domingo, 14 de abril de 2019

Porque hoje é sábado


Um Diário, uma Crónica, ambos textos de Opinião, com a subjectividade inerente ao estilo, à visão política e ao sentido de humor de cada um; ambos com a mesma data, saídos em jornais diferentes: o texto de Vasco Pulido Valente a impor uma verdade arrancada ao seu estatuto de historiador; no de Alberto Gonçalves a sua verdade, distorcida em parte na ferocidade do seu ódio sem entraves a uma esquerda psitacista - (de ódio também, por essa direita “de atropelo e conservadorismo”, e de um estafado amor de “virtude” e suor e desafio, pelas classes “trabalhadoras exploradas”) e que A G, naturalmente repudia, em afirmativas caricaturais de pesado impacto, a merecer o ódio dos seus comentadores, sem nível e digladiando-se entre si, a maioria provando ser de esquerda, na deselegância com que abocanham e se abocanham. Ambos defendendo o seu ponto de vista na indiferença pelo ponto de vista alheio, porque só o de cada um conta, mesmo que seja feito de boutades de mau humor ou de maledicência apenas. Tal é o caso de afirmações como “a França, o maior anão do continente”, de VPV, que fere como uma monstruosidade, na ingratidão por um país de tantos nomes que iluminaram o mundo e que ainda hoje o prova, num status de irrefutável superioridade criativa, pese embora a fraqueza económica que a secundariza, no tablado das augustas potências capitalistas, hoje expostas mundialmente. Por seu turno, AG divertindo-se, no desvairamento da sua maledicência criativa de fundo humor. 
Textos ambos que provam que o país ainda mexe, superiorizando-se no estrebuchar de alguns. Sábado, dia de festa por cá.

I - OPINIÃO  -  DIÁRIO
Não gosto da ‘transparência’. Os negócios de Estado devem ser tão secretos quanto possível. A opinião pública é hoje o Facebook.
VASCO PULIDO VALENTE
PÚBLICO, 13 de Abril de 2019, 7:22
7 de Abril: Em 1830, num livro que se tornaria canónico, o marquês de Custine escreveu que o Gigante do Norte, a Rússia, só esperava um momento de discórdia no ocidente, para engolir a Europa.
Esta profecia, que na altura não incomodou especialmente ninguém, foi ressuscitada em 1914 e 1945. Primeiro a França, o maior anão do continente, e a seguir a Alemanha acabaram por tomar boa nota dela. E a Alemanha, apesar da entreposta Polónia, ainda agora preferia ter também a Ucrânia pelo meio.
A NATO foi criada para combater esse Gigante do Norte, que hoje Putin encarna com os seus putativos ataques cibernéticos e a sua ajuda à extrema-direita nacionalista. Isto é, pelo menos, a opinião da esquerda bem pensante. Felizmente, a realidade é outra. Nem Putin tem interesse em destroçar a UE, nem a direita nacionalista precisa de Putin. A não ser às velhas colónias da URSS, o facto é que a NATO não faz falta a ninguém, por muitas razões que se inventem para justificar a sua supérflua existência. As viagens do secretário geral Stoltenberg não lhe servirão de nada.
8 de Abril: Ana Catarina Mendes declarou ao país: “O PS não recebe lições de ética de ninguém”. A sério?
9 de Abril: Curioso que os países mais doces com a Inglaterra são os que foram vassalos dela ou estiveram estreitamente associados à sua Casa Real: a Holanda, a Dinamarca, Portugal, e alguns dos principados da Alemanha. Quem quiser saber o que é endogamia não pode acreditar nos jornais nem nos comentadores de televisão. Deve estudar a história dos descendentes da rainha Vitória.
Mas para voltar à Europa, quem tem querido empurrar a UE para as posições mais drásticas tem sido a Espanha, que a Inglaterra humilhou durante todo o século XIX, e a França, que, não valendo nada desde Napoleão, tem sempre de representar a farsa da sua grandeza.
10 de Abril: Ao princípio da tarde, uma televisão qualquer mostrou Santana Lopes a entrar para um helicóptero. Percebi depois que esta encenação burlesca se destinava a enfatizar o único ponto político do programa da Aliança: a Aliança está contra o aeroporto do Montijo e a favor do aeroporto de Alverca. Os noticiários da noite já não traziam nada sobre o assunto.
11 de Abril: Vi uma vez o malfeitor do dia, Joe Berardo, no restaurante de um hotel de luxo. Estava todo vestido de preto, com uma boina preta na cabeça e calçado com uma espécie de sapatilhas. À volta dele, vinha uma comitiva também vestida de preto, que parecia um bando de lacaios. Não precisei de ver mais nada para saber que nunca emprestaria um centavo àquela criatura. Foi isto em meados dos anos 90.
12 de Abril: Não gosto da “transparência”. Os negócios de Estado devem ser tão secretos quanto possível. A opinião pública é hoje o facebook. Foi quando a opinião pública começou a dirigir a política externa das potências que rebentou a I Guerra Mundial e, depois dela, o fascismo e o nazismo.
Além disso, os políticos portugueses não são capazes de resistir à opinião pública. Os deputados, por exemplo, passaram-se e passaram ao governo sucessivamente atestados de inimputabilidade. Começaram por se marcar faltas a si próprios, como se fossem vadios. A seguir, cortaram os seus próprios ordenados e as suas próprias pensões para se darem ares de desinteresse. Agora estão preparados para votar a lei de Costa, que Marcelo, com a desculpa da transparência, mas na verdade para obedecer às redes sociais, impôs ao PS.
Marcelo diz que quando não há “ética” deve haver lei. Devia era ter havido algum senso político, por pouco que fosse.
Colunista

