próprio Aron nas suas «Memórias» [i] e de que escreverei mais – extraio da pág. 325 uma citação que Aron faz de um escrito de Sartre sobre a actuação comunista em França naquela década de 50:
Estou certo de que boa parte da estratégia da CGT [ii] na greve é muito mais comandada por fins militares longínquos do que por objectivos sociais evidentes.
Repito que se trata de escrito de Sartre que Aron apenas cita.
Ou seja, Aron nem precisou de se levantar contra a esquerda porque foi ela própria que fez a afirmação de que o estalinismo se dedicava a tácticas de mobilização de massas para bloquear França
Isto foi em França nos anos 50 do séc. XX mas é precisamente o mesmo que vemos actualmente em Portugal com o surto interminável de greves e manifestações. Trata-se obviamente duma táctica de mobilização permanente de massas que a qualquer momento possa paralisar o país. Basta, para além das massas humanas, colocar uns camiões em pontos chave do trânsito para que o caos se instale. Já o fizeram várias vezes, não hesitarão repeti-lo.
Como fica patente, em Portugal a cartilha stalinista continua em vigor.
E onde está a legitimidade democrática e a defesa dos princípios humanistas pelas Forças Armadas e de Segurança? Provavelmente manietadas por infiltrações cirúrgicas.
 Não estou, pois, apenas a recapitular a História, estou a olhar para o presente e a temer pelo futuro.
Abril de 2019 Henrique Salles da Fonseca
[i] - Pág. 312 e seg. ed. GUERRA & PAZ, Fevereiro de 2018
[ii] - Confédération Générale du Travail (central sindical comunista)


COMENTÁRIOS:

 Anónimo  17.04.2019  09:01: O comunismo é como lepra. Alastra indefinidamente e não tem cura.
 Henrique Salles da Fonseca  17.04.2019  12:26: Meu caro Amigo,: Muitíssimo obrigado pelas sua mensagens que leio com o maior interesse e me fazem pensar naquilo que foi este pequeno e nosso país … Com um grande abraço e votos de continuação da sua viagem maravilhosa por paragens longínquas já contempladas pelas tripulações das nossas caravelas ! -  Francisco de Novaes Athaide
 Henrique Salles da Fonseca  17.04.2019  12:28: Concordo totalmente. Já escrevi isto a propósito da greve no Porto de Setúbal. E acabei mesmo há pouco de escrever em "Pratos Limpos", numa série de três artigos a que dei o título "Os direitos da muito esquerda ou as grilhetas da governação". Pena, que a elite política cá do burgo seja meio atontada. Abraço António Palhinha Machado
 Henrique Salles da Fonseca  17.04.2019  12:57 : Muito bom.  Um abraço, José Montalvão
Henrique Salles da Fonseca  17.04.2019  14:05:
 Tem toda a razão mas com a mediocridade que abunda na nossa ”elite” dominante temo não nos livrarmos disto em tempo útil.  
Com um abraço do  José Carlos Gonçalves Viana


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