COMENTÁRIOS
Novo Humbo, Ryugu 13:59: Sr. Valente, Cortar nas suas próprias pensões - as dos deputados - não é uma supérflua medida demonstrativa de desinteresse. Afastarem-se da excepção decidida em causa própria, alinhando-as com as do resto da população, por uma questão de princípio, é um imperativo moral que se coloca ao sistema político... e, para mim, conforme já decidido há algum tempo o único passo que me levará de novo à boca das urnas para outro voto que não seja o que tenho tido como sistemático: O voto em branco.
Colete Amarelo, Aqui mesmo 13:35: Magnífico Diário. Aproveito para exprimir que não compreendo por que razão o novo aeroporto não vai para Beja, tanto mais porque agora se fala tanto em regionalização... Será que porque beneficiaria mais uma população do que interesses lobistas?
 Responder, Venezuela Livre 12:20: Hoje não concordo com o VPV em que Putin não quer destroçar a Europa; julgo que quer pois isso afirmaria a Rússia como a potência do continente e teria livre trânsito para fazer as diatribes que quisesse sem as penosas sanções e a Nato a morder-lhe os calcanhares.
Espectro, Matosinhos 10:46: Hoje (no dia em que escreveu isto), a bílis do Vasco não está mal de todo! Haja saúde! LOL
FPS, Vale de Santarém 08:39: Este é o "velho" Vasco Pulido Valente que me ensinou a ver o século XIX e o seguinte, na sua brilhante bibliografia. O VPV desta semana não contém uma palavra de que discorde... que isto é reflectir sobre a realidade de hoje com os olhos clarividentes de quem conhece as suas origens, as motivações, as questões não ciscunstanciais que apenas decoram a história. E quando assim é, ser de direita, de esquerda ou de centro extremo, pouco importa que o que importa é compreender um pouco melhor os dias de hoje...
cisteina, Porto 09:20: Assino por baixo

II - CRÓNICA:  Quatro notícias obscuras /premium
OBSERVADOR, 13/4/2019
Aliás, podem fazer o que quiserem: esta não é apenas a geração mais informada de sempre, mas a mais ridícula. Se este é que é o tal “mundo melhor” das lengalengas, fiquem com ele.
Para mim, a notícia da semana são quatro. E ninguém reparou em nenhuma. A primeira é a de que um partido chamado Chega não consegue legalizar uma coligação chamada Chega por causa da existência de um partido chamado Chega, que por acaso integra a coligação chamada Chega, a qual aliás já não se chama Chega pelos motivos acima expostos. Os responsáveis por este enredo já submeteram ao Tribunal Constitucional várias hipóteses, da referida Chega a Coligação Chega, passando por Europa Chega. Todas foram rejeitadas. Da última vez que vi, tinham submetido o nome Basta, que ameaça tornar-se profético: o chefe daquilo, um sujeito que discute penáltis em programas de variedades, garante que, se Basta “for chumbado por ser equivalente de Chega”, ele desiste destas vidas. Não convém dramatizar. Ainda restam alternativas capazes de descrever as intenções desta força política, logo que se apure se a dita força pretende mostrar satisfação ou impaciência. Num caso ocorre-me É Suficiente. Ou Já Está Bom. Ou Se Melhorar, Estraga. No outro caso, sugiro Rais Parta Isto. Ou Chiça Que É Demais. Ou Europa Chiça Que É Demais. Não têm nada que agradecer.
A segunda notícia dá conta dos desabafos de Rui Tavares, que jura que “todos os partidos instalados na política portuguesa têm medo do Livre”. É a velha síndrome do Estrela da Amadora, evidente quando uma pessoa ou instituição quase inexistentes afirmam uma importância que manifestamente não possuem. O exemplo clássico é o do treinador da bola que garante que “O Estrela da Amadora está a incomodar muita gente”, ainda que perca cada jogo por mais de 5-0. O Livre obteve 2% nas anteriores “europeias” e 0,7% nas “legislativas”. As únicas criaturas com genuíno medo deste partido são os seus próprios candidatos, que não vêem maneira de conseguir um emprego por via eleitoral. O dr. Tavares, então, andará aterrorizado. Quem perde? O país, a UE e a humanidade, claro, que ao desprezarem o Livre desprezam propostas decerto espectaculares em matéria de, cito, “rendas controladas, transportes públicos e carros elétricos”, além de um “novo plano verde”, que não sei o que é mas promete. Palpita-me que não irá cumprir.
A terceira notícia da semana prende-se com as reacções a um artigo de Adolfo Mesquita Nunes na “Visão”. Fiquei espantadíssimo: não fazia ideia de que a “Visão” ainda era viva. O artigo e as tais reacções, geralmente entusiásticas, espantaram-me menos. A nossa direita não perde uma oportunidade de se mostrar moderna, tão moderna que às vezes parece querer desfilar com uma esquerda essencialmente fossilizada em 1960. O dr. Mesquita Nunes identifica bem a “direita musculada, cheia de testosterona”, que pelos vistos promove “ataques à liberdade de expressão, à liberdade académica, à liberdade religiosa, à liberdade política”, além do “desrespeito” pelas “minorias”. Infelizmente, identifica mal a dimensão dessa perigosa espécie, no pressuposto, um tanto apressado, de que todos os eleitores dos “ditadores” e “torcionários” Trump, Bolsonaro e Orbán querem o mesmo, e que o mesmo consiste em devolver o mundo às trevas. Sobretudo o dr. Mesquita Nunes acredita que a parlapatice em volta das “minorias” está de alguma maneira ligada ao “respeito” pelas ditas, e não a um pretexto descartável de influência e poder. À força de esconjurar a intolerância de certa direita, que é real, acaba por presumir a tolerância de certa esquerda, que não é. Ao não prescindir da “liberdade como valor primeiro da dignidade da pessoa humana” [sic], o dr. Mesquita Nunes está correcto. A chatice é que a liberdade não se alcança a combater exclusivamente os inimigos definidos pelos “telejornais”, o site esquerda.net, o ISCTE e demais albergues de laparotos. Por uma vez, esta semana um político português disse o fundamental sobre o assunto. Em sessão no Reddit, perante a pergunta: “Qual a opinião da Iniciativa Liberal acerca da liberdade de expressão, especialmente no contexto de expressões que podem ser consideradas ofensivas, mas não sejam difamatórias, caluniosas e/ou incitem à violência?”, Carlos Guimarães Pinto respondeu assim: “Eu quero que quem pretende limitar a minha liberdade de expressão se foda”. E, ao contrário do dr. Mesquita Nunes, disse tudo.
A quarta notícia da semana é a de que uma escola de Barcelona retirou cerca de 200 livros – um terço do acervo, entre eles “O Capuchinho Vermelho” e a “Bela Adormecida” – por achar que transmitem valores “tóxicos” às crianças. Começo por notar que tóxico é o uso da palavra “tóxico” fora do contexto clínico original, e que a ignorância daqui decorrente explica em boa parte o resto. Pelos vistos, um grupo de mães desocupadas decidiu formar uma comissão de censura e desatar a sugerir a proibição de obras perigosas: “Na primeira infância, as crianças são esponjas e absorvem tudo à sua volta, pelo que acabam por assumir como normais os padrões sexistas.”, diz uma das senhoras. Também há adultos que são esponjas, inclusive em matéria de alucinações. Alguns, por exemplo, acreditam ser intolerável que um lobo (macho) engula o Capuchinho (fêmea), e que um príncipe beije uma senhora a ressonar sem a autorização desta. Por mim, podem deixar que o lobo coabite com a catraia numa relação interespécies com partilha de tarefas. E podem prender o monarca abusador, deixar que a moça continue em coma profundo e organizar manifestações à porta do castelo a exigir a eutanásia. Aliás, podem fazer o que quiserem: esta não é apenas a geração mais informada de sempre, mas a mais ridícula. Se este é que é o tal “mundo melhor” das lengalengas, fiquem com ele.


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